Topo

Esse conteúdo é antigo

'Gritei socorro, mas a voz não saía', diz mulher imobilizada segurando bebê

Do UOL, em São Paulo

09/11/2021 20h53Atualizada em 09/11/2021 23h50

Katlinara Vitória da Silva Alexandre, de 18 anos, seguia ao centro de Itabira (MG) para fazer compras, junto ao namorado, de 25 anos, quando foi abordada por policiais militares. De acordo com ela, os agentes apontaram uma arma para o veículo em que estavam e, assustada, ela deixou o carro com o enteado, de 7 anos, e o filho, de um ano e sete meses.

Ao telefonar para a madrinha de um dos garotos para pedir ajuda, ela foi interrompida e, depois, imobilizada, ainda com o bebê no colo. O vídeo da ação, em que um PM ajoelha nas costas da jovem antes de algemá-la provocou reação nas redes sociais.

Ao UOL, a jovem contou que já está bem, mas ainda sente dores, especialmente nas costas, onde recebeu a 'joelhada' de um dos policiais. Segundo ela, o enteado teve ferimentos leves e o bebê chegou a bater a cabeça no chão, mas, até agora, todos aparentam estar bem fisicamente. "Mas traumatizados", diz.

Na bolsa dela, uma arma de fogo foi apreendida, que alegou ser do namorado, pai do filho dela. Também disse não saber da existência do armamento. A justificativa foi aceita pela Polícia Civil.

Segundo o delegado Helton Cota, foi verificado que "não havia dolo em sua conduta, ou seja, ela não possuía ciência da existência da arma de fogo em sua bolsa", acrescentando que o rapaz, ao perceber a abordagem, tentou esconder o revólver na bolsa, que estava no banco de trás do carro que conduzia. Com ele, foram encontradas também quatro munições calibre .32. Ele foi autuado em flagrante por porte ilegal de arma, pagou fiança e responde ao crime em liberdade.

Katlinara conta que os policiais pararam para revistar o namorado e, em seguida, a abordaram. "No momento que eles estavam revistando o meu namorado, eu liguei para a madrinha do meu filho e pedi para ela descer no centro para me ajudar, porque não entendia o que estava acontecendo. E foi nesse momento que um dos policiais veio para o meu lado".

Ketlinara - Reprodução/Instagram  - Reprodução/Instagram
Ketlinara estava com o filho no colo quando foi abordada por policiais em MG
Imagem: Reprodução/Instagram

Ela ainda conta que um dos agentes pediu para que ela abrisse a bolsa, procedimento questionado por ela. "Eu pedi então para que uma mulher me revistasse; que eu não ia ser revistada se não fosse por uma policial feminina. Aí ele disse que eu tava negando a abordagem", afirma.

Após o diálogo, Katlinara conta que teria dito aos PMs que queria ir para a casa da madrinha do filho, que mora no centro, próximo ao local onde eles estavam e que, ao dar um passo para trás, o policial agarrou a sua bolsa. "E aí, eu caí com o meu filho. Eu caí de joelho para diminuir o impacto. Eu ralei o joelho, tive algumas escoriações. Comecei a tentar gritar socorro e o policial algemou a minha mão. No momento que ele puxou o outro braço, meu filho caiu e bateu a cabeça", diz ela.

Ela lembra que também bateu a cabeça e que, com o peso dos policiais nas costas, não conseguia pedir por socorro. O enteado também tentou protegê-la e uma mulher interveio para segurar as duas crianças diante da cena.

Eu senti falta de ar e o único pensamento que eu tinha era o meu filho, ele precisava de mim. Na hora, eu comecei a gritar socorro, mas a voz não saia. Uma mulher começou a gritar pedindo para parar, porque eu estava com falta de ar. Mas ele parecia que não estava se importando.

Algemada, a jovem foi para o carro da polícia e conta que apenas na delegacia entendeu que o motivo da abordagem foi uma denúncia que fizeram contra o namorado dela, sobre o porte de uma arma.

"Em nenhum momento eu vi esse revólver. Mas acho que independentemente de ser uma abordagem policial, deles estarem procurando por algo ou não, isso que aconteceu é uma coisa desnecessária, porque a gente já presenciou um americano negro [George Floyd] morrendo por esse mesmo fato, pelo policial ter ajoelhado, ele ter pedido socorro, mas o policial não se comover e seguir querendo simplesmente prender", defende.

Não era como se eu estivesse debatendo ou lutando para fugir, mas eu estava com o meu filho no colo. Os policiais não tiveram empatia com as crianças. A única coisa que passava na minha cabeça era proteger. Tudo foi muito pesado. O único intuito foi de proteger as crianças, principalmente com o que estava acontecendo com o pai delas.

O tenente-coronel Santiago, porta-voz da PM-MG, falou ao UOL que o homem que acompanhava a mulher tem anotações criminais por lesão corporal. Em nota, a polícia afirmou que o casal foi detido por porte ilegal de arma de fogo e munições — o que foi ratificado pela Polícia Civil apenas no que diz respeito ao pai das crianças, que acabou autuado.

Sobre Ketlinara, o texto alega ainda que "para impedir a apreensão da arma de fogo que estava consigo, a mulher se agarrou a uma criança, usando-a como escudo humano e se recusando a largá-la. Além da arma de fogo e das munições, uma touca ninja também foi apreendida com o casal".

Segundo a PMMG, a ação dos policiais durante a abordagem será investigada. "Os fatos serão apurados pela instituição em procedimento administrativo", afirma.

O MPMG (Ministério Público de Minas Gerais) instaurou Procedimento Investigatório Criminal para apuração do caso. Em nota, o órgão afirma que medida ocorre "diante de indícios de violações de direitos e desvios funcionais supostamente praticados por policiais militares em abordagem a uma mulher acompanhada de crianças".