Movimentos negros denunciam presidente da Fundação Palmares à ONU
Em ação inédita, organizações do movimento negro brasileiro acionaram a ONU (Organização das Nações Unidas), nesta quinta-feira (22), para denunciar Sérgio Camargo, presidente da Fundação Cultural Palmares (FCP), por violação de direitos humanos.
O apelo enviado foi assinado pela Coalizão Negra por Direitos, entidade que reúne 200 grupos e coletivos negros para promover ações conjuntas de incidência política nacional e internacional. Procurado pela reportagem do UOL, Camargo não respondeu aos questionamentos da reportagem até a publicação deste texto.
O documento enviado à ONU reúne uma série de justificativas que atestam a ideia de que o atual presidente da Fundação Palmares promoveu o desmantelamento institucional da entidade e do patrimônio histórico e cultural afro-brasileiro. O relatório apresentado destaca comportamento ríspido, histórico de práticas violadoras de direitos humanos, ataques a jornalistas e cerceamento à liberdade de expressão.
Em uma de suas falas polêmicas, Camargo chegou a dizer que o movimento negro é uma "escória maldita formada por vagabundos". Em outros momentos, abordou o legado de figuras da cultura afro-brasileira como Zumbi dos Palmares, a quem chamou de "falso herói". Ações como essa, segundo o relatório, configuram o esvaziamento do histórico de lutas e contribuições dos movimentos negros na construção da sociedade brasileira.
"A denúncia da Coalizão demanda frear o comportamento improbo e ilegal de Sérgio Camargo, tendo em vista os frequentes ataques aos direitos humanos"
Coalizão Negra por Direitos
Embates com a imprensa
Os movimentos lembram também a exclusão de mais de 20 nomes da Lista de Personalidades Negras da Fundação Palmares, classificando o ato como uma violação do direito à memória de documentos históricos da organização. Na ocasião, a lista perdeu nomes como o da escritora Conceição Evaristo, da deputada Benedita da Silva e dos cantores Gilberto Gil, Milton Nascimento e Elza Soares.
Também são apontadas tentativas de Camargo de cercear a liberdade de expressão de jornalistas, definindo a prática como uma forma de censura. Em maio de 2020, em seu perfil do Twitter, o presidente da Fundação Palmares bloqueou e postou uma foto do jornalista Pedro Borges, fundador do portal Alma Preta Jornalismo, com a legenda "vitimista, segregacionista, antibranco, defende bandidos e cultua Marielle [Franco]". O site de jornalismo independente tem como foco a cobertura de eventos e fatos sobre a população negra.
Ao UOL, Borges diz que as postagens de Camargo foram motivadas por reportagens investigativas do site sobre a fundação. Após o caso, o jornalista processou o presidente da FCP por danos morais. Também acionou a Justiça para ser desbloqueado na rede social, alegando o direito de obter informações sobre um gestor público para exercer sua profissão. A ação ainda está em tramitação.
Em seu perfil do Twitter, Camargo também já comentou: "Não leio nenhum veículo da imprensa tradicional, desonesta e corrupta, e sei de tudo!
A imprensa não é necessária". Ele também já disse que "parcela dos jornalistas é usuária de cocaína e, por isso, defende traficantes".
Pressão na ONU
O apelo envolvendo as Nações Unidas vem poucos meses depois de a própria ONU enviar uma carta ao governo brasileiro alegando que o atual presidente da instituição é "inapto" para ocupar o cargo.
No documento, relatores do órgão internacional questionaram ações sem precedentes tomadas por Sérgio Camargo, tais como: frases racistas, mudanças estruturais na fundação e a eliminação de colegiados que promoviam a interlocução com a sociedade. A carta foi assinada por relatores da pasta de Liberdade de Expressão e Descendência Africana da ONU.
Sérgio Camargo foi nomeado à presidência da Fundação Cultural Palmares pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido), em novembro de 2019.
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