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MP diz que mãe deve optar entre prisão e filhas em escola em tempo integral

Do UOL, em São Paulo

07/11/2022 04h00

Para o MP-SP (Ministério Público de São Paulo), a vendedora Zaira Freitas dos Santos, 44, deve escolher entre voltar para a prisão ou matricular as filhas em escola em tempo integral. Foi o que manifestou o promotor João Ferreira Dantas em documento publicado na última quinta-feira (3). A reportagem procurou o MP-SP, que ainda não se posicionou.

O documento, obtido pelo UOL Notícias, é uma resposta do MP-SP para o novo pedido da defesa de Zaira, que busca na justiça a autorização para que a vendedora possa trabalhar e sustentar as duas filhas mais novas, de 8 e 10 anos.

Qual foi a condenação contra Zaira? Em 2020, ela foi condenada a 18 anos de prisão por tráfico, associação e organização criminosa, mas alega ser inocente. Em maio deste ano, ela passou 34 dias presa até ter o direito à prisão domiciliar, concedido pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça) no mês seguinte.

Qual é a tese do MP? Na manifestação, o promotor argumentou que "matricular as crianças em período integral para viabilizar o cumprimento do horário de trabalho" afasta a "indispensabilidade dos cuidados maternos para o filho menor de 12 anos".

Ele apontou também que os "cuidados indispensáveis para com as crianças serão transferidos para a escola por longo período do dia", e que isso autorizava uma "nova prisão processual por não preenchimento de um dos requisitos legais".

Qual foi a reação de Zaira? Em entrevista ao UOL Notícias, Zaira lamentou o posicionamento do MP. "Eu estou muito abalada. Cada notícia que eu recebo negativa eu já fico nervosa. Eu não consigo entender, preciso trabalhar, preciso cuidar delas. E sempre quando vem a resposta vem negativa."

A vendedora disse que está buscando outras fontes de renda, mas que ainda precisa de um trabalho formal. "Vou tentar fazer trabalhos domésticos, vender salgados, pão, fazer alguma coisa para suprir as necessidades das minhas filhas. Trabalhando fora, eu consigo a medicação, alimentação, vestuário, calçados, coisas da escola. Eu preciso colocar elas em uma escolinha integral para trabalhar."

Zaira afirma que tem muito medo de voltar para o sistema prisional. "É muito difícil alguém dar um emprego para um ex-presidiário, e eu tive essa oportunidade. Quero mostrar que sou inocente, que eu vou conseguir colocar minhas filhas na escola, dar amor, atenção e ainda trabalhar para sustentar as duas pequenas", cravou.

Como é a situação de Zaira hoje? Atualmente, Zaira mora com as duas filhas crianças, a filha mais velha e o namorado em São Miguel Paulista, periferia do extremo leste da cidade de São Paulo. Apesar da ajuda dos familiares, ela afirma que, sem ter uma renda fixa, a situação financeira da família está prejudicada.

Quais são os próximos passos da defesa? A advogada Débora Nachmanowicz de Lima, que cuida do caso de Zaira, disse que o primeiro passo vai ser aguardar a decisão do TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo). "Vamos verificar se ela vai concordar com o promotor. Uma vez que ela não autorize ela [Zaira] a realizar o trabalho externo em horário comercial, vamos entrar com o habeas corpus com o TJ".

Se houver uma nova negativa, explicou a advogada, a defesa acionará as instâncias superiores. "Vamos subir para o STJ [Superior Tribunal de Justiça], que julga a decisão final do habeas corpus. Se não conseguirmos, vamos para o STF [Supremo Tribunal Federal]. Temos decisões do STF e do STJ para que mães em prisão domiciliar trabalhem".

Para Débora, a prisão domiciliar deve refletir a realidade das mães presas. "Tem que garantir a possibilidade dela suprir a casa, a família. Como você cuida das suas filhas sem o dinheiro necessário para isso? Você consegue uma ajuda, consegue um auxílio. Ela sequer teve autorização para finalizar o pedido dos benefícios".

A defesa também vai lutar pela absolvição de Zaira. "Vamos apresentar na próxima semana a petição. Esperamos que a gente consiga uma análise quando suprimos para o STJ porque existem questões bastante contundentes que indicam a absolvição dela. Queremos reverter a condenação dela."

Prisão domiciliar somente para cuidar das filhas. Anteriormente, a promotora Raquel Tiemi Hashimoto, do Ministério Público de São Paulo, havia afirmado que Zaira deveria permanecer em prisão domiciliar para cuidar das filhas menores, mas não deve ter o direito de sair para trabalhar, já que ela deve ser "segregada" do "convívio social pelo risco que traz".

A juíza Tatiana Saes Valverde Ormeleze, da comarca de Mogi das Cruzes, do TJ-SP (Tribunal Justiça de São Paulo), concordou. Ela alegou que o regime domiciliar foi concedido, excepcionalmente, "presumindo-se a indispensabilidade dos cuidados maternos para o filho menor de 12 anos". A magistrada ainda afirmou que "o descumprimento das condições impostas" podem resultar em "nova prisão processual".

A defesa não desistiu e, em agosto, foi até o STJ (Superior Tribunal de Justiça) para recorrer da decisão. A ministra Laurita Vaz, relatora do caso, afirmou que a decisão sobre o caso de Zaira cabe à juíza do TJ-SP.

'Só quero cuidar das minhas filhas'. Mãe de cinco pessoas, Zaira mora com três filhas: a mais velha, de 26 anos, e as caçulas, das quais tem medo de ficar longe. Ela também tem dois filhos, de 19 e 28, que não moram mais com ela.

cartas - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Cartas enviadas à Zaira pelas filhas durante a prisão
Imagem: Arquivo pessoal

Minha vida virou do avesso. Eu só quero recomeçar a minha vida
Zaira Freitas dos Santos

Por que Zaira foi condenada? Era agosto de 2012 quando Zaira abriu o primeiro boletim de ocorrências contra o pai de suas filhas caçulas. Na ocasião, ela compareceu ao 6º Distrito Policial de Santo André, na Grande São Paulo, e narrou que foi agredida pelo ex-marido.

A agressão aconteceu depois que ela descobriu o envolvimento do então companheiro com o tráfico. Zaira o questionou sobre uma quantia de droga e dinheiro que ela encontrou no guarda-roupa quando foi procurar um inalador. O caso foi registrado como ameaça, lesão corporal e violência doméstica.

No dia seguinte, ela voltou à delegacia e informou que foi ameaçada de morte pelo ex-marido, e fez novo boletim. Mas Zaira afirma que nunca recebeu proteção do Estado e precisou continuar ao lado do pai de suas filhas. Já não era mais por amor, como antes, mas por medo. "Eu vivi um relacionamento muito abusivo", reconheceu a mulher, em entrevista ao UOL Notícias.

Procurada, a Polícia Civil de Santo André reconheceu que as ocorrências foram registradas. "A vítima foi orientada quanto ao prazo para oferecer representação criminal contra o autor, por se tratar de crimes de ação penal condicionada, o que não foi feito na época".

A vendedora afirma que, até aquele momento, o ex nunca tinha trazido "nada para casa".

Ele nunca me colocou no meio disso, mas eu sempre vivi com medo. Com medo porque ele era muito agressivo. Ele não me deixava em paz. Tentei mudar, não ter contato, mas ele sempre me achava e as ameaças voltavam. Eu não tinha escolha e, hoje, eu sofro as consequências
Zaira Freitas dos Santos

Quando a polícia invadiu sua casa para prendê-la, em fevereiro de 2018, Zaira e o pai de suas caçulas não estavam mais juntos. Na casa, foram encontradas drogas e um caderno de anotações. Com medo de perder a guarda das filhas, ela fugiu.

Em maio de 2022, ela decidiu se entregar, quando os policiais voltaram a procurá-la. "Nunca imaginei passar por uma situação assim. Eu sabia que tinha algo com a Justiça, mas eu sou mãe, entrei em pânico de ficar sem minhas filhas".

'Sempre tive meu sustento honestamente', afirma Zaira, com firmeza na voz. "Eu trabalho como vendedora, de brinquedos, roupas, pela internet. Mas nada ilegal". Hoje, com a prisão domiciliar, é o atual namorado que realiza as entregas para os clientes.

Quero sair pra trabalhar, pra trazer o sustento pra dentro da minha casa, continuar com as minhas vendas, que caíram muito
Zaira Freitas dos Santos

Atualmente, ela não tem contato com o ex-marido, que está preso pelo mesmo crime que ela foi condenada. "Eu não sei nada dele, não tenho contato nem com os familiares".

Durante os anos que se relacionaram, Zaira afirma que se afastou da família. "Como eu vivi dez anos assim? Eu não tive contato com a minha mãe, que só conheceu as meninas quando estavam grandes", contou.

"Meu medo é constante de sendo ameaçada, de sendo mulher, com medo que acontecesse alguma coisa com a minha família, até mesmo com os meus outros filhos".