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Exu tem diferentes sentidos na umbanda e no candomblé, mas é sempre 'ponte'

Desfile da Grande Rio, com enredo Exu - Divulgação Riotur
Desfile da Grande Rio, com enredo Exu Imagem: Divulgação Riotur

Franceli Stefani

Colaboração para o UOL

04/05/2022 04h00

Exu nunca foi tão falado como agora. O enredo levado à avenida pela Acadêmicos do Grande Rio, a escola campeã do carnaval do Rio de 2022, colocou toda a atenção nessa divindade, que representa a transformação, faz a comunicação entre os humanos e os demais orixás e guarda os trabalhos de magia.

Entre os fiéis, é aquele chamado para abrir os caminhos, superar dificuldades e chegar aos objetivos.

"É o mensageiro, o orixá que caminha junto de nós, dono dos caminhos e a chave que abre tudo. É o que traz movimento a tudo e é considerado o mais humano de todos", explica o babalorixá Marcello D'Ògún Oníré, dirigente espiritual do Ilê de Oxalá Jobokum e Ògún Oníré.

Ele trabalha com reciprocidade, o que muitas vezes é interpretado de forma errônea como maldade.

Exu é uma das entidades mais louvadas das religiões de matriz africana, mas é visto de formas diferentes:

  • No cadomblé, é um orixá, uma divindade, a personalização de fenômenos e energias naturais, que não incorpora para dar consultas, mas é grande conhecedor de todos os assuntos e dos segredos dos búzios.
  • Na umbanda, é considerado uma entidade, um espírito ligado aos caminhos, que incorpora nos médiuns para ajudar as pessoas na própria evolução.

"Estes espíritos, na grande maioria, foram pessoas que em outras vidas pertenciam a grupos ditos 'marginalizados pela sociedade', que hoje buscam sua evolução auxiliando aqueles que os procuram", pontua o babalorixá. Por isso, podem estar em diversos níveis de evolução.

exu - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Exu
Imagem: Arquivo Pessoal

A mesma figura, diferentes cultos

São cultuados basicamente os mesmos orixás, mas difere a forma de culto. "É dividido por nações, como cabinda, jeje, nagô, ijexá, oyó, entre outras", diz Marcelo. "Aqui chamamos o orixá Exu de orixá Bará, por exemplo."

Nos candomblés ketu e jeje, por exemplo, não há incorporação de espíritos oficialmente, mas, no de Angola, algumas casas adotam a incorporação de Exus, pomba-giras, boiadeiros e marinheiros.

Na umbanda, os chamados falangeiros (mensageiros) de orixás é que incorporam, mas não são os próprios. São espíritos que trabalham na vibração dos orixás e vêm à terra para orientas e ajudar, como caboclos, pretos velhos e crianças.

Tanto o Esu Orixá (no candomblé e batuque do Sul), divindade, ou Exu catiço (umbanda e quimbanda), espírito que busca a evolução, buscam abrir os caminhos de todos, rumo à evolução.

Apesar das especificidades, as características e atribuições são as mesmas. "A influência da região africana de onde veio a tradição chegou a cada região ou estado brasileiro, assim como a outros países", ressalta o religioso.

A grande maioria dos Ilês Àse (nome dado às casas de religião) cultuam aqui o que é chamado no Rio Grande do Sul de batuque do Sul.

Não é o diabo

Seja qual for a interpretação, uma coisa é certa: Exu não tem nada a ver com o demônio ou uma entidade do mal. Essa é uma leitura cristã da entidade que acabou se popularizando. A própria noção de demônio é cristã e não tem relação com a tradição africana.

"Há ataques contra Exu, que sofre até hoje por ser ligado a questões que não são relevantes à cultura afro-brasileira, como a maldade, o diabo e o pecado", disse Gabriel Haddad, responsável pelo desfile, em entrevista a Splash.

Não é de hoje que as religiões afrobrasileiras são demonizadas, mas os últimos anos têm sido especialmente difíceis, lembra o colunista Chico Alves. Ataques de vários pastores neopentecostais foram intensificados, terreiros de umbanda e candomblé são constantemente depredados e o racismo religioso é latente.