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Falso médico diz que morte cerebral de policial é reversível e acaba preso

O falso médico se identificou como Fábio C Michel Abrahim; a polícia investiga o caso - Reprodução/Redes Sociais
O falso médico se identificou como Fábio C Michel Abrahim; a polícia investiga o caso Imagem: Reprodução/Redes Sociais

Alexandre Santos

Colaboração para o UOL, em Salvador

09/02/2022 21h40Atualizada em 10/02/2022 13h52

Um homem foi preso ontem, em Salvador, sob suspeita de se passar por um cirurgião e dar informações inverídicas de possibilidades de recuperação a familiares do policial civil Yago da França Souza Avelar, 39. O agente teve morte cerebral confirmada no sábado (6), um dia após a viatura em que estava capotar na BA-233, na região da Chapada Diamantina. Outros dois colegas dele morreram no local.

O homem se apresentou como Fábio C Michel Abrahim, a partir de um carimbo que exibia o nome, registrado como cirurgião no Conselho Regional de Medicina. No entanto, ele também tinha com ele uma cédula de identidade da Argentina e acabou autuado em flagrante por exercício ilegal da profissão e falsidade ideológica.

O suspeito foi detido dentro do HGE (Hospital Geral do Estado), onde teve livre acesso à UTI (Unidade de Terapia Intensiva). Ele deu esperanças de recuperação a parentes do paciente por meio de um áudio enviado a um familiar, chegando a assegurar que o policial estaria vivo. Ainda não se sabe, no entanto, o objetivo do homem ao abordar a família.

"Fique tranquila porque Yago tá vivo. Ele não tá morto. Essa morte cerebral que foi decretada a ele não é real. Existe a possibilidade de vida, porque o coração dele está batendo perfeitamente sem medicamento. O pulmão dele está respirando sem medicamento. Ele está lutando a favor da vida. Então fique tranquila porque Yago não morreu. Yago está vivo. Se coloque em oração, porque ele está vivo", relata na mensagem cedida à reportagem por um amigo do policial.

Ao UOL, a Polícia Civil informou que uma pessoa da família dele, que é médica, desconfiou de algumas declarações do homem, e acionaram policiais civis que estavam no hospital.

Abordado, o suspeito usava jaleco, carregava um estetoscópio e uma cédula de identidade da Argentina. De acordo com a polícia, ele alega ter se formado na Stanford University, na Califórnia (EUA), mas não apresentou documentos que comprovassem sua habilitação para atuar na profissão.

Ele foi encaminhado para 1ª DT (Delegacia Territorial) dos Barris, que instaurou um inquérito para apurar o caso, incluindo o acesso à unidade de saúde.

Apesar de o quadro de Yago ser irreversível, a equipe médica do HGE prossegue com o protocolo de morte encefálica, que inclui exames clínicos e complementares, como de imagem, por exemplo. "Entretanto, como em todo quadro clínico, é possível haver desdobramentos imprevistos, e a Polícia Civil da Bahia segue aguardando novos posicionamentos da equipe médica e orando pela mudança do quadro", diz nota da assessoria.

Procurada pelo UOL, a Sesab (Secretaria de Saúde da Bahia) confirmou que o homem não faz parte do corpo clínico do hospital e disse que as circunstâncias do acesso à unidade e ao paciente serão detalhadas no decorrer da investigação policial.

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Acidente

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Yago da França Souza Avelar, 39, teve morte cerebral após acidente de carro
Imagem: Reprodução/Redes Sociais

Yago atuava desde outubro do ano passado na 13ª Coorpin (Coordenadoria Regional de Polícia do Interior), no município de Seabra. O investigador era casado e não deixa filhos. Procurada, a esposa do policial não quis se pronunciar.

O capotamento que o vitimou com os demais agentes ocorreu quando transportavam presos para a sede da Polinter (Serviço de Polícia Interestadual), na capital baiana.

Advogado diz que estudante é amigo de paciente

Advogado de Fábio, André Franklin nega as informações transmitidas pela Polícia Civil e afirma que o cliente nunca se apresentou como médico. Segundo o defensor, o homem, de 41 anos, é amigo de infância de Yago e foi acionado pela própria família do paciente por ser estudante de medicina. Ele trancou o curso, na Argentina, quando já estava no último ano, por questões pessoais.

"Ele em momento algum se apresentou como médico, porque ele é estudante de medicina. No tocante à questão do documento falso, na verdade ele apresentou o documento dele da Argentina, que ele tem efetivamente, já que fazia medicina lá. A realidade é que ele é casado, então ele tem uma outra identidade, com outro nome, e o documento de identificação da Argentina é um documento que constava o nome anterior", explica.

Franklin ainda nega que Fábio levasse um carimbo com a identificação de um cirurgião ou que tenha dito ter estudado em Stanford. Ele argumenta que o boletim levado aos familiares de Yago usou apenas informações passadas pelo próprio plantonista que cuidava do paciente, sem "nenhuma informação que traga prejuízo".

"Ficou como se ele não conhecesse ninguém e quisesse tirar algum proveito: na verdade, ele é amigo de infância (do policial), ele é amigo de todos os familiares, estudaram juntos a vida toda. (...) O médico autorizou que ele tivesse acesso para visitar o rapaz e em nenhum momento ele disse que era médico, inclusive porque ele ainda não é. Ele estava com um jaleco de 'medicina aluno', aquele carimbo não é dele, foi apresentado só na delegacia de polícia", declarou o advogado ao UOL.

O defensor também afirmou que o estudante não foi indiciado por exercício ilegal da medicina e sim por falsidade ideológica, pela falta de meios de verificação do documento argentino, e "exercício arbitrário das próprias razões", que corresponde a "fazer justiça pelas próprias mãos, para satisfazer pretensão, embora legítima, salvo quando a lei o permite".

Em nota oficial, Franklin e seu colega Luciano Bandeira Pontes, que também faz parte da defesa de Fábio, alegam ainda "despreparo de policiais civis ao realizarem uma prisão arbitrária e ilegal". O estudante foi abordado e preso por agentes na saída do hospital, um dia após mandar o áudio com o boletim sobre o colega, após ser chamado por uma outra familiar dele para uma nova ida ao local.

O UOL procurou a Polícia Civil da Bahia para comentários sobre as alegações da defesa. Em resposta, a corporação informou que "não comenta alegações de advogados ou decisão judicial".

A Sesab (Secretaria de Saúde da Bahia) também não respondeu sobre o suposto acesso à UTI concedido pelo plantonista e fornecimento de informações sobre o paciente, repetindo a nota enviada antes do posicionamento dos advogados de Fábio.

Errata: este conteúdo foi atualizado
O falso médico repassou informações inverídicas sobre uma suposta morte cerebral a familiares de um policial civil, e não militar, como constava no título. A informação foi corrigida.