Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Grande Rio revela o bem e o mal verdadeiros no Brasil de Exu
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Não é de hoje que as religiões afrobrasileiras são demonizadas, mas os últimos anos têm sido especialmente difíceis. Ataques de vários pastores neopentecostais foram intensificados, terreiros de umbanda e candomblé são constantemente depredados por marginais e cultuar os orixás tem exigido dos adeptos não somente fé, mas também coragem.
O racismo religioso, assim como outras modalidades de racismo, é manifestado diariamente, sem que o governo do Brasil se interesse em criar campanhas ou ações efetivas para combatê-lo. Pelo contrário. Com figuras como Sérgio Camargo, que desmoralizou a Fundação Palmares, a equipe de Jair Bolsonaro ajuda a reforçar o preconceito.
Nesse cenário inóspito, os desfiles das escolas de samba, que há anos têm exaltado no Sambódromo diferentes formas de cultura negra, passaram a ter importância fundamental. As dores e as belezas do povo preto são apresentadas com criatividade crescente a cada Carnaval.
Inicialmente com representações tímidas, as religiões afro passaram a ter destaque nos enredos. Sob as lentes da emissora de TV líder de audiência no país, orixás que o ano inteiro são invisibilizados atravessam deslumbrantes a Sapucaí, em raro momento de ampla visibilidade.
A oportunidade tem sido muito bem aproveitada pelas escolas.
Mas esse ano a Grande Rio foi além.
O desfile que teve Exu como protagonista esfregou na cara do Brasil a verdade: o orixá não tem nada a ver com o demônio, como a versão cristã da entidade fez muitos acreditarem. Na verdade, a própria noção de demônio é cristã, não tem nenhuma relação com a tradição africana.
Como vemos nas emissoras que alugam horários para telecultos, o capiroto costuma fazer número em "sessões de descarrego" com que alguns pastores neopentecostais enxovalham as religiões afro.
Nunca, porém, foi visto nos terreiros.
A explosão de cores e beleza que a Grande Rio produziu no Sambódromo mostrou Exu como produtor de alegria, força, espontaneidade, emoção — e também dos seus opostos, já que a cosmogonia africana não é baseada no maniqueísmo. Não se viu na avenida nem sinal daquele personagem maligno que assombra o imaginário de muita gente.
Que emoção deve ter causado nos adeptos do candomblé e da umbanda, tanto tempo constrangidos por sua fé, a exposição daquele Exu deslumbrante — assim como o que se viu na apresentação da Vila Isabel. Que boa impressão os seguidores de outras religiões tiveram ao ver que os terreiros não cultuam o mal, como acreditaram por muitos anos.
Na contramão das seitas que juram estar do lado do bem mas atacam os diferentes, as religiões afro não combatem outras crenças.
Por isso, o espetáculo que a Grande Rio apresentou aos brasileiros e a tornou pela primeira vez campeã do Carnaval não foi contra ninguém, nem contra nenhuma outra religião. Foi a favor dos ritos de matriz africana.
O ator Demerson D'Alvaro, que interpretou Exu na comissão de frente da escola de Caxias, foi de rara felicidade ao explicar a emoção de ajudar a perpetuar a tradição ancestral.
"Estou aqui por antes, pelo agora e o que vai vir depois", disse ele, em entrevista ao jornalista Alex Escobar.
A quem se deixa enganar por aqueles que demonizam visões de mundo diferentes das suas e enxerga o mundo pela lógica binária, cabe a pergunta: afinal, onde está o bem e onde está o mal?
A Grande Rio tem a resposta.
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