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Adolescente negro recebe 'mata-leão' de PM ao sair de ônibus escolar em SC

Luan Martendal

Colaboração para o UOL, em Florianópolis

09/08/2022 21h18

A família de um estudante negro de 16 anos afirma que ele foi vítima de racismo após o adolescente ser imobilizado com um golpe "mata-leão" e revistado por policiais militares durante uma abordagem a um ônibus escolar em Imbituba, a 90 quilômetros de Florianópolis. O estudante vítima da agressão era o único negro dentro do veículo. A conduta dos agentes é investigada pela corregedoria da corporação.

O caso foi registrado na tarde da última quarta-feira (3), mas ganhou notoriedade nesta semana depois que imagens da ação policial circularam nas redes sociais.

De acordo com o advogado Paulo Marcos da Silva, que representa a família do estudante, a vítima faz estágio em um órgão municipal e pegou carona no ônibus escolar para ir para casa no fim do expediente. No coletivo, outros dois adolescentes estariam causando "baderna", o que fez com que monitores e o motorista do coletivo se sentissem ameaçados e pedissem a presença policial.

Segundo o advogado, a surpresa, no entanto, aconteceu logo quando a polícia entrou no ônibus, e "mesmo as testemunhas apontando que os dois adolescentes envolvidos estariam usando moletom preto, a polícia abordou o estudante de 16 anos que estava vestido de moletom branco".

Ainda segundo o defensor, quando abordado pela polícia, a vítima disse que estava voltando do trabalho e se sentou novamente, o que teria irritado os militares.

"Ele sentou achando que a abordagem tinha acabado, nisso o policial se sentiu contrariado e mandou que ele se levantasse. Em seguida, deram um 'mata-leão' [golpe de imobilização] nele e o levaram para trás de uma árvore, enquanto os outros adolescentes eram abordados ao lado do ônibus", diz o advogado.

Foi uma abordagem totalmente desproporcional. Primeiro porque só haviam menores de idade dentro do ônibus, segundo que não existia nenhuma característica que indicasse que ele era o autor dos fatos. Entendemos com isso que, o fato de ele ser o único negro no local, foi crucial para ser o suspeito. Advogado Paulo Marcos da Silva.

Adolescente e pai foram algemados na delegacia

Nas imagens obtidas pelo UOL, com duração de pouco mais de três minutos, o rapaz repete ao menos duas vezes que estava trabalhando e se senta no banco onde estava. O policial respondeu em seguida que não havia autorizado que ele se sentasse e ordenou que o jovem se levantasse novamente. O adolescente então é imobilizado e retirado do coletivo. Ele mesmo pede que as pessoas continuem gravando a ação policial.

Os estudantes que gravaram as imagens se mostram indignados e voltam a afirmar que o estudante não fez nada: "Só porque ele é preto? Foi literalmente a primeira pessoa que eles abordaram", afirmou uma testemunha. Gritos de "racista" também foram direcionados contra o policial enquanto revistava o garoto.

Conforme Paulo Marcos da Silva, o adolescente chegou a ser algemado e levado para uma base da PM no camburão de uma viatura. Pelo ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), diz o advogado, "só é lícito o uso de algemas em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física", o que, segundo testemunhas, não era o caso.

Já na unidade de polícia, a mãe e o pai do garoto também teriam sido agredidos, conforme a defesa. O advogado disse que encontrou os três adolescentes abordados e o pai do adolescente vítima do "mata-leão" algemado, "como se tivessem cometido um grande crime".

Pai e filho foram liberados em seguida, mas, segundo o advogado, a família está abalada e constrangida com o fato.

A mãe do garoto, que pediu para não ser identificada na reportagem, chegou a postar sobre o caso em suas redes sociais e reafirmou a denúncia de racismo.

Mesmo que doa ter que assistir a este vídeo todos os dias, mesmo que as lágrimas não parem de cair, vou postar. Vou postar para que não vire apenas mais um caso esquecido. Vou postar, porque tenho mais filhos e não quero que mais nenhuma mãe, seja negra ou branca, passe pelo o que estamos passando. Mãe da vítima nas redes sociais.

O caso foi encaminhado ao Ministério Público de Santa Catarina, que apura as circunstâncias e denúncias feitas pela família. Além de aguardar a manifestação do MP, a defesa também deve apresentar queixa na Vara Cível e na corregedoria da Polícia Militar de Santa Catarina.

"Não queremos generalizar a ação das polícias, mas, neste caso, queremos que haja uma punição exemplar, pelo menos para que casos como esses não se repitam na abordagem desses agentes", afirmou.

A Ordem dos Advogados do Brasil em Santa Catarina (OAB/SC), também acompanha o episódio, ao qual descreve como sendo uma abordagem suspeita de uso indevido da força física e possível motivação racial.

"A OAB/SC repudia tal comportamento, que não se alinha com a missão da Polícia Militar do Estado, e informa à sociedade catarinense que, por meio da Comissão de Direitos Humanos, está acompanhando de perto as investigações deste fato, visando à punição dos envolvidos e o necessário amparo ao cidadão vítima do ato racista", reforçou o órgão em nota.

Secretaria de Educação diz que estagiário não estava com dupla

Em nota, a Secretaria Municipal de Educação, Cultura e Esporte de Imbituba disse que dois adolescentes foram barrados ao tentarem entrar no ônibus sem a carteira estudantil por volta de 12h30 de 3 de agosto. Eles teriam efetuado chutes e socos no veículo, o que gerou um boletim de ocorrências.

"Por volta de 17h30, o motorista retornou à escola para buscar os alunos. No local, ele foi surpreendido, novamente, pelos dois jovens. Desta vez, os rapazes estavam acompanhados de um terceiro adolescente, este estagiário da prefeitura, que entrou no veículo para pedir uma carona. No interior do ônibus, a dupla fez ameaças ao monitor, alegando estarem portando uma arma de fogo. Após as ameaças e a recusa em descer do veículo, a Polícia Militar foi acionada".

"A partir desse momento, toda a ação relacionada aos adolescentes foi conduzida pela PM, no intuito de proteger as crianças que estavam no veículo", completa em nota.

Ainda segundo a secretaria, os jovens foram conduzidos à delegacia, inclusive, o terceiro rapaz, que não estava envolvido no caso das ameaças, mas, que teria desacatado os policiais.

Polícia Militar diz que apura o caso

A Polícia Militar de Santa Catarina informou ao UOL que foi aberto procedimento administrativo para apurar a ocorrência. A investigação deve ser liderada pela corregedoria do 8º Comando Regional Militar, sediado no município de Tubarão (SC).

Em nota, a Polícia Militar confirma que foi acionada após adolescentes serem acusados de ameaça e de estarem armados.

"As ameaças começaram quando o motorista e o monitor do ônibus escolar pediram para que os adolescentes mostrassem as carteiras dos estudantes ao entrarem no ônibus, porém um dos adolescentes disse que não era estudante e iria pegar uma carona e outros dois se negaram a mostrar o documento solicitado. Diante das ameaças, o motorista parou o ônibus em frente à Secretaria Municipal de Educação e informou a situação acionando a Polícia Militar", explicou a PM.

De acordo com a corporação, "quando os policiais chegaram ao local, as vítimas, ao descreverem os adolescentes que estavam causando o transtorno, apontaram como um dos suspeitos um rapaz que estava usando um agasalho de cor preta. 'Foi o de preto', afirmou uma das vítimas. Nesse momento um dos policiais pergunta 'Esse aqui de preto?', aproximando-se do suspeito, reconhecido pelas vítimas que estavam no interior do ônibus".

"A Polícia Militar de Santa Catarina rechaça qualquer tipo de discriminação e utiliza de todos os protocolos para a identificação dos suspeitos e para a resolução da ocorrência. Os adolescentes foram apreendidos por ameaça, desobediência e desacato e encaminhados à Delegacia de Polícia Civil para realização dos procedimentos cabíveis", concluiu a nota da PM, sem especificar qual ato infracional o adolescente que recebeu um golpe "mata-leão" cometeu nem as motivações que levaram os militares a adotarem a conduta.