Ilê Aiyê, maior bloco afro do país, luta para sobreviver sem Carnaval
Quando criou o Ilê Aiyê, o mais antigo e tradicional bloco afro do país, em 1974, Antônio Carlos dos Santos, o Vovô, queria evidenciar o protagonismo negro do Carnaval baiano.
Hoje, diante da incerteza de que a maior festa popular do Brasil vá ocorrer, o grupo luta contra dificuldades financeiras devido à pandemia de covid-19 e a problemas judiciais e sobrevive à base de doações.
Vovô do Ilê foi um dos personagens do primeiro episódio de Preto à Porter, série de MOV, a produtora de vídeos do UOL.
Tradição
Nascido no Curuzu, bairro-distrito da Liberdade, Vovô do Ilê sonhava em ser carnavalesco para garantir que pessoas negras protagonizassem a folia. "A gente observava que o negro não participava nos principais blocos. Só se fosse tocando ou carregando alegoria. Havia blocos de maioria negra, mas não tinha a conotação política como a que criamos", conta.
Para ele, o bloco foi um divisor de águas por fomentar a autoafirmação da cultura afro-brasileira em Salvador. "As coisas começaram realmente a se modificar na cidade. As pessoas se orgulhavam em assumir a sua negritude", conta. "Saímos pelas ruas cantando, exaltando a raça negra, o povo negro, o povo de santo", lembra.
Apesar de surgir em plena ditadura militar, o Ilê Aiyê manteve, diz Vovô, a ideia de colocar o negro em primeiro plano. "Aqui só saem negros", enfatiza.
Sem Carnaval, sem perspectiva
Diante do cancelamento de festas tradicionais como o Festival de Música e a Noite da Beleza Negra, o bloco está há quase um ano e seis meses sem desenvolver atividades. Sem o dinheiro dos ingressos, o bloco conta com a ajuda de parceiros e doações pontuais.
Sem boas perspectivas no horizonte para um eventual Carnaval em 2022, o destino da sede e do próprio grupo é uma incógnita mesmo para os seus membros. Segundo Vovô, além do tempo exíguo para a idealização de fantasias e escolha de tema para a festa, não há sinalização aos representantes das entidades afro sobre a confirmação ou não da festividade na cidade.
"Estamos muito com o pé atrás", diz. "Ninguém foi chamado pra conversar ainda. Está tendo reunião com a prefeitura, mas com o pessoal de trio [carnavalescos], com o pessoal de camarote. Está se falando muito na virada do Réveillon, mas não fomos chamados", afirma.
Demissões, salários atrasados e projetos parados
Com as contas sem parar de chegar, o bloco não conseguiu alugar a Senzala do Barro Preto, sua sede no bairro da Liberdade, onde vovô recebeu a reportagem do UOL. Os ensaios juninos na época do São João geravam recursos para ajudar na manutenção do espaço e colaboradores. Sem dinheiro, o bloco demitiu algumas pessoas e atrasa os salários dos trabalhadores remanescentes. Somam-se a isso os problemas na Justiça. Por uma dívida trabalhista, o grupo também esteve sob o risco de perder a sua sede no começo do ano.
"Cancelamos também viagens para os Estados Unidos e para a Europa. Nós tínhamos uma turnê pelo Brasil. Era pra ter começado em julho do ano passado", lamenta Vovô. A turnê à qual ele se refere passaria por São Paulo (SP), Rio de Janeiro (RJ), Belo Horizonte (MG), Fortaleza (CE), Recife (PE) e Aracaju (SE), até retornar para Salvador.
Em 2020, o Ilê chegou a realizar ao menos duas lives para arrecadar recursos. O retorno não foi o esperado. "As pessoas curtem, gostam da transmissão, mas pouquíssimas fazem doações", afirma o dirigente.
Devido à situação financeira ruim, os projetos sociais do Ilê estão paralisados. A escola Mãe Hilda atendia antes da pandemia 240 alunos com aulas de reforço escolar para estudantes do ensino fundamental e de cursos profissionalizantes.
Entre suas principais diretrizes pedagógicas, a Escola Mãe Hilda promove o resgate dos saberes cotidianos locais na perspectiva da questão racial.
Já a Banda Erê, fundada em 1992, ensinava música a jovens do bairro e arredores. As aulas de percussão contemplavam temas como cidadania, história, literatura, saúde corporal, dança e canto.
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