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Sommelier corrige sommeliers de vacina: "Não tem como experimentar antes"

Alexandre Macedo, sommelier da Total Vinhos e embaixador da distribuidora Wine - Acervo Pessoal
Alexandre Macedo, sommelier da Total Vinhos e embaixador da distribuidora Wine Imagem: Acervo Pessoal

Matheus Pichonelli

Colunista do UOL

18/07/2021 04h00

Não basta atrapalhar o fluxo da imunização. Os "sommeliers de vacina", como são chamados os cidadãos que reclamam, contestam e até voltam para o fim da fila caso não recebam a dose de seu imunizante preferido, estão causando também uma perturbação linguística.

O publicitário Alexandre Macedo, sommelier da Total Vinhos e embaixador da distribuidora Wine, não fica exatamente ofendido quando ouve ou lê a expressão, mas atesta: trata-se de um grande engano. Para começar, explica, o sommelier precisa degustar a bebida ou o produto antes de indicar para algum cliente ou consumidor. "A vacina não tem como experimentar antes."

De origem francesa, a expressão sommelier designava o oficial da corte que na Idade Média provava a bebida antes de servir o rei. Mas já foi usada para nomear quem conduzia animais de carga e também cuidava das provisões reais durante as viagens. Só no século 19 passou a se referir aos profissionais especializados em bebidas. Aqueles conhecedores da causa do restaurante ou da adega que chamamos para explicar se devemos pedir vinho A ou B para acompanhar nosso jantar.

Fenômeno do século 21, a epidemia de "sommeliers de vacina" acontece no momento em que a profissão de sommelier, os da vida real, crescia, se popularizava, se desmistificava e se espalhava entre especialistas não só de vinhos, mas também de cerveja, café, chá e até sorvete.

Para Macedo, o problema de chamar um especialista em coisa alguma de "sommelier" não é contribuir para tornar o termo ainda mais pejorativo, mas justamente associar a palavra à possibilidade de escolha.

A gente faz piada porque, de certa forma, é engraçado e pelo menos estão lembrando da gente. Mas legal não é. O sommelier tem que saber fazer análises técnicas. Se o produto tiver algum 'defeito', aí sim é função decisória nossa escolher tal e qual. Vinho até pode ter problema, mas a vacina não. Vacina pode causar reações. O vinho só te deixa alegre. Em comum é que ambos fazem bem se tomados na dose certa."
Alexandre Macedo, sommelier da Total Vinhos

Gustavo Cangiani é sommelier há 17 anos - Acervo pessoal - Acervo pessoal
Gustavo Cangiani é sommelier há 17 anos
Imagem: Acervo pessoal

Com 17 anos de profissão e pesquisas, Gustavo Cangiani, sommelier e sociólogo, diz que não é de hoje que ouve a expressão em todo tipo de piada.

"No mundo do vinho, não tem tanta gente especializada, embora isso venha crescendo, como qualquer profissão nova no Brasil. As pessoas falam sobre o que não têm muito acesso e não conhecem", avalia.

O termo, diz, se tornou pejorativo por ser esse um tipo de conhecimento pouco difundido. "A gente tenta mudar isso desde sempre. A gente tenta explicar, mostrar que esse mundo tem de ser descomplicado, que não tem segredo. Vinho é a bebida mais antiga que se tem notícia e ainda tem muito mito."

Mas o uso da expressão nas piadas incomoda? "Nunca liguei. Acho até legal".

Quando o termo fica pejorativo, dá a impressão de que é irrelevante ter um especialista para falar ou indicar vinhos."
Gustavo Cangiani, sommelier e sociólogo

Heraldo Pimentel Júnior, sommelier de cervejas, vê a expressão como uma grande piada. No caso, nada pejorativa. "Quem fala assim provavelmente está desinformado, mas tudo bem. As pessoas são desinformadas mesmo, ainda mais em momentos como o atual."

Para ele, quem quer escolher vacina no meio de uma pandemia tem mais é que ser constrangido mesmo. "Alguma coisa precisa ser feita. Nem que seja dar risada delas."

Toda piada tem um quê de depreciação. Isso não deprecia uma classe porque ela existe antes da vacina e antes da zoeira. Então não vejo nada demais".
Heraldo Pimentel Júnior, sommelier de cervejas

O especialista lembra que a brincadeira se baseia em um estereótipo do sommelier que pode até ser engraçada, mas não é real. "Existe a imagem do sommelier sisudo, arrogante, que bota banca na hora de vender vinho, cerveja, etc. Mas quem trabalha e é do meio sabe que não é assim. O problema não é brincar com isso. O problema é escolher vacina."