Entre os bairros mais legais do mundo, Saúde é a 'pequena África' do Rio
A Saúde, um bairro colado ao centro do Rio, alcançou fama repentina na última semana. Tudo por conta da revista inglesa TimeOut, que incluiu a localidade numa lista dos 49 bairros mais descolados do mundo. Único representante do país na lista, o bairro consegue harmonizar uma vida cultural agitada com uma paisagem parada no tempo e o clima de cidade de interior.
"As ruas de paralelepípedos e becos de Saúde oferecem uma pausa longe do centro frenético do Rio", destacou a TimeOut. A publicação citou os bares antigos e arquitetura portuguesa como atrações, assim como os shows ao ar livre. Publicada anualmente, a lista dos bairros mais descolados foi elaborada por 27 mil eleitores em 2021 e levou em conta fatores como gastronomia, espírito de comunidade e sustentabilidade das regiões.
Quem curte a Saúde vê diversos motivos para a escolha da TimeOut. Há quem destaque do carnaval de rua, com blocos mais tranquilos que a média, ao clima bucólico.
Bairro lembra Olinda (PE) e é 'pequena África' carioca
A Saúde tem 2749 moradores e 946 domicílios, de acordo com o Censo 2010. O comércio também é pequeno. Em 2019, a prefeitura do Rio contabilizava 11 lojas de varejo e 64 espaços de prestação de serviço.
Originalmente, a região se estendia da então Prainha (atual Praça Mauá) ao Morro do Livramento. O mar vinha até a altura de onde hoje está a rua Sacadura Cabral, mas uma série de aterros aumentou o bairro em cerca de 400 metros.
Com construções do tempo do Brasil Colônia, o Morro da Conceição é a parte mais charmosa da Saúde. Suas ladeiras e casas com janela de cantaria lembram a cidade de Olinda, em Pernambuco.
"No Morro da Conceição, você faz uma viagem no tempo", diz Julio Barroso, produtor cultural do Bafo da Prainha, um dos restaurantes da região.
Da praça Leopoldo Martins, no alto da Rua do Jogo de Bola, é possível ver grande parte da região, com a Baía de Guanabara ao fundo. Na Ladeira João Homem, chama a atenção o grande número de ateliês.
Moradora do bairro há 7 anos, Leila Leão destaca o clima tranquilo do morro. "As crianças brincam na praça, os vizinhos se conhecem. Parece uma vilazinha", diz. Ela é chef proprietária da Casa Omolokum, um coletivo que reúne vários empreendimentos voltados para o público negro, a poucos metros da Pedra do Sal.
Hoje famosa por abrigar uma tradicional roda de samba, a pedra ganhou este nome por ser o local de descarga pelos negros do produto trazido de Portugal na virada do século XIX para o XX. Depois do trabalho, eles faziam batucadas, acompanhadas por nomes como Donga, Pixinguinha e João da Baiana. Foi ali também que surgiu o Reis de Ouro, primeiro rancho carnavalesco carioca e semente das atuais escolas de samba.
Juntamente com o Cais do Valongo (onde estima-se que 1 milhão de negros escravizados desembarcaram entre 1758 e 1831), estes espaços justificam um dos apelidos da região da Saúde: Pequena África.
"Cada bairro tem sua história, mas a desse bairro representa a história do Brasil que os livros não ensinaram", afirma Luiza Souza, cozinheira e sócia do Da Pedra Bar e Restaurante, que abre dia 12 no bairro.
Escritora é moradora ilustre
Atualmente, a mais ilustre habitante da Saúde é a escritora e linguista Conceição Evaristo, autora de diversos livros como Becos da Memória, Cancão para ninar menino grande e Ponciá Vicêncio. Em 2019, a escritora ganhou o prêmio Jabuti como Personalidade Literária do Ano.
Apesar de raros, os imóveis para locação apresentam um bom preço. Um apartamento de dois quartos com uma pequena área externa e reformado recentemente está disponível para aluguel por R$ 1800 por mês.
A implosão do Elevado da Perimetral em 2014 e a abertura do Boulevard Olímpico em 2016 são apontados como um divisor de águas para a região.
Ainda há problemas, como o Edifício A Noite, pertencente à União, que já abrigou a Rádio Nacional e foi objeto de duas tentativas frustradas de leilão em 2021. Outro temor é que o boom de bares nos últimos anos transforme a região numa nova Lapa.
"Esperamos que o bairro se desenvolva de maneira ordenada", afirma Rigo Duarte, sócio proprietário do Angu do Gomes.
Reaberto por ele em 2008, o restaurante foi originalmente criado por seu avô na Saúde e ficou famoso pelas carrocinhas, que forneceram comida boa e barata aos boêmios por décadas e foram citadas pelo sambista João Nogueira no samba "Espere Oh! Nega".
Lazer ao ar livre atrai visitantes
Coração da vida cultural da Saúde, o Largo de São Francisco da Prainha foi um dos primeiros lugares escolhidos pela editora de vídeo Juliane Westin para passear depois do início da pandemia.
"O fato de ser um espaço aberto faz com que eu me sinta mais segura", diz.
Sua primeira visita se deu no penúltimo fim de semana de setembro e, desde então, ela bate ponto sempre que pode na Casa Porto, um dos bares da praça. Ali, já presenciou até um show da cantora Teresa Cristina no Bafo da Prainha, espécie de serenata ao contrário em que um artista se apresenta de uma sacada a 5 metros de altura para o público que lota o largo.
Num ciclo virtuoso, o sucesso dos bares atrai novas casas. Há, pelo menos, três com inauguração prevista nos próximos meses. Além disso, um museu deve sair do papel e uma feira de produtos sustentáveis migrará da Zona Sul para a região em janeiro.
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