'Não somos invasores': Famílias brigam para evitar expulsão de parque no RJ
Há 17 anos uma área equivalente a 880 campos de futebol no Parque Nacional de Itatiaia, no interior do Rio de Janeiro, tem sido alvo de disputa judicial entre moradores e o ICMBio, órgão federal responsável pelo parque. No centro da contenda, está a manutenção de imóveis particulares no local.
Um grupo de 70 famílias reivindica o direito a manter suas propriedades no parque, já que a maioria dos imóveis foi erguida antes da mais recente definição sobre os limites da reserva, em decreto federal de 1982. Para o MPF (Ministério Público Federal), o imbróglio está longe de acabar.
Em nota, o ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) afirmou que "tem cumprido com as atribuições para a obrigatória consolidação territorial do Parque Nacional do Itatiaia com base na legalidade". Já o MPF que representa o órgão ambiental na disputa judicial diz que a legislação veta a manutenção de casas particulares em áreas de preservação.
Em entrevista ao UOL, o presidente da AAI (Associação dos Amigos de Itatiaia), Hugo Penteado, afirmou que as pessoas que ali habitam têm uma relação de "muita conexão" com o parque e se colocaram como responsáveis por cuidar e protegê-lo de incêndios e até de invasões.
Proprietário de uma das casas, Penteado diz que todos os imóveis foram construídos antes do decreto de 1982 e rechaça a ideia de serem invasores.
"Venderam a ideia de que não somos uma comunidade de preservação anterior ao parque, mas uma comunidade destruidora posterior ao parque. Como? Pagamos IPTU, temos uma linha de ônibus que nos atende. Nunca nos escondemos", diz ele.
Na versão de Penteado, não há nenhum tipo de extração ilegal ou atitude que prejudique o parque. "O ICMBio tenta impor uma suposta ilegalidade que não existe na nossa habitação, mas o órgão não tem objetivo ambiental nenhum", diz.
Na avaliação dele, o ICMBio quer utilizar os imóveis construídos no século 20 para fins econômicos sem promover um diálogo com os moradores, por isso "os acusa" de serem invasores. Procurado, o órgão não se manifestou sobre a acusação.
Segundo o presidente da AAI, o ICMBio chegou a comprar alguns imóveis no parque, mas eles estão hoje abandonados e com risco de queda.
"O patrono da fundação da associação [AAI], em 1951, foi o criador do parque, Paulo de Campos Porto. Somos amigos do parque", afirma ele.
Acusação de adulteração de mapa
Ao longo dos processos relacionados, o ICMBio argumenta que, por ser uma unidade de conservação, não é possível manter imóveis particulares dentro dos limites do parque.
O argumento do órgão federal se baseia no decreto 87.586/1982, última norma federal que estipulou o tamanho do parque (28.086 hectares).
O principal ponto da disputa é qual limite caracteriza que um imóvel possa ser considerado dentro ou fora do parque. Para a AAI, o ICMBio não consegue provar na Justiça, por meio dos mapas apresentados, qual área pode ou não ser desapropriada.
A associação afirma, inclusive, que o órgão adulterou mapas na Justiça e pede perícia. "A adulteração é facilmente comprovada com as 'adições' feitas ao mapa que não constavam do original", diz a AAI.
Ao UOL, a procuradora do MPF Izabella Brant afirmou que essa questão já foi julgada em outras fases dos processos e que a procuradoria descartou adulteração.
"Não houve perícia no mapa apontado porque ele não foi utilizado. O decreto de 1982 é baseado em um processo administrativo que definiu os limites do parque. O mapa alvo de contestação é antigo, parcial, e utilizado pelo parque com caráter ilustrativo", diz Brant.
No início deste mês, a corregedoria do ICMBio finalizou mais uma questão envolvendo o Parque de Itatiaia. Em denúncia feita pela AAI, dois servidores foram apontados como responsáveis pela adulteração de mapas.
A corregedoria afirmou que "falta materialidade" para tal afirmação e arquivou o processo interno. A decisão esclarece, contudo, que isso não interfere nos outros processos que correm em relação aos limites do parque no âmbito da corregedoria.
"É inadmissível a decisão, porque a autoria e a fraude são inegáveis, pois vimos adulterações bem claras: o mapa foi recortado e adicionaram partes inexistentes no mapa original. Vamos recorrer dessa decisão", disse Penteado à reportagem.
O ICMBio reforça que "não há respaldo na alegação de adulteração de mapas por servidores".
Partes não podem chegar a acordo, diz procuradora
Izabella Brant diz acreditar que todo o imbróglio só possa ser resolvido com a regularização fundiária no local, que implica em desapropriação de todos os imóveis.
"Não temos instrumento para viabilizar nenhum acordo ali. Pode-se negociar prazos, mas dentro da legalidade não há instrumento que permita a permanência sem que passe pelo Congresso Nacional, para desfazer parte de uma unidade de preservação", diz a procuradora.
Enquanto as ações judiciais não são concluídas, a AAI indica que recorrerá enquanto for possível. "Não somos invasores, somos parceiros do parque. Nunca fomos ouvidos, mas não vamos desistir", diz Penteado.
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