Marinha alega deficiência hormonal e veta mulher trans aprovada em 1º lugar
Uma mulher trans, aprovada em primeiro lugar no concurso para Oficiais do Serviço Militar Voluntário, precisou recorrer à Justiça Federal para não ser impedida de continuar no processo seletivo iniciado em fevereiro, e que ainda não teve o resultado liberado.
Sabrina, que não terá o sobrenome revelado, competiu com mais 1 mil candidatos na prova escrita e foi considerada "inapta" para continuar no processo pela junta médica da Marinha, que alegou que ela sofreria de hipogonadismo - uma deficiência de hormônios sexuais produzidos nas glândulas sexuais (nos testículos ou nos ovários), ou seja, a produção de hormônios seria baixa ou inexistente. O hipogonadismo consta no edital do concurso da Marinha como critério para a eliminação de candidatos.
No entanto, Sabrina alega que não possui gônadas (glândulas do sistema endócrino, responsáveis pela produção de hormônios sexuais) devido a uma cirurgia de redesignação sexual realizada em 2016 e que, por isso, faz reposição hormonal com estrogênio - hormônio feminino. Por isso, ela entrou com uma ação na Justiça, questionando a decisão médica da Marinha, com o intuito de continuar no processo seletivo. O caso tramita na 19ª Vara Federal do Rio de Janeiro e não está em segredo de Justiça. A defesa pede ainda R$ 150 mil de indenização por danos morais.
O caso foi revelado pelo jornal "O Globo". A reportagem do UOL confirmou as informações da ação e entrevistou a mulher trans barrada pela Marinha.
Laudo médico
Para a advogada de Sabrina, Bianca Figueira, que também é mulher trans e militar reformada, a alegação do hipogonadismo é um artifício para impedir que a candidata integre os quadros da Marinha. "É um preconceito escancarado, claramente um caso de transfobia. Pegaram uma condição do edital e impuseram a Sabrina", diz.
Um laudo médico, obtido pelo UOL e inserido no processo movido na Justiça pela candidata, afirma que a estudante encontra-se "normogonádica", ou seja com os índices hormonais normais, já que realiza reposição. Segundo o laudo, o estrogênio se apresentou de forma compensada nos exames feitos na rede particular. O documento não chegou a ser apresentado à instituição devido a ausência de tempo hábil, explica Figueira.
No processo movido na Justiça, a advogada destaca ainda que "o hipogonadismo do edital inadequadamente aplicado restringe o acesso de pessoas trans na Marinha, restringe direitos fundamentais e humanos que o Estado brasileiro se obrigou a seguir e cumprir".
"Eu só quero trabalhar"
Sabrina foi aprovada em primeiro lugar no exame de múltipla escolha, empatada com outros quatro candidatos. A prova foi a primeira etapa do processo seletivo e foi realizada em fevereiro.
Posteriormente, a estudante apresentou documentos pessoais e documentos comprobatórios para a Prova de Títulos, que concede aos candidatos uma pontuação adicional equivalente ao título apresentado, como cursos, pós graduação, mestrado e assim por diante.
As últimas etapas do certame consistiam no TAF (Teste de Aptidão Física) - que tem objetivo eliminatório e não atribui pontos aos participantes, e a inspeção de saúde - que julgou Sabrina como não apta. O resultado final do concurso será divulgado oficialmente no dia 4 de agosto.
Em entrevista ao UOL, ela contou que precisou passar quatro vezes pela junta médica da Marinha, enquanto outras candidatas passariam, no máximo, por duas consultas. Segundo ela, a partir do momento que precisou justificar a ausência de exames do aparelho reprodutor feminino, começaram os problemas e a necessidade de apresentar mais exames do que o habitual. "Normalmente, é necessário apresentar uns 12 exames. Eu apresentei mais de 40", recordou.
A estudante, que não tem plano de saúde para cobrir as despesas médicas, gastou mais de R$ 3 mil para a realização de todos os exames que precisou apresentar à equipe médica. "Tem sido emocionalmente desgastante. Eu só quero trabalhar", diz. "Me tiraram do processo por ser trans, mas sem falar isso abertamente. Eles pinçaram isso [hipogonadismo] nas características eliminatórias para me eliminar", desabafa.
Forças Armadas
No processo que já corre na Justiça, a advogada Bianca Figueira destacou, em defesa de Sabrina, o histórico de violações de Direitos Humanos nas Forças Armadas contra pessoas trans. Ela enumerou ao menos quatro casos de afastamento e reforma de militares trans no país e também registros de casos em que foram negados o direito ao nome social e ao livre exercício da identidade e expressão de gênero de militares citados no documento.
O UOL procurou a Marinha mas, até o momento, a instituição não se pronunciou sobre o caso. Por email, a reportagem questionou sobre a justificativa médica informada à candidata e a acusação de transfobia. A assessoria de imprensa da instituição confirmou o recebimento do email e que irá se posicionar posteriormente.
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