Ronnie Lessa chamava delegado preso em operação no Rio de 'meu comandante'
Trocas de mensagens captadas pelo MP-RJ (Ministério Público do Rio) mostram relação de intimidade entre o delegado da Polícia Civil Marcos Cipriano e o PM reformado Ronnie Lessa, réu pelas mortes da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, em março de 2018.
Em diálogos registrados entre agosto e outubro daquele ano, Lessa chama Cipriano por diversas vezes de "meu comandante". Os dois foram alvo ontem da Operação Calígula, que investiga a rede de jogos de azar comandada pelo contraventor Rogério de Andrade.
Marcos Cipriano disse, em depoimento no ano passado, que Lessa é um amigo de infância e nega que à época tivesse conhecimento da suspeita de envolvimento do PM reformado na morte de Marielle (leia mais abaixo).
O MP afirma que o delegado Marcos Cipriano intermediou, em 2018, encontro entre Ronnie Lessa, Adriana Belém —então delegada de polícia titular da 16ª DP (Barra da Tijuca)— e o inspetor de Polícia Jorge Luiz Camillo Alves, braço direito de Adriana.
Segundo o MP, o encontro culminou em acordo que viabilizou a retirada de quase 80 máquinas caça-níquel apreendidas em um bingo, tendo o pagamento da propina providenciado por Rogério de Andrade. Os promotores encontraram provas de que Lessa enviou caminhões à delegacia e retirou as máquinas.
Reportagem do UOL revelou, em 25 de setembro de 2020, detalhes dessa investigação —que ontem culminou na prisão dos delegados e ao menos outras dez pessoas. Na ocasião, foram publicadas conversas por aplicativo de mensagens entre Lessa e Cipriano.
O bingo foi aberto em 24 de julho de 2018, mas acabou fechado no mesmo dia por uma operação da Polícia Militar. As mensagens indicam que Lessa tinha o bicheiro Rogério de Andrade como sócio na empreitada.
A denúncia do MP-RJ cita a "promiscuidade com que Cipriano se relaciona com criminosos, especialmente com Ronnie Lessa".
Segundo os promotores, isso "causa especial repugnância, deixando clara a ausência de escrúpulos e freios inibitórios neste agente público, que em liberdade certamente voltará a delinquir''.
Ainda de acordo com o MP-RJ, o delegado, "rompendo integralmente o juramento realizado quando da assunção de seu relevante cargo público, dolosamente se aliou à Organização Criminal de Rogério de Andrade, a partir de seus contatos com Ronnie Lessa, e se apresentou como integrante fundamental desta malta, agindo junto à Polícia Civil para atender aos interesses espúrios de seus comparsas".
"Neste sentido, a título de exemplo, relembramos que Cipriano agiu para viabilizar a liberação do espaço interditado na Avenida do Pepê, 52, Barra da Tijuca, bem como para liberação das máquinas apreendidas na 16ª DP, demonstrando interesse direto na retomada breve das atividades desta casa de apostas, que certamente lhe trazia relevantes ganhos econômicos", completam os promotores.
O MP diz que os diálogos entre Cipriano e Lessa prosseguem até 24 de outubro de 2018 uma semana após denúncia anônima recebida pela Delegacia de Homicídios da Capital sobre o envolvimento de Lessa nas mortes de Marielle e Anderson.
Atualmente sem cargo na Polícia Civil, ele é conselheiro da Agenersa (Agência Reguladora de Energia e Saneamento Básico do Rio) desde setembro, após indicação do governo estadual e aprovação da Alerj (Assembleia Legislativa do Rio).
Antes do cargo na Agenersa, Cipriano havia sido nomeado, em novembro de 2020, pelo governador do RJ —à época em exercício— Cláudio Castro (PL) para a vice-presidência do Detro (Departamento de Transportes Rodoviários do Rio).
O que dizem os acusados
A defesa do delegado Marcos Cipriano não foi localizada pela reportagem. Em depoimento à Polícia Civil em agosto do ano passado, ele disse que conhece Lessa há mais de 40 anos, desde a infância, pois eram amigos de vizinhança no bairro do Méier, na zona norte carioca.
Ele admitiu que Lessa solicitou que o contato com Adriana fosse intermediado e que o interesse do PM reformado era saber detalhes de investigação de um suposto roubo do qual fora vítima.
Cipriano disse que no encontro ocorrido no restaurante Concha Doce, na Barra da Tijuca, do qual segundo ele também participaram Adriana e Camillo Alves, não foram tratadas quaisquer questões relativas ao bingo. O delegado também disse que, à época, não havia divulgação da suspeita de envolvimento de Lessa com os assassinatos de Marielle e Anderson.
Procurada, a defesa de Ronnie Lessa disse que vai tomar conhecimento da denúncia antes de se posicionar.
O advogado Ary Bergher, que defende Rogério de Andrade, afirmou que a operação, "além de não deixar demonstrada a necessidade de prisão cautelar do Rogério, reluz claramente uma afronta ao STF que acaba de conceder o trancamento de uma ação penal contra ele".
Segundo o advogado, trata-se de uma tentativa de burlar as decisões do Supremo. Segundo o Bergher, a 2ª Turma do STF trancou em fevereiro uma ação penal contra o Rogério, acusado de ser o mandante da morte do rival Fernando Iggnácio, em 10 de novembro de 2020. Os ministros decidiram também revogar a prisão cautelar decretada contra o bicheiro.
Adriana Belém será representada pelas advogadas Luciana Pires, que também defende o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) no caso da rachadinha, e Sandra Almeida. Elas relataram à colunista Juliana Dal Piva que a origem do dinheiro será esclarecida nos autos e que não há necessidade da prisão. Por isso, as defensoras vão entrar com um pedido de habeas corpus.
O UOL não localizou a defesa de Camillo Alves.
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