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Menina de 9 anos escalpelada em barco vai receber doações de cabelo no PA

Ana Caroline (esq.), 11, será uma das doadoras que vão beneficiar Tainá (dir.), 9, sem conhecê-la - Divulgação/Arquivo pessoal
Ana Caroline (esq.), 11, será uma das doadoras que vão beneficiar Tainá (dir.), 9, sem conhecê-la Imagem: Divulgação/Arquivo pessoal

Luciana Cavalcante

Colaboração para o UOL, em Belém

17/01/2022 11h37

Uma menina de 9 anos que sofreu um escalpelamento depois que seu cabelo foi arrancado pelo motor de um barco no Pará deve receber doação de cabelos de cerca de trinta fontes, espalhadas por estados do Brasil e incluindo uma doadora da Guiana Francesa. A história de Tainá de Souza Santiago, moradora da Ilha do Marajó (PA), gerou comoção na semana passada e, enquanto ela se recupera dos ferimentos no hospital, desconhecidas como Ana Caroline Pantoja, 11, da mesma cidade, decidiram abrir mão de planos e dos próprios cabelos para ajudá-la.

Tainá seguia de barco, junto ao irmão, de 16 anos, entre duas localidades do município de Gurupá (PA), no último dia 9 de janeiro. Eles seguiriam até a casa de familiares, numa viagem de apenas 30 minutos. Antes de chegar ao destino, o motor da embarcação, sem cobertura de segurança, prendeu parte do cabelo da menina no eixo do motor e o arrancou.

O problema é menos incomum do que pode parecer. Foram 15 casos em 2021 e 10 em 2020, sendo 93% dos casos com mulheres, segundo dados da Capitania dos Portos da Amazônia Oriental. O órgão afirma ainda que 65% das ocorrências são com crianças.

A menina foi socorrida no Hospital de Emergência Oswaldo Cruz, onde passou por cirurgia de emergência. "Ela teve que ir para o hospital em Macapá por que ficava mais perto do que voltar para Gurupá", contou o tio Márcio Bezerra.

Na unidade de saúde, Tainá recebeu os primeiros socorros e passou por um procedimento cirúrgico de emergência. Ela aguarda transferência para a Santa Casa de Misericórdia do Pará, para tratamento especializado, com cirurgias reparadoras, acompanhamentos físico e psicológico e avaliação de possibilidade de implantes.

Procurada pelo UOL, a Secretaria de Estado de Saúde Pública do Pará informou, em nota, que a Coordenação Estadual de Saúde Indígena e Populações Tradicionais já realizou contato com o Hospital de Emergência Osvaldo Cruz em Macapá, orientando a unidade a solicitar o pedido de transferência para atendimento da criança na Santa Casa, em Belém. A unidade de saúde do Amapá ainda não informou o boletim médico de Tainá, mas, segundo a família, ela se recupera em leito clínico, está consciente e estável.

"Graças a Deus ela está reagindo bem. Conversa, interage. Já está até jogando no celular", comemora a mãe, Fátima Santiago.

Segundo a Marinha, cobertura do eixo e volante do motor é oferecida gratuitamente pela corporação, mas muitos proprietários não procuram o benefício. Por meio das equipes de inspeção naval, são realizados trabalhos de conscientização junto a comunidades ribeirinhas, com distribuição de toucas para prender os cabelos de mulheres e crianças, palestras e distribuição de fôlderes com informações sobre prevenção ao escalpelamento.

Doação

Ana Caroline Pantoja, 11, nunca cortou o cabelo. Ela mora na mesma cidade que Tainá e nunca a viu. O plano para as longas madeixas, de vender tudo para comprar o próprio celular e decorar o quarto com o tema de princesa, mudou assim que soube do acidente com a "vizinha", por meio de uma campanha nas redes sociais promovida pela família de Tainá.

Assim que fiquei sabendo comentei com a Ana e ela disse na hora que ia doar. Na hora, ficamos surpresos porque ela tem muito ciúme do cabelo e dizia que só iria cortar quando fizesse 15 anos. [...] Ela disse: mamãe, ela precisa mais do que eu. Meu cabelo é da Tainá.
Cláudia Pantoja, pescadora e mãe de Ana

O cabelo de Ana Caroline atualmente tem 80 centímetros de comprimento e Cláudia acredita que a solidariedade da filha se deu pelo fato das duas terem histórias parecidas. "A Ana também precisa pegar o barco para ir pra escola todo dia. Acho que ela se colocou no lugar da Tainá, pensando que isso também poderia acontecer com ela".

Como a moradora da Ilha do Marajó, quase trinta pessoas fizeram contato com a família oferecendo doação de cabelo.

Até uma moça da Guiana Francesa ligou e deve enviar essa semana. A gente ficou muito feliz com esse retorno. Nunca imaginávamos que a Tainá ia receber tanto carinho de gente que ela nem conhece, como o caso da Ana Caroline e até de gente de fora do país.
Márcio Bezerra, tio de Tainá

Sobre o uso de perucas, o tio explicou que, segundo os médicos, devido ao longo tratamento, a menina deve passar a usá-las em um ano. "A gente agradece muito pela solidariedade de quem entrou em contato. Das pessoas que doaram pequenas quantias em dinheiro até as que ligaram para nos dar uma palavra de conforto", afirma, acrescentando ainda que, com a grande quantidade de doações, a família decidiu ajudar também outras crianças vítimas de escalpelamento.

"Descobrimos até uma prima distante, de 10 anos, que está internada no mesmo hospital com o mesmo quadro. As doações também vão ajudá-la", revela Márcio Bezerra.