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Polícia investiga se menina de 12 anos morreu de AVC por negligência médica

Sofia Aparecida da Cruz desmaiou ao participar de festa de aniversário infantil - Arquivo pessoal
Sofia Aparecida da Cruz desmaiou ao participar de festa de aniversário infantil Imagem: Arquivo pessoal

Maurício Businari

Colaboração para o UOL, em São Paulo

22/07/2021 20h58

A Polícia Civil investiga as circunstâncias da morte da adolescente Sofia Aparecida da Cruz, de 12 anos, por um AVC hemorrágico, após ter desmaiado e passado por atendimento médico no Pronto Socorro de Ilha Comprida, no litoral de São Paulo. A família registrou um boletim de ocorrência por omissão de socorro, pois alega que o médico que estava de plantão teria se recusado a atendê-la, alegando que ela pudesse estar drogada ou alcoolizada.

A mãe, a vendedora Tamires Aparecida da Cruz, de 33 anos, conta que, no dia 10 de julho, por volta das 19h, a filha saiu de casa para visitar um amigo, que fazia aniversário. A garota estava acompanhada de algumas amigas e, segundo o relato de uma delas, passava bem, dançou, comeu salgadinhos e, quando estava sentada no sofá, conversando, desmaiou de repente.

A mãe do aniversariante entrou em contato com a família, que a levou, desmaiada, ao Pronto Socorro de Ilha Comprida. Segunda a família, o médico que estava de plantão não quis atendê-la, apesar dos apelos. Tamires conta que ele a olhou "de longe" e teria dito que, em sua opinião profissional, só poderia examiná-la depois que a família registrasse um boletim de ocorrência na delegacia, pois a garota estaria bêbada ou drogada.

Na falta de um B.O., os profissionais teriam apenas mantido a garota numa maca, recebendo soro intravenoso, enquanto aguardavam pelo documento. "Nesse meio tempo, já tinha passado mais de uma hora que a minha filha estava sem atendimento. Então eu corri com meu marido até a delegacia e tive que esperar mais uma hora e meia para que o escrivão chegasse, pois fui informada que ele estava tomando banho".

Sílvia, avó de Sofia, permaneceu com a menina no hospital, e conseguiu convencer uma enfermeira a examinar melhor a adolescente. Descobriram, então, que sua pressão arterial estava alta e as pupilas, dilatadas e sem movimento. Foi a enfermeira quem deu a notícia ao médico de plantão: ela havia sofrido um AVC.

A vítima foi transferida para uma unidade hospitalar de Pariquera-Açu, a cerca de uma hora de Ilha Comprida. Porém, ao chegarem na cidade, o atendimento foi negado, pois a unidade não possuía leito disponível. "Foi então que nos levaram para o Hospital de Registro. Fizeram uma tomografia e constataram um AVC hemorrágico. No dia seguinte, fizeram uma cirurgia de emergência no crânio da minha filha e retiraram cerca de 600 ml de sangue acumulado". Três dias depois, a morte cerebral foi constatada.

"Eu fiquei desesperada. Ela era minha companheira em tudo. A gente não se desgrudava. O meu mundo acabou ali. Daí pensei... vou ajudar outras mães que, como eu, podem estar passando pelo sufoco que eu passei. E resolvi doar os órgãos dela. Quem sabe um dia descubro que uma menina como ela está usando o coração da Sofia? Ou os rins?", lembra.

Um caso incomum

Médico neurocirurgião da Santa Casa de São Paulo, especializado em neurocirurgia infantil, Ulisses do Prado Aguiar explica que os AVCs hemorrágicos são mais comuns na idade adulta, principalmente em pacientes com hipertensão arterial e diabetes. Em casos infantis, há sempre a necessidade de investigação da causa. "As causas mais comuns em crianças são as má-formações das artérias cerebrais. Existem outras causas de sangramento, como tumores e inflamações (vasculites)".

Segundo o especialista, os sintomas mais comuns são dor de cabeça, convulsões e perda de força ou sensibilidade de uma das partes do corpo da criança. Eles variam de acordo com o local do sangramento e a quantidade de sangue que extravasa.

"Precisamos levar em conta as queixas das crianças como: dor de cabeça com ou sem vômitos, tontura, perda de força ou de sensibilidade em alguma parte do corpo. Qualquer alteração do estado natural da criança precisa ser investigada".

Como os sintomas por vezes não são específicos, o diagnóstico pode ser difícil mesmo entre os profissionais. O ideal, na sua opinião, é, em caso de necessidade, sempre levar a criança para um hospital com disponibilidade de neurologista ou neurocirurgião 24 horas.

Responsabilização

Procurada, a prefeitura de Ilha Comprida lamentou a morte de Sofia, "vítima de aneurisma cerebral", e se solidarizou com a dor da família.

"O município informa que abriu procedimento administrativo investigatório para a apuração dos fatos ocorridos na unidade do município, que posteriormente, será encaminhado às instâncias competentes".

A Secretaria de Segurança Pública do Estado informou, por meio de nota, que o caso está sendo investigado em um inquérito policial instaurado pela Delegacia de Ilha Comprida.

"O médico responsável foi identificado e testemunhas e funcionários do hospital são ouvidos pela autoridade policial. Diligências prosseguem visando o esclarecimento dos fatos".

Tamires agora espera por justiça pela filha. A família nomeou um advogado, que está entrando com uma ação contra o hospital e outra contra o médico que se negou a prestar atendimento.

"Que nunca mais outras pessoas pobres, negras como nós, precisem passar por isso novamente. Eu senti que fomos vítimas de preconceito e negligência".