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Caso Evandro: Governo do PR faz carta com pedido de perdão a Beatriz Abagge

Após 30 anos da morte do menino Evandro Ramos Caetano, em Guaratuba, no litoral do Paraná, o governo estadual fez um pedido público de desculpas para Beatriz Abagge, uma das condenadas pelo crime. - Reprodução
Após 30 anos da morte do menino Evandro Ramos Caetano, em Guaratuba, no litoral do Paraná, o governo estadual fez um pedido público de desculpas para Beatriz Abagge, uma das condenadas pelo crime. Imagem: Reprodução

Weudson Ribeiro

Colaboração para o UOL, em Brasília

15/01/2022 11h19Atualizada em 15/01/2022 20h55

Cerca de 30 anos depois da morte de Evandro Ramos Caetano, aos 6 anos, no litoral do Paraná, o governo do Estado publicou carta oficial com pedido de desculpas a Beatriz Abagge, uma das condenadas pela morte do menino, no início dos anos 1990. O documento é assinado pelo secretário estadual de Justiça, Trabalho e Família, Ney Leprevost.

"Expresso meu veemente repúdio ao uso da máquina estatal para prática de qualquer tipo violência, e neste caso em especial contra o ser humano para obtenção de confissões, e diante disto é que peço, em nome do Estado do Paraná, perdão pelas sevícias indesculpáveis cometidas no passado contra a senhora", escreveu Leprevost.

À época, sete pessoas foram presas e apelidadas de "bruxas de Guaratuba". O motivo é que a morte de Evandro teria sido praticada como forma de sacrifício num ritual de magia para alavancar a carreira política de Aldo Abagge, então prefeito da cidade, e pai de Beatriz. Em 2011, Beatriz Abagge foi condenada pelo Segundo Tribunal do Júri de Curitiba a 21 anos e quatro meses de prisão, pela morte do menino, em abril de 1992. Em 2016, o Tribunal de Justiça do Paraná concedeu perdão de pena para Beatriz, após cinco anos de prisão.

Segundo os primeiros relatórios do Ministério Público do Paraná, os responsáveis pela morte eram:

  • Beatriz e Celina Abagge, filha e esposa do então prefeito de Guaratuba em 1992, Aldo Abagge;
  • Osvaldo Marcineiro, pai de santo;
  • Vicente de Paula Ferreira, ajudante do pai de santo;
  • Davi dos Santos Soares, artesão e vice-presidente da associação de artesãos de Guaratuba em 1992;
  • Francisco Sérgio Cristofolini, vizinho do prefeito; e
  • Airton Bardelli dos Santos, funcionário da serraria da família Abagge.

Inicialmente, os sete acusados confessaram o crime e foram condenados. Mas depois alegaram que as declarações foram feitas mediante tortura, conforme fitas obtidas pelo jornalista Ivan Mizanzuk, em 2020.

Segundo a carta do governo paranaense, os pais de todos as crianças desaparecidas no começo da década de 1990 deverão receber pedidos de desculpas.

"Informo que também será enviado um pedido veemente de perdão aos pais dos meninos desaparecidos. Pois, na época dos fatos, o grupo de questionável legalidade designado pelo Estado do Paraná para desvendar quem cometeu os horríveis e covardes crimes contra estas crianças não só foi incapaz de fazê-lo assim como gerou uma série de danos", disse Leprevost.

Carta de desculpas não é absolvição, diz Beatriz Abbage

A divulgação da carta, datada em 4 de janeiro de 2022, foi feita pela própria Beatriz Abbage ontem, após publicação da nota pública em que o Ministério Público do Paraná afirma que a instituição não concluiu que o Estado do Paraná devesse formalizar qualquer pedido de perdão aos acusados.

"Por vezes tenho a ligeira impressão que muitos Promotores de Justiça são acometidos de alguma insuficiência técnica, ou desvio de posicionamento jurídico-filosófico que impede atuar de acordo com os ditames da justiça. Estranho posicionamento... Carta de desculpas não significa absolvição", disse Beatriz.

Governo do PR pediu desculpas à família de Evandro

No mês passado, o governo do Paraná, sob gestão Ratinho Júnior (PSD), afirmou que entregaria pedido de desculpas formal à família de Evandro. Segundo o secretário estadual da Justiça, Ney Leprevost, o pedido de perdão se dá pela inconclusão do caso, cujo culpado não foi encontrado. Além disso, um grupo de trabalho do governo identificou possíveis erros no processo e na investigação do crime.

"A respeito das recentes manifestações públicas relacionadas ao relatório elaborado pelo Grupo de Trabalho "Caso Evandro - Apontamentos para o Futuro", o Ministério Público do Paraná esclarece que não foram identificados, no referido documento, elementos probatórios que evidenciassem a prática de qualquer ilicitude por parte dos integrantes da Instituição que atuaram na persecução penal que conduziu à condenação de alguns dos réus indicados na Denúncia Criminal", afirmou o Ministério Público em nota.

Leia a íntegra da carta enviada a Beatriz Abbage

"Senhora Beatriz Abagge,

Venho por meio de esta informá-la que o Grupo de Trabalho "Caso Evandro - Apontamentos para o Futuro", por mim instituído e coordenado pelo Departamento de Promoção e Defesa dos Direitos Fundamentais e Cidadania, desta Secretaria de Estado de Justiça, Família e Trabalho finalizou seus trabalhos os quais resultaram relatório que encaminho anexo a esta presente carta.

O referido documento além de balizador para a construção de políticas públicas de proteção aos direitos humanos e prevenção aos crimes contra as crianças, se for de seu entendimento e interesse poderá ser anexado por seus advogados em eventual pedido de anulação do julgamento do caso.

Ademais, gostaria de destacar que o Grupo de Trabalho, após assistir a série documental "Caso Evandro", ouvir áudios e tomar conhecimento dos relatos espontâneos, bem como, ler o relatório elaborado pelo referido grupo, formei convicção pessoal de que são muitas as evidências que a Senhora e outros condenados no caso foram vítimas de torturas gravíssimas, as quais podem ser configuradas como crime e tais práticas são totalmente inaceitáveis e indefensáveis.

Cabe salientar que não tenho prerrogativa legal para declará-la inocente e nem mesmo para anular seu julgamento. Sendo que tal medida só poderá ser adotada, na forma da Lei, pelo próprio Poder Judiciário, ao qual encaminharei cópia desta carta e do relatório.

No entanto, na atual condição de Secretário de Estado da Justiça, Família e Trabalho, expresso meu veemente repúdio ao uso da máquina estatal para prática de qualquer tipo violência, e neste caso em especial contra o ser humano para obtenção de confissões e diante disto, é que peço, em nome do Estado do Paraná, perdão pelas sevícias indesculpáveis cometidas no passado contra a Senhora. Pedido de perdão este também, simbolicamente, extensivo a toda e qualquer outra pessoa que por ventura tenha um dia sofrido tortura estatal em território paranaense.

Por fim, informo que também será enviado um pedido veemente de perdão aos pais dos meninos desaparecidos. Pois, na época dos fatos, o grupo de questionável legalidade designado pelo Estado do Paraná para desvendar quem cometeu os horríveis e covardes crimes contra estas crianças, não só foi incapaz de fazê-lo assim como gerou uma série de danos.

Na firma esperança de que "mesmo escapando da justiça dos homens, os maus jamais conseguirão fugir da justiça de Deus", assino desejando-lhe justiça e paz!

Atenciosamente, Ney Leprevost."