É real: bruxas, Natal, Copa e eleição criam energia caótica no comércio
Quem desce a ladeira da Constituição e percorre o maior centro popular de compras do país quase consegue pegar com a mão a energia caótica que paira sobre o brasileiro. Na 25 de março, em São Paulo, o estado de espírito do Brasil — a dois dias das eleições, 23 dias da Copa e dois meses do Natal — se materializa em adereços que vão de velas a vuvuzelas, passando pelas toalhas de candidatos.
A paleta de cores é democrática: O vermelho PT dos adereços do ex-presidente e candidato Luiz Inácio Lula da Silva se mistura aos gorros com barra de algodão do papai Noel. E ninguém mais sabe se o verde-e-amarelo da seleção canarinho é ou não item de apoio ao presidente Jair Bolsonaro (PL).
Aqueles que pensam que termina por aí esquecem que a semana mais decisiva para o futuro dos brasileiros desemboca em uma festa de Halloween.
Em uma das maiores lojas da 25 de março, tridentes alaranjados encostam nas cornetas de Copa. Uma mulher com a filha pequena vence abóboras, teias de aranha e bandeiras do Brasil para, finalmente, chegar à vendedora: "tem fantasia da Eleven?"
A comerciante, que demonstrava cansaço e já havia declarado a uma colega que "não se humilharia mais esta semana", só responde: "todas as fantasias estão naquele corredor ali" e aponta para uma prateleira com máscaras de piratas e da morte. Mãe e filha seguem.
"Está uma bagunça", resume a vendedora de açaí Kátia "Nega", como gosta de ser chamada. Com seu carrinho de doce e 22 anos de rua — divididos entre o Brás e a 25 de março —, ela diz que nunca viu nada igual.
Neste ano, além de eleições acirradas, que criaram a briga do vermelho com o verde-e-amarelo, o calendário esportivo pregou sua peça: é a primeira vez que a Copa do Mundo será em novembro e dezembro — tradicionalmente, é realizada entre junho e julho.
E o comércio, que antes tinha tempo de distribuir as vendas ao longo dos meses do ano, agora tem de se render ao caos.
"A eleição 'comeu' a Copa. E a Copa vai 'comer' o Natal", reclama Kátia, de 47 anos. "A cabeça do brasileiro está toda virada", diz a vendedora, que também faz as suas reflexões sobre os impactos emocionais da pandemia — outro tempero no caldeirão da energia caótica.
O espírito das ruas não demorou a chegar ao Twitter.
"gente o comércio tá caótico tem coisa de halloween natal copa eleição bandeira do lula bandeira do bolsonaro tudo num só lugar", escreveu uma usuária — assim mesmo, sem vírgulas, para descrever melhor o caos.
Em apoio, outros compartilharam suas impressões: "Hoje mesmo eu passei por uma loja de natal e de copa pra comprar uma roupa de halloween", disse um, vestido de abóbora. "A cara do Brasil de hoje. CAÓTICO", comentou outra.
Em uma banca na 25 de março, um vendedor de camisas da seleção disse que o faturamento deve cair 40% em relação a um ano de Copa normal, com torneio em junho. Agora, ninguém sabe mais o que comprar.
Parte dos clientes da 25 de março evita levar adereços ligados à Copa, pelo menos agora, com medo de serem associados à política. Segundo os vendedores, isso vale principalmente para eleitores do Lula, mas também ocorre com os de Bolsonaro, que preferem não se expor com itens verdes e amarelos.
"Misturou Natal, Copa e eleições. Tem de passar logo a eleição para vender mais Copa", diz Gildo Silva dos Santos, de 45 anos. Ele também expõe toalhas com os rostos de Lula e Bolsonaro e algumas camisetas do petista.
De vez em quando, diz Santos, um bolsonarista e um lulista param juntos, lado a lado, para olhar as toalhas. Um clima de tensão corta o ar. "Eu falo para as pessoas, depois da compra, tomar cuidado e usar só em grupos."
Máscaras de Lula e Bolsonaro saem a R$ 10 em uma banca na esquina com a Ladeira da Constituição — as vendas agora são para manifestar apoio no segundo turno, neste domingo. Ali, dois vendedores põem a credibilidade de suas pesquisas de Datatoalha em disputa: bolsonarista, Aldo César Correia, de 56 anos, garante que as toalhas com o rosto do candidato do PL saem mais.
"Mas se perguntar para o colega aqui, ele vai dizer que são as do Lula", afirma o vendedor, que também investiu em bonés de Bolsonaro para garantir os últimos trocados antes do segundo turno. Os bonés de Lula já saíram — e a venda é celebrada. "Sou Bolsonaro, mas quero saber é do dinheiro."
A poucos metros dali, Kátia do açaí diz que "cura" a energia caótica quando chega em casa e finalmente pode conversar com a filha, recém-formada em psicologia. Segundo ela, a jovem sabe criar um clima de paz e diálogo. Para a política, a vendedora de açaí deseja, independentemente de quem vencer, que "faça um bom trabalho" porque "é muita promessa para pouco resultado".
E, em meio à profusão de cornetas, bruxas e santinhos que tomaram conta das ruas esta semana, Kátia já escolheu.
"Estou torcendo mesmo é para que chegue logo o carnaval".
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