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'Ainda tentam afastar jogadores negros do futebol'; veja Preto no Branco

Colaboração para o UOL

17/06/2022 04h00

"Eu era a única negra. Alguém da arquibancada gritou 'sai daí crioula, seu lugar é na cozinha'. Eu parei o jogo e disse 'meu lugar é na cozinha, no quarto, na sala e numa quadra de esporte". Com a fala da esportista Aída dos Santos, Maria Gal iniciou o quarto episódio de Preto no Branco, que foi ao ar nesta quinta-feira (16), na Band News. A ex-atleta foi a primeira mulher do país a chegar a uma final olímpica, nos Jogos de Tóquio em 1964.

Para falar sobre racismo no esporte, o programa contou com a participação do atleta Mário Aranha. Com passagem como goleiro por diversos clubes como Ponte Preta, Santos, Atlético MG, Palmeiras, entre outros, Aranha foi vítima de racismo por uma torcedora do Grêmio, em 2014, quando jogava pelo Santos. Após denunciar o caso, se tornou uma voz contra o racismo no futebol.

"Às vezes, eu falo que a gente não queria ser negro, queria ser só um ser humano, assim como as pessoas brancas. Eles são só médicos, advogados, cantores... Nós não, somos médicos negros, advogados negros. Falar sobre racismo é muito importante porque não tem como resolver nenhum problema sem falar sobre ele mas, ao mesmo tempo, nos traz muitas dores que a gente vem carregando há muito tempo"
Mário Anhara, ex-goleiro

Voz ativa contra o silenciamento

Para Aranha, houve um processo de silenciamento da história de resistência da população negra, o que fez com que as pessoas negras que se colocam contra o sistema racista acabassem sendo estigmatizadas ou vistas como revoltadas. "A ideia de passividade foi um instrumento para que a gente não avançasse depois da escravidão", explica. "As escolas não contam as histórias de luta e nem como se desenhou o fim da escravidão no Brasil", complementa.

Para o ex-goleiro, os clubes e patrocinadores também precisam tomar partido em relação ao racismo que ocorre nas partidas. Em relação aos próprios jogadores negros, Aranha conta que muitos deles não se posicionam por falta de conhecimento da causa ou medo de retaliações.

As várias faces do racismo no esporte

Mostrando que o racismo no esporte vem de muitos anos, Aranha conta sobre a história do futebol no Brasil. O esporte mais reverenciado do país é de origem europeia e chegou em solo nacional pela elite branca. Segundo o esportista, o jogo das quatro linhas veio para ser praticado por homens brancos e, por isso, os negros chegaram a ser excluídos da prática por lei. Para Aranha, essa exclusão ainda segue de forma velada por meio de comentários maldosos.

"Ainda tentam nos afastar do jogo. Todo o jogador negro do futebol tem um adjetivo ruim. Sempre o zagueiro 'violento' é o negro, enquanto o branco é 'estratégico'", explica, se referindo às palavras usadas por comentaristas esportivos ou veículos de comunicação.

Solução pelo conhecimento

Longe dos gramados desde 2018, Aranha atua agora nos bastidores treinando goleiros. Para ele, é importante que jovens negros interessados no esporte também estudem e saibam que é possível ir além da ocupação de jogador e estar em posicições de estratégia dentro do esporte como técnicos, treinadores, equipe médica, entre outras funções. "A última barreira do racismo que a gente precisa derrubar é a intelectual. Ainda nos colocam como intelectualmente inferiores", disse.

O programa "Preto no Branco" é uma série semanal liderada pela produtora e atriz Maria Gal. No último episódio, recebeu a deputada federal de São Paulo e educadora Érica Malunguinho e o ativista social e babalorixá Júlio Cezar de Andrade. O programa se dedicou ao tema do racismo religioso e os entrevistados contaram experiências pessoais com as religiosidades de matriz africana. Nas próximas semanas, o programa irá debater temas como racismo e música e como ser antirracista.