Boate Kiss: Promotores mostram corpos, espuma queimando e vídeo com pânico
Os promotores de Justiça Lucia Helena Callegari e David Medina, que atuam na acusação do Tribunal do Júri dos réus pelo incêndio na boate Kiss, mostraram nesta quinta-feira (9) fotos de corpos de algumas das 242 vítimas da tragédia. Também na sessão de hoje, resgataram um depoimento dado em 2015 à Justiça Federal em que uma testemunha atribui ao réu Elissandro Spohr um pedido para que segurasse um pouco a porta da boate, contradizendo depoimento dele no júri.
A estratégia foi adotada durante a fase de debates, após o fim dos 32 depoimentos. A exibição das imagens provocou a saída de alguns familiares do salão. As cenas não foram mostradas na transmissão do YouTube do julgamento.
Em um dos registros, os cadáveres apareceram acumulados no banheiro, onde cerca de 180 pessoas foram encontradas sem vida, por confundirem o local com uma saída de emergência. Em outro, os corpos estavam enfileirados lado a lado no chão de um ginásio do CDM (Centro Desportivo Municipal).
Os promotores também apresentaram vídeos da tragédia. Um deles revelou o momento de transporte dos cadáveres, dentro de sacos pretos, realizado no dia do incêndio em 27 de janeiro de 2013.
Houve ainda a retransmissão de uma reportagem da Record TV, na qual foi feita uma simulação do uso de um artefato pirotécnico próximo de uma espuma, com as chamas se alastrando rapidamente, seguida de uma fumaça densa e preta.
Além do vídeo exibido seguidamente durante o julgamento em que se iniciam as chamas, os promotores compartilharam com o público outras gravações em áudio e vídeo. É possível ouvir ao fundo, em uma delas, uma jovem dizer "mãe e pai", com a fala antecedida por gritaria e tumulto.
Os representantes também mostraram duas ligações de frequentadores da boate para serviços de emergência, quando, aos gritos, tentam avisar do incêndio.
Além dos promotores, a advogada Tatiana Borsa mostrou uma foto do corpo do sanfoneiro da banda Gurizada Fandangueira Danilo Jaques. Ela é advogada do ex-vocalista do grupo, que hoje trabalha como azulejista. Na hora de mostrar a imagem, ela pediu para que a fotografia não fosse compartilhada na transmissão ao vivo.
Em andamento há nove dias, o Tribunal do Júri tem previsão de término entre a madrugada e começo da manhã de sexta-feira (10).
Spohr pediu para segurar porta, diz ex-funcionário
Durante sua manifestação, a promotora Lucia Helena Callegari trouxe trecho de depoimento do segurança da Kiss André de Lima, conhecido por Baby. Na declaração, feita à Justiça Federal, ele disse que Elissandro Spohr pediu para que ele "segurasse um pouco a porta" quando as pessoas tentaram sair da boate, contrariando o que o empresário disse em depoimento no julgamento, no qual afirmou mandou abrir as entradas da casa.
"Ele me fez, digamos junto com ele, a segurar um pouco a porta", diz o ex-funcionário da Kiss. Na sequência, o juiz Jorge Luiz Ledur Brito questionou Baby porque isso teria acontecido. "Porque uns meses antes tinha saído uma festa lá e o pessoal...Deu um princípio de tumulto que queriam sair sem pagar a comanda", complementou.
O segurança disse que as portas só foram liberadas quando o empresário percebeu que era um incêndio. Baby disse que não viu as chamas, mas sentiu o cheiro do fogo e viu a fumaça preta.
O julgamento
Quase nove anos após a tragédia, quatro réus são julgados por 242 homicídios simples e por 636 tentativas de assassinato —os números levam em conta, respectivamente, os mortos e feridos no incêndio. Devido ao tempo de duração e estrutura envolvida, o júri é considerado o maior da história do Judiciário gaúcho.
Ontem, começou a falar o primeiro réu: Elissandro Spohr, conhecido como Kiko, que era dono da boate.
O empresário disse que, inicialmente, ajudou na retirada das pessoas, mas deixou o local ao receber de uma pessoa que ele considerava sua amiga um tapa na cara. Durante o depoimento, Spohr chorou bastante, pediu às famílias desculpas e solicitou para ser preso.
"Isso não deveria ter acontecido, não deveria ter acontecido, eu sei que não deveria ter acontecido. Por que isso ia acontecer na Kiss? Era uma boate boa, onde todo mundo gostava de trabalhar. Eu virei monstro de um dia para outro. E fui preso. E eu sei que morreu gente, eu estava lá, ninguém me falou, eu estava lá."
O produtor musical Luciano Bonilha foi o segundo réu a ser ouvido, já hoje. Ele pediu para ser condenado. "Mesmo eu sabendo que sou inocente, para tirar as dores dos pais, me condenem."
Na sequência, falou o sócio investidor da boate Kiss, Mauro Hoffmann, que salientou que "não se sentia dono" da casa noturna, já que Elissandro Spohr era o sócio administrador e tocava o negócio. Marcelo de Jesus dos Santos foi o último. Ele foi o músico que carregou o artefato com fogo e deu origem ao incêndio. Ele disse que tentou apagar as chamas, mas não conseguiu porque o extintor não funcionou.
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