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Investigações do MP indicam influência de Ronnie Lessa com delegados do Rio

O PM reformado Ronnie Lessa, acusado de matar Marielle Franco - Marcelo Theobald/Agência O Globo
O PM reformado Ronnie Lessa, acusado de matar Marielle Franco Imagem: Marcelo Theobald/Agência O Globo

Marcela Lemos

Colaboração para o UOL, no Rio*

13/09/2022 04h00

Investigações do MP-RJ (Ministério Público do Rio de Janeiro) divulgadas neste ano revelam que o PM reformado Ronnie Lessa, réu pelas mortes da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes em março de 2018, transitava entre delegados do Rio de Janeiro.

Conversas de WhatsApp e depoimentos indicam que, entre 2016 e 2018, Lessa teve acesso privilegiado a ao menos três delegados —todos atualmente presos. Eles são Marcos Cipriano, Adriana Belém e Allan Turnowski —este último, preso na última sexta-feira (9), foi secretário de Estado da Polícia Civil do RJ do governo Cláudio Castro (PL) até abril, quando deixou o cargo para concorrer à Câmara dos Deputados.

A relação do acusado de matar Marielle com esses agentes —incluindo o também delegado Maurício Demétrio— está sob investigação do MP-RJ. Os quatro delegados e Lessa são investigados por envolvimento com organizações criminosas ligadas ao jogo do bicho.

Em conversas extraídas de celulares de Demétrio —preso no ano passado por suspeita de exigir propina de comerciantes de Petrópolis, na Região Serrana do Rio—, ele diz a Marcelo José Araújo de Oliveira que Turnowski mantinha uma relação de respeito com Lessa. Segundo o MP-RJ, Oliveira integrava quadrilha de Demétrio e Turnowski suspeita de favorecer contraventores.

O Lessa tem muita moral lá com eles, cara. Muita! Inclusive aquele 'Amigo de Israel' [codinome de Turnowski, segundo o MP] respeita o cara, tá? Respeita o cara pra caramba! É deles. O Lessa é deles."
Demétrio em mensagem de WhatsApp

Segundo o MP-RJ, as mensagens são de 2016 —dois anos antes da morte de Marielle e Anderson. Não há contudo qualquer citação na investigação de envolvimento dos policiais nos assassinatos.

De acordo os promotores do Gaeco (Grupo de Atuação Especializada de Combate ao Crime Organizado), Turnowski agia como agente duplo entre os grupos dos bicheiros Rogério Andrade e e Fernando Iggnácio, sobrinho e genro de Castor de Andrade, respectivamente. Rogério e Iggnácio travavam uma disputa pelo espólio de Castor até o assassinato de Iggnácio em novembro de 2020.

30.nov.2020 - O delegado Allan Turnowski, ex-secretário da Polícia Civil do RJ - Divulgação/Polícia Civil - Divulgação/Polícia Civil
30.nov.2020 - O delegado Allan Turnowski, ex-secretário da Polícia Civil do RJ
Imagem: Divulgação/Polícia Civil

"Allan Turnowski atuava de forma velada e dissimulada. Ele obtinha informações junto aos asseclas de Rogério de Andrade, como [o ex-inspetor de polícia] Jorge Luiz Fernandes e Ronnie Lessa, e as repassava para Fernando Iggnácio, por meio de Maurício Demétrio e Marcelo, e com base nas informações obtidas, deliberavam estratégias para enfraquecer o grupo rival', diz o MP-RJ.

Procurado, o advogado de Turnowski, Fernando Drumond, afirmou que "a decisão pela prisão é baseada em diálogos de terceiros, incompletos, fora de contexto e gravados em 2016, época em que Allan Turnowski sequer exercia cargos na Polícia Civil, pois estava cedido à Cedae [Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro]".

O advogado Leonardo Dickinson, que defende o delegado Maurício Demétrio, disse por meio de nota que "precisa se inteirar integralmente dos autos para poder se manifestar".

Adriana Belém e Cipriano

Além de ter o nome vinculado a Demétrio e Turnowski, conforme descrito em denúncia do MP-RJ à Justiça na semana passada, Ronnie Lessa já foi vinculado a outros dois delegados —Marcos Cipriano e Adriana Belém.

Trocas de mensagens captadas pelo MP-RJ e divulgadas em maio mostram relação de intimidade entre Cipriano e Lessa. Em diálogos registrados entre agosto e outubro de 2018 —cinco meses após a morte de Marielle—, Lessa aparece chamando Cipriano por diversas vezes de "meu comandante".

Os dois foram alvo da Operação Calígula, que investiga rede de jogos de azar comandada por Rogério de Andrade.

Marcos Cipriano alegou, em depoimento no ano passado, que Lessa era um amigo de infância e negou que tivesse conhecimento da suspeita de envolvimento dele na morte de Marielle.

Ainda segundo o MP, Marcos Cipriano intermediou, naquele mesmo ano, um encontro entre Lessa, Adriana Belém e o inspetor de polícia Jorge Luiz Camillo Alves, então braço direito de Adriana.

Segundo o MP, o encontro culminou em um acordo que viabilizou a retirada de quase 80 máquinas caça-níquel apreendidas em um bingo, tendo o pagamento da propina providenciado por Rogério.

A delegada Adriana Belém  - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
A delegada Adriana Belém
Imagem: Arquivo Pessoal

Os promotores encontraram provas de que Lessa enviou caminhões à 16ª DP, na Barra da Tijuca, e retirou as máquinas. O bingo havia sido aberto em 24 de julho de 2018, mas acabou fechado no mesmo dia por uma operação da Polícia Militar. Mensagens indicam que Lessa e Rogério eram sócios na empreitada.

À época, Adriana Belém —presa neste ano com cerca de R$ 1,8 milhão em espécie na casa dela pela Operação Gárgula— era a delegada titular da unidade policial.

A defesa do delegado Marcos Cipriano não foi localizada pela reportagem. Em depoimento à polícia Civil em agosto do ano passado, ele admitiu que Lessa solicitou que o contato com Adriana fosse intermediado e que o interesse do PM reformado era saber detalhes de investigação de um suposto roubo do qual fora vítima.

Cipriano disse que no encontro —ocorrido no restaurante Concha Doce, na Barra da Tijuca—, do qual segundo ele também participaram Adriana e Camillo Alves, não foram tratadas quaisquer questões relativas ao bingo. O delegado também disse que, à época, não havia divulgação da suspeita de envolvimento de Lessa com os assassinatos de Marielle e Anderson.

Já Adriana Belém confirmou apenas que Cipriano havia acompanhado Lessa na ocasião. A reportagem procurou ontem a defesa da delegada, mas não obteve retorno.

Em maio, quando foram presos, Adriana e Cipriano não tinham cargos na Polícia Civil. Segundo informou a instituição na época, eles estavam afastados e lotados em outros órgãos. Os dois continuam presos.

Rogério de Andrade e Ronnie Lessa

Rogério de Andrade é sobrinho de Castor de Andrade e herdou o domínio dos jogos de azar após a morte do tio, em 1997. Rogério ficou com os pontos de jogo do bicho, enquanto Fernando Iggnácio, genro de Castor, assumiu o controle dos caça-níqueis.

Logo, os dois iniciaram uma sangrenta guerra pelo controle de todo o espólio de Castor. Foi nesse contexto que Rogério e Lessa se conheceram, segundo o MP-RJ.

Lessa foi recrutado pelo jogo do bicho e passou a atuar como segurança da família Andrade. Em 2009, ele sofreu um atentado e precisou amputar uma das pernas. Seis meses depois, um novo atentado matou o filho de Rogério.

A disputa entre os dois herdeiros de Castor de Andrade seguiu até novembro de 2020, quando Iggnácio foi morto a tiros no estacionamento de um heliporto no Recreio dos Bandeirantes, na zona oeste do Rio.

A defesa de Rogério já havia negado ao UOL, em 2020, que Rogério conhecia Lessa e afirmou que o PM reformado jamais atuou como segurança do contraventor, preso em agosto.

*Com informações de Igor Mello, do UOL, no Rio