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Juiz vê 'erro terrível' em caso de inocente morto antes de sair da prisão

Briner Bitencourt, 22, era apaixonado por motocicletas e publicava vídeos divertidos no Instagram - Reprodução/Instagram
Briner Bitencourt, 22, era apaixonado por motocicletas e publicava vídeos divertidos no Instagram Imagem: Reprodução/Instagram

Colaboração para o UOL

17/10/2022 13h42

O Tribunal de Justiça do Tocantins assumiu ter havido erro no processo que levou Briner de César Bitencourt, 22, à cadeia. Apesar de alegar inocência, ele foi preso durante uma batida policial em outubro de 2021, quando agentes encontraram pés de maconha no imóvel onde o motoboy alugava um quarto, em Palmas. Ele morreu no dia em que receberia o alvará de soltura.

Briner passou um ano preso preventivamente, tentando provar sua inocência, e foi absolvido. Porém, devido a um atraso do Judiciário, o alvará só chegou depois de sua morte, apontada como tendo sido causada por uma "infecção" adquirida na cadeia. Ouvida pelo "Fantástico", da TV Globo, a família diz que não sabia que Briner havia adoecido.

"Mataram o meu filho lá dentro. O sistema penitenciário matou o meu filho", afirmou a mãe do jovem, Élida Pereira. "Cabia aos responsáveis cuidar da saúde dele. Cuidar da integridade física dele. Não entregrar um corpo para a família", declarou a advogada Lívia Machado, que durante um ano lutou para provar a inocência de Briner.

"Houve falha. Houve um erro terrível e isso é incompatível com a mais elementar ideia de justiça. A expectativa é que o estado tocantinense, como um todo, assuma isso perante a família", disse o juiz auxiliar do Tribunal de Justiça do Tocantins, Océlio Nobre da Silva, ao programa.

Ele disse que houve atraso na expedição do alvará de soltura e que, após absolvição, o preso deve ser liberado em até 24 horas, como manda a lei. "O atraso na expedição do alvará de soltura é objeto de investigação de uma sindicância que o Poder Judiciário determinou que fosse instaurada", disse o juiz

Em entrevista ao programa Encontro com Patrícia Poeta, da TV Globo, a irmã do jovem disse que a família não sabia que ele estava doente. "Receber a notícia de que ele veio a falecer foi muito duro, foi meio inacreditável. Em nenhum momento nós ficamos sabendo da situação que meu irmão estava passando, nós não soubemos que meu irmão tinha saído do presídio para ser levado para a UPA, não sabíamos o quão grave ele estava".

Conhecido na cidade, o motoboy ainda era um influencer com mais de 24 mil seguidores no Instagram. Em seus vídeos, ele fazia piadas bem humoradas sobre a vida de motoboy, elaborava esquetes de humor sobre o dia a dia das periferias e demonstrava o seu domínio sobre o meio de transporte e ganha-pão: a motocicleta.

Outros dois rapazes que moravam no imóvel foram presos também. Em depoimentos prestados na delegacia, que foram registrados em vídeo, o motoboy nega envolvimento com o tráfico de drogas, enquanto outro preso assume a culpa.

"Nós dividimos em três o aluguel. Eu morava na frente. Só entrava na casa para usar o banheiro, fazer uma comida. Mas eu não sabia nem da droga, nem de nada, não", diz Briner em um dos vídeos obtidos pelo "Fantástico".

Dores abdominais e embolia séptica

Cerca de 15 dias antes de morrer, o motoboy passou a sentir dores abdominais, enjoos e incômodo na região anal. Segundo a Seciju (Secretaria de Estado da Cidadania e Justiça), responsável pelos presídios e detentos do Tocantins, o quadro de saúde piorou na noite de domingo (9) para segunda-feira (10), quando ele foi levado para uma UPA da capital, mas não resistiu.

O IML de Palmas ainda não concluiu o laudo final sobre a morte de Briner, mas o diretor-geral do órgão, Eduardo Godinho, disse ao "Fantástico" que a causa da morte dele foi embolia séptica. "Ele teve uma infecção generalizada que evoluiu para embolia séptica. O coração dele não conseguiu fazer o bombeamento adequado para os órgãos dele, e ele acabou vindo a óbito".

O corpo de Briner foi enterrado na quarta-feira (12), em Palmas. Amigos e familiares fizeram um protesto após o sepultamento para exigir respostas das autoridades sobre a prisão e a morte do motoboy.

Posicionamento

Procurada pelo UOL, a Seciju (Secretaria da Cidadania e Justiça) do Tocantins lamentou o falecimento de Briner informou, em nota, que todos os procedimentos relativos aos cuidados com a saúde do custodiado foram tomados pela equipe da Unidade Penal Regional de Palmas, inclusive com encaminhamento dele para a UPA (Unidade de Pronto Atendimento) de Palmas nos dias 6 e 9 de outubro, de onde ele voltou após ser submetido a consultas e sem qualquer recomendação de internação, que ensejaria a comunicação à família de Briner.

"No dia anterior ao seu falecimento, 9 de outubro, o custodiado manifestou mal-estar durante a noite, sendo avaliado pela equipe de saúde plantonista que verificou a necessidade de um atendimento de socorro especializado. Com isso, a equipe emitiu chamado ao Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu), que o avaliou e medicou, deixando-o sob observação ainda na Unidade, sem determinação de encaminhamento para a UPA", declara a Secretaria.

Ainda segundo a nota, o jovem voltou a passar mal por volta das 22h, sendo acionado novamente o Samu para levá-lo à UPA Sul. "O mesmo permaneceu sob cuidados e intervenções da equipe de saúde do Pronto Socorro Sul, evoluindo posteriormente a complicações do quadro e indo a óbito por volta das 04h30 da manhã de segunda-feira, 10".

A Secretaria destaca ainda que está prestando todo apoio à família e os esclarecimentos pertinentes à Justiça para o total esclarecimento do ocorrido, inclusive as imagens das câmeras de segurança da unidade prisional.

Ainda de acordo com a Seciju, foi instaurado uma sindicância para apurar os fatos. "Quanto à liberação do custodiado, ressalta que a Central de Alvarás de Soltura da Polícia Penal do Tocantins recebeu o alvará na segunda-feira (10) quando foi inserido no Processo Judicial Eletrônico (E-proc), às 15h40. Diante disso, a equipe de analistas da Central identificou o óbito, conforme informações no Sistema, e emitiu Certidão informando a situação ao Poder Judiciário".

Em contato com o UOL, a Secretaria da Segurança Pública do Tocantins esclareceu em nota que o laudo necroscópico preliminar aponta que a causa da morte de Briner seria uma embolia séptica, "Porém novos exames (anatomopatológico, hemograma e urinálise) estão sendo realizados para confirmar essa hipótese, bem como a origem da mesma. Mais informações serão passadas em momento oportuno", declarou o órgão.

Procurado, o Tribunal de Justiça do Tocantins (TJTO) informou que os erros a que se refere o juiz auxiliar da Presidência, Océlio Nobre, são a demora na expedição do alvará de soltura e o fato de o Estado se omitir no dever de proteger a saúde e a vida do custodiado.

A Semus (Secretaria Municipal da Saúde) de Palmas informou, em nota, que todos os fluxos estabelecidos "têm o objetivo de garantir o acesso aos usuários sem nenhuma distinção, garantindo, dessa forma, o princípio da equidade".

Os usuários são atendidos nos serviços, que são de porta aberta (Unidades de Pronto Atendimento-UPAs e Centro de Assistência Psicossocial-CAPS), conforme classificação de risco, "não sendo, portanto, de nenhuma forma cerceado o direito de acesso das pessoas privadas de liberdade".

A Semus esclarece, ainda que, com o objetivo de ampliar o acesso, o Plano Nacional de Saúde no Sistema Penitenciário prevê que os serviços de saúde no sistema prisional devem estar inseridos na Rede de Atenção à Saúde do Sistema Único de Saúde (SUS).

"Quanto ao paciente em questão, a Semus informa que cópia do prontuário foi entregue à família, conforme estabelece a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) - Lei Nº 13.709, de 14 de agosto de 2018. A Secretaria informa que o paciente recebeu o atendimento em conformidade com os protocolos estabelecidos", disse o órgão.