Jacarezinho: Famílias ainda tentam liberar corpos, dois dias após operação
Rai Aquino
Colaboração para o UOL, no Rio
08/05/2021 12h01Atualizada em 08/05/2021 19h13
Familiares ainda tentavam, na manhã de hoje, a liberação dos corpos das vítimas da operação que a Polícia Civil do Rio fez no Jacarezinho, na quinta-feira (6). A ação deixou 29 mortos.
Pelo menos cinco famílias ainda aguardavam os trâmites burocráticos do IML (Instituto Médico Legal) para enterrar seus parentes.
Uma das vítimas é Pedro Donato de Sant'ana, 25, que, segundo a família, foi executado pelos policiais.
"Ele estava lá na hora errada. Tentou se render, mas os policiais não quiseram. [Os policiais] mataram porque eles foram para matar, não foram para prender ninguém", lamentou a mãe de Pedro, que preferiu não se identificar.
A família diz que Pedro morava no Morro da Providência, no centro do Rio, e que não tinha nenhum envolvimento com o tráfico local. Ele estaria na comunidade na casa da namorada. O jovem deixou dois filhos, um menino de três anos e uma menina de seis meses.
A mãe de Pedro diz que o corpo do filho já foi levado sem vida ao Hospital Municipal Souza Aguiar, no centro, e deu entrada no IML apenas na tarde de ontem. O enterro dele será hoje à tarde, no Cemitério do Caju, na zona norte.
"Minha sobrinha foi ao Souza Aguiar e reconheceu o corpo. Eu não vi, porque não vou ver", disse a mãe, que é moradora do Morro da Mangueira, na zona norte.
A mãe de Raí Barreiro de Araújo, 18, fez uma camisa para homenagear o filho e Pedro, que seria seu amigo. De acordo com ela, os dois foram mortos juntos dentro de uma casa.
"Eles correram para se esconder, porque a polícia entrou e eles estavam com medo. Eles não estavam armados, porque não eram bandidos. [Os policiais] não pediram identidade, não perguntaram se eles trabalhavam", diz ela, que também preferiu não se identificar.
A mãe diz que Raí e o amigo moravam na Providência e foram ao Jacarezinho para comprar drogas. O enterro dos dois também será na tarde de hoje, no Cemitério do Caju.
A família de Jhonatan Araujo da Silva, 18, era outra que tentava a liberação do corpo do rapaz hoje no IML. Os parentes do jovem dizem que ele foi morto a facadas e ficou com marcas de perfurações no braço e na barriga.
"Falaram para a mãe dele que ele estaria preso. Fomos à Cidade da Polícia duas vezes e a presença dele não constou em nenhuma delegacia", conta uma tia.
Os familiares afirmam que Jonathan também não era ligado ao tráfico de drogas do Jacarezinho e que iria de alistar nas Forças Armadas. De acordo com eles, o rapaz fazia bicos como entregador de compras.
"Ele estava indo para a casa da namorada. Na hora daquele desespero, todo mundo corre. Ele tentou se abrigar dos tiros. Tinha acabado de completar 18 anos, ia se alistar", diz a tia.
O corpo de Jhonatan será enterrado na tarde de hoje no Cemitério de Inhaúma.
"Deito para dormir e acordo pensando que é mentira. Isso está mexendo com minha estrutura. Sou hipertensa", relata a tia.
Operação no Jacarezinho (RJ) deixa dezenas de mortos
Operação mais letal
A operação no Jacarezinho foi a mais letal da história do Rio de Janeiro e deixou 29 mortos, dentre eles o policial civil André Leonardo Mello Frias, 48.
O secretário de Polícia Civil, Allan Turnowski, disse ontem que os mortos na ação eram suspeitos de envolvimento com o tráfico da região, mas não apresentou provas.
Familiares dizem que as vítimas foram executadas. Representantes de entidades que defendem os direitos humanos, dentre eles, o Alto Comissariado da ONU para Direitos Humanos, cobram uma apuração rigorosa da ação.
O governador Cláudio Castro (PSC) defendeu a operação, dizendo que "a reação dos bandidos foi a mais brutal registrada nos últimos tempos".
Mais de 48 horas depois da ação, a Polícia Civil ainda não divulgou a identidade dos mortos. A Comissão de Direitos Humanos da OAB-RJ (Ordem dos Advogados do Brasil no Rio de Janeiro) compilou os nomes e as idades de algumas vítimas.