Com Castro, polícia ignora STF e faz ações de alta letalidade a cada 5 dias
Operações policiais com alta letalidade continuam sendo corriqueiras no Rio desde que Claudio Castro (PSC) sentou na cadeira de governador, no fim de agosto de 2020. Desde então, há uma média de uma ação com três ou mais mortos civis a cada cinco dias na região metropolitana. Para especialistas, trata-se de um sintoma grave de descontrole sobre as forças policiais do Rio.
Na última quinta-feira (6), o Rio teve a operação mais letal de sua história na favela do Jacarezinho, zona norte da capital, com 28 mortos. Nem mesmo a decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) de restringir as operações reduziu ações desse tipo, segundo levantamento feito pelo UOL com base em dados do Instituto Fogo Cruzado.
Sob a gestão de Castro —seja como interino ou como governador em definitivo após o impeachment de Wilson Witzel (PSC)—, ocorreram 45 operações com três ou mais mortos em um intervalo de 110 dias —média de um caso a cada cinco dias. Essas ações tiveram um saldo de 210 mortos.
Segundo a metodologia do Instituto Fogo Cruzado, elas são classificadas como chacinas policiais.
Todo o governo de Castro ocorreu sob o efeito da liminar do ministro Edson Fachin, relator da ADPF (Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental) 635, na qual a alta letalidade das forças policiais fluminenses é questionada. Fachin restringiu as operações durante a pandemia apenas a circunstâncias excepcionais —o plenário do Supremo referendou a decisão.
Mesmo com as restrições do Supremo, a média de Castro é idêntica à registrada durante a gestão de Witzel. Com o mote do "tiro na cabecinha" de suspeitos, o ex-juiz teve uma média de uma "chacina policial" a cada cinco dias. Foram 110 ocorrências em 605 dias de governo, com um total de 410 mortos.
Em 2019, primeiro ano do governo Witzel, o Rio registrou o maior número de mortes por intervenção policial de sua história: 1.810.
A gestão Castro já coleciona várias das operações mais letais da história do Rio. A ação no Jacarezinho se tornou a mais violenta da história da segurança pública do estado, de acordo com levantamento do Geni (Grupo de Estudos de Novos Ilegalismos) da UFF (Universidade Federal Fluminense), feito a pedido do UOL.
Antes disso, em fevereiro, diversos batalhões da PM deixaram dez mortos em uma operação no Morro da Caixa D'Água, em Quintino, também na zona norte. Em outubro, um confronto envolvendo policiais civis deixou 11 milicianos mortos na Rodovia Rio-Santos, em Itaguaí, na Baixada Fluminense.
Ao contrário do antecessor, Castro evita dar declarações histriônicas sobre combate ao crime. Contudo, ele é próximo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e de seus filhos, e conta com o apoio da base bolsonarista na Alerj (Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro).
O grupo político da família Bolsonaro defende ações policiais violentas e a ampliação da excludente de ilicitude para policiais em serviço, que na prática funcionaria como uma licença para matar, segundo especialistas.
Após as 27 mortes no Jacarezinho, o governo fluminense divulgou nota dizendo que "a ação foi pautada e orientada por um longo e detalhado trabalho de inteligência e investigação".
Ainda culpou o crime organizado pelas mortes, reproduzindo o discurso da polícia. "É lastimável que um território tão vasto seja dominado por uma facção criminosa que usa armas de guerra para oprimir milhares de famílias", completou.
Especialistas veem descontrole da polícia
Presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o sociólogo Renato Sérgio de Lima lembra que as forças policiais no Rio vêm em um longo processo de ganho de autonomia.
Ele cita, ainda no início do governo Witzel, a extinção da Secretaria de Segurança como um marco desse fenômeno. E lembra que o novo procurador-geral de Justiça do Rio, Luciano Mattos, escolhido por Castro, teve como uma de suas primeiras medidas extinguir o Gaesp (Grupo de Atuação Especializada em Segurança Pública) —grupo de promotores que investigava crimes cometidos por policiais.
O braço armado do Estado não pode decidir o que ele vai fazer. Precisa ter controle civil. Quando não tem controle civil, ele vai tomar suas decisões por conta própria
Renato Sérgio de Lima, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública
"O governo é fraco politicamente, o MP não faz a fiscalização da polícia e o Judiciário acaba concordando com isso. Tanto é verdade, que hoje a Polícia Civil é tão ou mais militarizada que a PM", completou.
Em coletiva com membros da Defensoria Pública do Estado e da União, da OAB-RJ e de outras entidades, o pesquisador Diogo Lyra, subcoordenador do Geni/UFF, lembrou que chacinas costumam ocorrer em momentos em que se tenta controlar a violência policial —como ocorre agora com a decisão do STF.
"Essa chacina ocorre sob dois contextos que são padrões na ação homicida da polícia. O primeiro deles é a vingança. Houve um policial assassinado e a operação saiu de controle a partir daí."
"Temos ações como a chacina de Vigário Geral que não foi uma operação oficalizada, mas feita por policiais tendo essa razão. Por outro lado, temos outra chacina muito conhecida, a da Baixada Fluminense, em 2005, com 29 pessoas mortas em uma hora. Uma chacina que aconteceu sob o pano de fundo de tentativas de mudança na estrutura da polícia", exemplificou Lyra.
O que diz a Polícia Civil
O UOL procurou o governador Claudio Castro e a Polícia Militar para obter comentários sobre o levantamento com base nos dados do Instituto Fogo Cruzado, mas não obteve respostas até a publicação desta reportagem.
Em nota, a Polícia Civil afirmou que a atual gestão desenvolve "uma política de segurança baseada em inteligência, investigação e a ação". Defende também que "as operações ganharam mais efetividade".
Por fim, afirma que "todas as mortes ocorridas na atual gestão foram de criminosos em confronto" e que os casos são investigados pelo MP-RJ e levados ao Tribunal de Justiça do Rio.
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