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Mulher negra diz que segurança da Renner a acusou de furto em Salvador

Aurelio Nunes

Colaboração para o UOL, em Salvador

22/05/2022 18h57

A recepcionista Fernanda Rodrigues, 43, afirma ter sido vítima de racismo por parte de um segurança das Lojas Renner no shopping Bela Vista, em Salvador, na sexta-feira (20). Ela relata ter sido abordada pelo homem e acusada de furto ao sair da loja. Em seguida, o segurança teria recebido uma ligação pelo rádio, mandado a mulher embora e sumido após entrar numa sala reservada para funcionários.

Depois do episódio, Fernanda passou mal, com a pressão alta, e desmaiou. Na queda, fraturou o pé esquerdo.

Em nota, a Renner declarou que apurou imediatamente o incidente e não encontrou "evidências das acusações relatadas".

"Após verificar as imagens captadas pelo circuito interno de TV e analisar cuidadosamente os fatos à nossa disposição, não encontramos evidências das acusações relatadas. Ressaltamos que prestamos toda a assistência necessária à cliente", diz o texto.

"Estamos prontos para colaborar com as autoridades competentes na investigação do acontecimento, fornecendo as imagens gravadas e colocando à disposição nossos colaboradores e demais evidências disponíveis. Temos o firme compromisso de apoiar no esclarecimento do caso, de forma a determinar as responsabilidades devidas o mais rápido possível", segue a nota da Renner.

O shopping Bela Vista informou em nota que "prestou atendimento médico à cliente e ofereceu toda a assistência necessária enquanto ela esteve no empreendimento. Ela fez o registro da queixa na Central de Atendimento ao Cliente, e o shopping está aguardando a apuração dos fatos. O Bela Vista reitera que não compactua, não tolera e repudia quaisquer atitudes discriminatórias e reforça que possui um posicionamento democrático e de acolhimento à diversidade."

Segurança teria sido demitido

Fernanda relata que a abordagem aconteceu logo depois de outra mulher, flagrada com dois frascos de perfume na bolsa, ter sido expulsa da loja.

"Quando eu saí, o segurança disse 'quer dizer que você estava roubando a loja junto com aquela mulher?'. Ele me mandou ficar parada e não sair porque as câmeras iriam provar que nós estávamos juntas. Eu disse que fazia questão de esclarecer o assunto. Logo em seguida, ele recebeu uma ligação pelo rádio. Desligou, me mandou 'vazar', virou as costas e saiu andando. Eu o segui e ele me despistou entrando na área reservada aos funcionários", diz.

"Eu não tinha nada em comum com aquela mulher que ele descobriu que roubava. A não ser pelo fato de sermos as duas únicas mulheres negras da loja", declarou.

Abalada, Fernanda ligou para sua irmã Renata, que deixou o trabalho para encontrá-la.

Em um áudio de dez minutos ao qual o UOL teve acesso, Fernanda e Renata conversam com uma suposta funcionária da loja, identificada como Emanuele. Ela afirma que o segurança, chamado Caio Paz, reconheceu ter "cometido um erro", sem dizer nada sobre a acusação de furto, e que ele teria sido demitido.

Após a conversa, Fernanda passou mal e desmaiou, sendo atendida no ambulatório médico do shopping.

O advogado Marcos Alan da Hora Brito, acionado pela CEN (Coletivo de Entidades Negras) a pedido do irmão de Fernanda, Leandro, chegou no momento em que ela era atendida. Ele acusa a Renner e o shopping de terem agido para impedir a realização do flagrante.

"O estranho, e que precisa ser apurado pela Polícia Civil, é como um funcionário adentra uma sala da empresa, relata que cometeu um erro, é demitido sem que se apure o erro e ainda tem permissão para se retirar, sabendo-se que ele na verdade cometeu um crime", declarou Brito.

O caso foi registrado na 11ª Circunscrição Policial, no bairro de Tancredo Neves. O advogado afirma que, além de crime racial, tipificado nos artigos 5º e 20º da Lei nº 7716/89, o segurança também será denunciado por calúnia, devido à acusação infundada de furto. Isso se ele for identificado, diz Brito, já que a Renner se recusou a fornecer meios de acesso ao acusado, como o seu número de telefone.

Com o pé esquerdo engessado e de licença do trabalho por duas semanas, Fernanda diz estar indignada com as acusações que vem sofrendo nas redes sociais, de ter forjado o desmaio. Um vídeo gravado por Renata e postado na conta de Leandro no Instagram mostra Fernanda desacordada no chão.

"Minha irmã disse que eu caí de cara no chão. Ela me virou e pediu socorro. O pessoal da loja foi chamar os bombeiros e, enquanto aguardava, ela teve a ideia de registrar a cena", relata.

Nem o advogado nem Fernanda quiseram adiantar se pretendem ingressar com uma ação na Justiça para pedir uma indenização à Renner e ao shopping Bela Vista.

Fernanda diz que não tem plano de saúde e que ainda não sabe como vai arcar com as despesas médicas se tiver que fazer uma cirurgia.

"Mas não é só pelo prejuízo financeiro. O mais importante é o combate ao racismo. Isso tem que acabar. Nós, negros, temos que nos unir. A gente acha que não vai acontecer com a gente, mas pode acontecer com qualquer negro, em qualquer lugar", diz. "Quero justiça, quero que a minha voz chegue a todo mundo, principalmente a todos aqueles que passaram pela mesma coisa pela qual eu ainda estou passando."