Novos padres não veem imagem da Igreja Católica abalada devido à pedofilia
Ao responder sobre como a sociedade em geral vê a Igreja Católica hoje, entre várias alternativas apresentadas, apenas 1,5% dos novos sacerdotes no Brasil disseram ver a imagem da Igreja Católica manchada por escândalos de pedofilia. O índice entre os padres mais antigos, ordenados nos anos 1970 e 1980, não foi muito foi muito diferente: 2,1%.
Ao apontarem razões que desmotivariam um jovem a ser padre, os sacerdotes mais novos citaram, em maior número (7,6%), o "escândalo da pedofilia por parte de certos padres". Apenas 2,1% dos padres dos anos 1970 e 1980 citaram esse problema como um dos motivos.
Esses dados estão na pesquisa "O novo rosto do clero - Perfil dos padres novos no Brasil", que acaba de ser lançada em livro pela Editora Vozes.
O estudo é coordenado pelo padre Agenor Brighenti, professor de teologia da PUC-PR (Pontifícia Universidade Católica do Paraná). "Chama a atenção que a imagem de uma Igreja manchada pelo escândalo da pedofilia tenha índice tão baixo na pesquisa", afirma Brighenti.
Um relatório liderado pelo vice-presidente do Conselho de Estado da França, Jean-Marc Sauvé, revelou nesta semana que cerca de 216 mil crianças do país foram abusadas dentro da Igreja Católica nas últimas sete décadas.
O papa Francisco se disse "envergonhado".
Distantes da Teologia da Libertação
O estudo detectou que os padres dos anos 1970 e 1980 são mais alinhados à Teologia da Libertação - corrente da Igreja Católica que defende a "opção preferencial pelos pobres", e os de hoje mais identificados com grupos conservadores católicos, como a Renovação Carismática.
Mostra ainda como os novos padres se afastaram dos rumos do Concílio Vaticano II - os debates e conferências realizadas entre 1962 e 1965, com o objetivo de modernizar o catolicismo -, e da chamada "tradição libertadora" da Igreja na América Latina.
O distanciamento dos novos padres de temas sociais fica evidente, na pesquisa, em suas respostas à pergunta, por exemplo, sobre o que está piorando no mundo de hoje.
Solicitados a indicar três alternativas em ordem de importância, eles apontaram o aumento do individualismo e a fragmentação do tecido social (28,4%), a crise de sentido da vida e o vazio existencial (20,9%) e o distanciamento da religião e dos valores cristãos por parte das pessoas (19,4%).
Ao apontarem o que está piorando hoje, os padres identificados com a linha da "evangelização e libertação" citaram, em terceiro lugar, as condições de vida dos pobres, migrantes e favelados (16,8%). Apenas 1,5% dos padres novos indicaram essa alternativa como uma das mais preocupantes.
Questionados sobre os maiores problemas do povo brasileiro, os padres novos manifestaram preocupação com o isolamento, solidão, egoísmo e individualidade (27,9%); o consumismo e a perda dos valores familiares e culturais (22,1%); e a desintegração da família com as separações e uniões livres (16,2%).
A principal novidade hoje no modo de exercer o ministério, na visão dos padres novos (32,8%), é o uso dos meios de comunicação para seus eventos e atividades. Somente 10,3% dos padres tidos como "progressistas", da linha "evangelização/libertação", têm essa mesma opinião. Em relação ao que está melhorando o mundo de hoje, os padres novos apontam, em primeiro lugar, o acesso à educação, moradia, saúde e trabalho (28,8%), em segundo a preocupação com a ecologia (19,7%); e, em terceiro, o acesso da população à internet (16,7%).
Sobre como anda a formação dos futuros presbíteros - entre a totalidade das amostras colhidas, envolvendo padres, seminaristas, religiosas, jovens e leigos -, a avaliação é considerada boa "com bons formadores e bons cursos de Filosofia e Teologia" (20,4%).
Desse total, 12,3% consideraram os sacerdotes de hoje autoritários e que eles tendem a se considerar mais importantes que os leigos; e 11,5% avaliaram que os padres novos parecem ser formados apenas para fazer funcionar a paróquia tradicional. Entre os padres mais novos, 14,9% admitiram ser autoritários, e 22,4% dos sacerdotes identificados com os ideais dos anos 70/80 corroboraram essa afirmação.
Com relação à roupa adequada para cumprir sua missão, tanto os padres novos (28,4%) como os padres dos anos 70/80 (43,8%) apontaram, em primeiro lugar, os trajes civis "com bom gosto e simplicidade. Para os padres novos, o clergyman, ou colarinho clerical - uma gola branca que envolve o pescoço e geralmente é fechada na parte de trás, formando um quadrado na frente -, surgiu como terceira opção (11,9%) e, em quarto, a batina (10,4%).
Fim do padre "24 horas"
Os padres novos também consideram superada uma prática dos religiosos dos anos 1970 e 1980 de não tirar tempo para si, para o lazer e o cuidado pessoal (32,3%). Descartam o modelo "padre 24 horas". Avaliam que, como outros profissionais, o padre tem o seu horário de trabalho e o seu tempo de folga, do qual disporá como achar melhor, para si e para o cuidado pessoal.
"Não tirar tempo para si, para o lazer e o cuidado pessoal casava muito bem com o modo dos padres dos anos 70/80 de exercer o ministério. Havia a urgência da causa, pela qual valia a pena todo sacrifício, mesmo pessoal", afirma o teólogo Antônio José de Almeida, doutor pela Universidade Gregoriana de Roma e ex-professor da PUC-PR.
"A desmobilização de uma vida militante e o novo clima cultural justificam uma nova relação com o tempo, com a limitação do corpo e consigo próprios, que se traduz numa nova relação com a sociedade, a Igreja e a própria missão, não mais totalitária, mas parcial, fragmentada e, de algum modo, profissional", assinala Almeida.
Ao ver os padres novos dar atenção aos meios de comunicação e à internet e, ao mesmo tempo, demonstrar um apego a costumes arcaicos, o teólogo Manoel Godoy enxerga um casamento curioso do passado com o com o avanço tecnológico atual. Godoy, professor da Faculdade Jesuíta de Belo Horizonte e do Centro Bíblico Teológico Pastoral do Conselho Episcopal Latino-Americano (Celam), usa a expressão "arcaico-fashion" para citar o caso de padres jovens que realizam celebrações com inúmeros paramentos e fazem a sua homilia com um tablet nas mãos.
"Do antigo, eles querem a segurança e do tecnológico, as comodidades. São os chamados padres high-tec. Para esses padres jovens, o papa Francisco não exerce atração, pois ele, desde o início do pontificado, criticou a linha da ostentação", afirma o teólogo.
A pesquisa do novo perfil do clero revela, segundo Godoy, que os novos padres apresentam traços bem característicos de uma época. "São tempos de crises nas instituições e de identidades. Para enfrentar essas crises, constata-se uma certa fuga ao passado, onde as fronteiras identitárias eram mais nítidas", afirma
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