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MP: Aliado de ex-chefe de polícia vazou informações para Capitão Adriano

O ex-PM e miliciano Adriano Magalhães da Nóbrega - Reprodução/Polícia Civil
O ex-PM e miliciano Adriano Magalhães da Nóbrega Imagem: Reprodução/Polícia Civil

Do UOL, no Rio

11/09/2022 04h00

A organização criminosa formada pelos delegados Maurício Demétrio e Allan Turnowski, ex-secretário de Polícia Civil do governo Cláudio Castro (PL) preso na sexta-feira (9), vazou informações sobre investigações para o miliciano Adriano Magalhães da Nóbrega, o Capitão Adriano, segundo relata o MP-RJ (Ministério Público do Rio de Janeiro) em denúncia apresentada à Justiça.

Chefe da milícia do Rio das Pedras (zona oeste do Rio) e do grupo de matadores de aluguel conhecido como Escritório do Crime, Adriano mantinha contato constante com Demétrio por meio de Marcelo José Araújo de Oliveira, emissário do bicheiro Rogério de Andrade. O miliciano foi morto em operação policial na Bahia em fevereiro de 2020.

Embora as informações tenham sido vazadas apenas por Demétrio, o Gaeco (Grupo de Atuação Especializada de Combate ao Crime Organizado) do MP-RJ deixa claro na denúncia que ele e Turnowski agiam juntos.

Segundo a promotoria, o ex-secretário de Castro se comportava como um agente duplo, aproximando-se de policiais ligados ao bicheiro Fernando Iggnácio para colher informações e favorecer a quadrilha de Andrade. Os contraventores travavam disputa sangrenta pelo espólio do bicheiro Castor de Andrade —Iggnácio foi assassinado em novembro de 2020.

Em um áudio obtido pelos investigadores, o próprio Turnowski —que temia ser preso em 2016— deixa clara essa proximidade.

"Guru [Demétrio], se ele me pegar ele vai te pegar, Guru. Tem que me proteger por você! Po***, tá maluco? Nós somos um CNPJ, um CPF só! Irmãos de embrião", disse Turnowski em mensagem de áudio.

Demétrio foi preso no ano passado acusado de chefiar um esquema que exigia propina de comerciantes de Petrópolis, na Região Serrana fluminense.

Suborno para delegacia especializada. As conexões de Demétrio na Polícia Civil fizeram com que ele fosse capaz de vazar diversas informações sobre investigações contra a milícia, segundo o MP.

A promotoria diz em denúncia à Justiça que o delegado chegou até mesmo a negociar um arrego —pagamento de propina mensal— para policiais que trabalhavam na Draco-IE (Delegacia de Repressão às Ações Criminosas Organizadas e Inquéritos Especiais), especializada responsável por investigar justamente milicianos.

A falta de combate à milícia do Rio das Pedras fez com que os criminosos fossem considerados intocáveis pelas autoridades —daí vem o nome da série de operações que desmantelou o grupo a partir de informações colhidas na investigação da morte da vereadora Marielle Franco, em 2018.

"Tamanha proximidade com MARCELO serviu ainda para MAURICIO DEMETRIO estabelecer outros esquemas paralelos de negociatas ilegais, criando conexão, por exemplo, com mais um expoente personagem do universo criminal vinculado ao jogo do bicho, ADRIANO MAGALHÃES DA NÓBREGA (CAPITÃO ADRIANO, CARA DA MONTANHA, AMIGO DA MONTANHA ou LEÃO DA MONTANHA), chefe da organização conhecida como milícia de Rio das Pedras. Nessa empreitada, MAURICIO DEMETRIO, por intermédio de MARCELO, vazava informações relevantes e sigilosas sobre investigações e negociava pagamento de propina para integrantes corruptos da Polícia Civil."

As negociações para o suborno na Draco ocorreram entre junho e julho de 2016, quando Demétrio era o responsável pela Polinter (Divisão de Capturas e Polícia Interestadual).

O delegado afirma que agentes da Draco estavam indo constantemente ao Rio das Pedras para tentar localizar "quatro ou cinco" milicianos da Gardênia Azul —outra comunidade de Jacarepaguá (zona oeste)— que tinham se envolvido em um assassinato e se abrigaram na favela aliada. Segundo ele, isso poderia ser pretexto para que recolhessem informações sobre a milícia do Capitão Adriano.

"Então, seria mais ou menos isso aí... que não tem nada lá... lá dentro não tem nada, segundo ele me falou... mas que, como eles tão indo lá, o cara tá levantando nome, fazendo uma porrada de informação pra instaurar um negócio lá, em cima deles, para, no futuro, fazer uma operação, entendeu?", diz Demétrio em mensagem de áudio para Marcelo.

Conforme as negociações sobre a propina avançavam, Demétrio deixa claro que um interlocutor na Draco garantia que não havia nenhum inquérito sobre a quadrilha do Capitão Adriano em curso —e que a milícia seguiria sem ser investigada, caso a propina fosse acertada.

"Ok. Beleza. Vamos resolver. Eu acho que dá pra resolver sim, cara. Ele garantiu que não tem nada instaurado, que não tem nada instaurado, cara. O que, porra, é bom pra caramba, né? Melhor do que resolver uma situação né, cara? Impedir um negócio de começar é muito melhor do que parar o que já foi começado, né?", analisa o delegado.

Demétrio diz ainda que os policiais da Draco se comprometiam inclusive em vazar possíveis investigações do Ministério Público a que tivessem acesso.

"Se quiser fazer logo amizade, é pra fazer agora, entendeu? Tá resolvido! Aos caras interessa e, se, por acaso, vier alguma ordem de MP, alguma coisa, eles avisam o que que é. O acordo é esse aí!", prossegue ele na negociação da propina.

"Pediu pra dar uma ideia, aí, do tamanho da amizade, que eles vão pensar... e vê aí, já pra esse mês aí... eu achei bom pra caralho, agora vê lá, vê lá com os caras lá, o que que eles querem, o que eles não querem, entendeu? Valeu! Qualquer coisa me chama aê!", completa Demétrio.

Vazamento de investigação da DH. Meses antes, Demétrio já havia usado de seus contatos na corporação para vazar a Adriano que ele estava sendo investigado por um homicídio.

Ele fala para Marcelo Oliveira dar a dica ao miliciano: "Cara, se ele não sabia, manda ele se ligar, que o nome dele tá rolando direto aí, cumpadre [sic]! Hehehe...", diz o delegado.

"Eu tava hoje no almoço e fiquei sabendo hoje no almoço. Tava [sic] eu, o Rivaldo e o Ronaldo e uma delegada lá da DH, Marcela. Aí tavam [sic] falando do João, não sei o que, papapá... Aí, mermão, tavam [sic] falando o nome da Adrian... do CARA DA MONTANHA direto, cumpade [sic], direto!"
Maurício Demétrio, delegado preso por envolvimento com o jogo do bicho

Os delegados citados por ele faziam parte da cúpula da Polícia Civil na época, tendo acesso a investigações sensíveis. É o caso de Rivaldo Barbosa, então chefe da Divisão de Homícidos, e Ronaldo Oliveira, na época diretor do Departamento de Polícia Especializada.

Não há elementos na investigação de que eles soubessem que as informações seriam repassadas ao miliciano.

Na conversa, realizada por meio de mensagens de áudio, Demétrio ainda avisa que Adriano da Nóbrega será chamado para prestar depoimento na Delegacia de Homicídios.

"Ah, que... tem duas teorias, né? Ou eles tavam [sic] em confronto com alguém, que era o mais provável, ou tinha sido uma briga entre eles mesmos. Mas, seja como for, vão chamar o ADRIANO pra depor, cara!".

Turnowski e Demétrio vão responder por organização criminosa, corrução ativa e passiva e violação de sigilo funcional, cujas penas somadas superam 30 anos de reclusão; Uma possível condenação também leva à perda do cargo público.

O que dizem os acusados

O UOL fez contato com as defesas de Allan Turnowski e Maurício Demétrio, mas não obteve posicionamento sobre o caso. O espaço segue aberto.

Em um vídeo que Turnowski diz ser de 11 de agosto e publicado na sexta passada nas redes sociais, o ex-chefe da Polícia Civil do RJ diz que estava sendo perseguido politicamente e acusou um grupo do MP de armar contra ele.

"Por que vão entrar na minha casa? Por perseguição política, vocês sabem que tô forte na minha campanha e como deputado federal. Hoje só vocês podem armar, mentir para tentar me desmoralizar e eu não posso investigar vocês porque vocês são protegidos. Só que vocês não merecem a proteção que o MP tem", disse ele.

Turnowski deixou o cargo no governo do RJ para concorrer a uma vaga de deputado federal nas eleições deste ano pelo PL.

Ontem, o governador Cláudio Castro saiu em defesa de Turnowski e elogiou sua gestão à frente da Polícia Civil. Em nota, disse que "sua experiência com Allan Turnowski está descrita nos números positivos alcançados na segurança pública".

Castro pediu ainda "cautela em relação a juízos de valores com base em trechos de conversas destacadas do processo antes do desfecho das investigações e do julgamento pela Justiça".