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Bailarina vende balas em semáforos de SP para poder estudar na Itália

Giovanna Santoro, 19, vende balas nos semáforos no litoral paulista e sonha em se tornar bailarina internacional - Arquivo Pessoal
Giovanna Santoro, 19, vende balas nos semáforos no litoral paulista e sonha em se tornar bailarina internacional Imagem: Arquivo Pessoal

Maurício Businari

Colaboração para o UOL, em Santos

20/05/2022 04h00

De tule e sapatilha, Giovanna Santoro, 19, busca em semáforos do litoral paulista, sob sol a pino ou enfrentando vento gelado, o sonho de estudar em uma academia de ballet da Europa. Aprovada com uma bolsa de estudos que cobre parte das despesas de dois prestigiados cursos na Opus Ballet, na Itália, ela tenta, vendendo balas, levantar o dinheiro necessário para custear os estudos, hospedagem e alimentação durante a temporada de formação.

Moradora de Praia Grande (SP), Giovanna decidiu retomar uma atividade que já havia tentado aos 13 anos de idade, na companhia de colegas do balé: vender rifas e balas nos semáforos. Toda sexta, sábado e domingo, ela acorda bem cedo e, na companhia da mãe, pega um ônibus para levá-las do Balneário Maracanã até as cidades vizinhas, como Santos ou São Vicente, onde o fluxo de automóveis nos cruzamentos das avenidas é maior.

Com a ajuda da mãe, a bailarina conseguiu adaptar a garagem da casa em Praia Grande num local para lecionar balé - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Com a ajuda da mãe, a bailarina conseguiu adaptar a garagem da casa em Praia Grande num local para lecionar balé
Imagem: Arquivo Pessoal

Outra medida tomada por Giovanna, para ajudar a angariar recursos, foi adaptar a garagem da casa alugada para poder dar aulas particulares de balé. Com direito a piso em linóleo, barra para os exercícios e espelho. Ela também atua como professora residente no CADG (Complexo Artístico Diego Gonzalez).

No começo eu sentia vergonha. Com o tempo, fui entendendo que não era demérito algum eu estar ali. Que, se eu quisesse realizar o sonho de pertencer a uma companhia internacional, eu teria que me esforçar ao máximo. Uma vez ouvi de uma pessoa que o que eu estava fazendo ia ajudar a moldar o meu caráter. Ela estava certa.
Giovanna Santoro, bailarina e professora

A jovem diz que consegue lucrar com a venda das balinhas, num dia bom, R$ 270. Mas o valor pode ser maior, quando os motoristas oferecem "caixinhas" de R$ 10 ou R$ 20. Segundo ela, a reação das pessoas que ela aborda, sempre com um sorriso no rosto, é positiva na maioria das vezes.

Ela diz nunca ter sido constrangida ou passado por qualquer tipo de assédio. Mesmo porque a mãe, que a acompanha, está sempre alerta. "Quando alguém fecha a janela porque não quer me ajudar, eu apenas sorrio e agradeço".

A bailarina conta ainda com a doação de amigos, que já custearam suas passagens aéreas, e abriu vaquinha online para tentar garantir ao menos o total necessário, estimado em R$ 6,5 mil, para fazer o curso de férias.

A jovem diz que, a princípio, sentia vergonha em vender balas nos semáforos - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
A jovem diz que, a princípio, sentia vergonha em vender balas nos semáforos
Imagem: Arquivo Pessoal

Paixão antiga e familiar

O interesse de Giovanna pelo balé teve início ainda na infância, aos 3 anos, quando começou a ter aulas na escola. Chegou a fazer natação e caratê e passou por um momento de hiato na carreira de dança, quando perdeu o pai, aos 10. Nessa época, não queria mais dançar ou ter muito contato com os colegas — o que a fez usar a timidez como defesa, o que mascarava também um sentimento de inferioridade.

"A morte do meu pai foi muito difícil de superar. Minha irmã mais velha e minha mãe continuavam a me incentivar em tudo, mas eu me fechei", contou Giovanna ao UOL. "Com 13 anos, sem muita vontade, voltei para a dança. Ganhei uma bolsa em uma academia, para aprender jazz. Eu fui e não parei mais. Hoje posso dizer que foi a dança que me resgatou".

A mãe, Fátima Silva, 59, lembra-se bem dos períodos difíceis, em que teve que se desdobrar em dois empregos para manter as contas em dia e a comida na mesa. "Perdemos o apartamento próprio porque já não conseguia pagar as prestações; fomos morar de aluguel, foi muito difícil. Mas em momento algum deixei de acreditar no talento da Giovanna. E investia como podia. Deixava até de pagar algumas contas para que ela pudesse comprar uma sapatilha ou fazer uma audição".

Após perder o pai, Giovanna passou por um período difícil, que conseguiu superar através da dança - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Após perder o pai, Giovanna passou por um período difícil, que conseguiu superar através da dança
Imagem: Arquivo Pessoal

A mulher faz contas e diz que ser bailarina no Brasil requer um aporte financeiro que não é para todos. Uma sapatilha com ponta simples, que custa por volta de R$ 250, dura apenas 15 dias de uso. Um modelo mais sofisticado, com durabilidade de até 6 meses, pode custar R$ 1.200. Sem contar que as audições, onde as bailarinas são selecionadas por escolas e companhias de dança, normalmente também são pagas.

"Sempre recebi muita ajuda da família, de amigos, dos professores", diz Giovanna. "Conquistei vários prêmios, consegui meu registro como bailarina profissional e fui selecionada em várias audições. Ganhei bolsas de estudo. Com muito sacrifício, consegui fazer um curso intensivo no Rio de Janeiro, com as bailarinas Ana Botafogo e Ana Palmieri, e também em uma companhia norte-americana, em Miami".

Sonho italiano

Após ter que recusar bolsas em companhias internacionais de renome, como o México City Ballet, Complexos Contemporary Ballet, Bolshoi Ballet Academy, Barcelona Dance Center e o New York Dance Project, por não ter como custear as estadias, em janeiro deste ano Giovanna foi selecionada, entre 200 brasileiras, para estudar na Opus Ballet - Centro Internazionale Danza e Spettacolo, com sede em Florença, na Itália.

Ela ganhou uma bolsa de 100% para o curso de férias, com duração de 30 dias, e outra bolsa de 50% para o curso de trainee (estagiária) da companhia, este, com duração de três anos. As passagens aéreas já estão garantidas, com a ajuda dos amigos e o embarque está previsto para o fim de junho.

Giovanna se prepara para estudar na Itália e realizar o sonho de se tornar uma bailarina internacional - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Giovanna se prepara para estudar na Itália e realizar o sonho de se tornar uma bailarina internacional
Imagem: Arquivo Pessoal

Até aulas online de italiano ela ganhou de presente, de uma jovem brasileira que mora na Itália. Agora ela tenta juntar o bastante para estadia, alimentação e metade do valor do curso longo — que na cotação atual sai por cerca de R$ 15,6 mil. Até o momento, ela conseguiu reunir pouco mais de R$ 2 mil em dinheiro, mais R$ 2,6 mil com a vaquinha virtual. Se conseguir o suficiente para passar os primeiros 30 dias, durante o curso de férias, ela diz que correrá atrás de um trabalho temporário em Florença, para se manter durante os 3 anos como trainee da companhia.

A arte no Brasil está agonizando. Temos muitos talentos aqui, o que não temos é ajuda e incentivo dos governos ou das empresas. Meu maior sonho é conseguir participar dessa companhia na Itália e, quem sabe, me tornar a primeira bailarina em alguma montagem. Assim posso levar o nome do Brasil comigo e tornar minha história conhecida. Quero um dia também poder ajudar outras meninas que, assim como eu, não desistem nunca de seus sonhos.