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Pornô, motel, assédio na cama: netas de Flordelis acusam pastor em júri

Do UOL, em Niterói (RJ)

11/11/2022 21h48

Últimas testemunhas a serem ouvidas no julgamento da pastora e ex-deputada federal Flordelis, duas netas biológicas dela relataram um longo histórico de abusos sexuais e castigos físicos cometidos pelo pastor Anderson do Carmo, assassinado em 2019.

Lorrane Dos Santos Oliveira e Rafaela Dos Santos Oliveira são filhas de Simone dos Santos Rodrigues, filha biológica de Flordelis, e de André Luiz de Oliveira, filho afetivo da pastora e ex-deputada federal. Nenhuma das duas havia relatado os abusos sexuais em outros depoimentos a órgãos públicos anteriormente.

Última a depor, Rafaela detalhou um episódio de abuso que diz ter sofrido em 2018. Ela conta que Anderson sentou em sua cama durante uma noite enquanto ela dormia e começou a acariciar sua perna.

Inicialmente, ela afirma ter pensado que era sua mão, mas a mão começou a subir pelo seu corpo, chegando até sua vagina. Segundo seu relato, o pastor só parou porque a cama fez muito barulho quando ela se mexeu, acordando Simone, que confrontou Anderson.

"Senti um carinho na perna. O carinho ia subindo, subindo, subindo. Sempre fui meio moleque, de dormir com roupa bem larga. Foi subindo pela minha coxa, eu fiquei de olho fechado com muito medo. Aí eu abri o olho, lembro exatamente a roupa que ele estava. Era uma camiseta branca que ele usava", contou ela, ofegante.

"Ele tirou a minha calcinha de lado. Conseguiu introduzir o dedo em mim. Aí eu me virei de lado e fez um barulho bem alto para a cama. Eu não me mexi, virei de lado e fingi que estava dormindo".

"Minha mãe começou a falar: 'O que você fez? O que você fez?'. Escutei minha mãe dar um tapa no peito dele", completou.

Rafaela conta que sua mãe questionou em diversos momentos o que Anderson havia feito, mas, por vergonha, ela evitou contar.

Já Lorrane diz ter vivido duas tentativas de assédio por parte do pastor, além de ter ficado sabendo do episódio envolvendo Rafaela, sua irmã biológica, e de dois outros com mulheres da casa.

O MP leu um termo de declaração prestado por Lorrane ao Conselho Tutelar de Niterói em que ela afirma que a "mídia estava mentindo" ao noticiar supostos abusos sexuais cometidos por Anderson contra integrantes da família.

Ida a motel e pornô. Segundo Lorrane, sua mãe sempre a alertara para que não ficasse sozinha na companhia de Anderson do Carmo —relato semelhante ao feito pela irmã.

Em um deles, conta que estava indo de carro para a igreja com Anderson em um domingo por volta da hora do almoço. Ao passarem em frente a uma padaria em São Gonçalo, onde o pastor costumava comprar empadas, diz que ele perguntou se ela estava com fome, e ela fez que sim. Mas estranhou que ele seguiu o percurso ao invés de parar no local.

"Quando chegou em Maria Paula [bairro no limite entre Niterói e São Gonçalo], tem um motel. Ele deu seta para entrar no motel. Aí eu falei: 'A gente vai almoçar aqui?'. Aí ele falou que ali tinha uma comida maravilhosa. Eu falei: 'Mas aqui não é restaurante, é motel'. E disse que ia ligar pra minha mãe se ele entrasse, aí ele foi direto para a igreja", ressaltou.

Em outra oportunidade, disse que Anderson começou a se masturbar e ver um filme pornográfico enquanto ela tomava banho no banheiro da suíte do quarto do pastor e de Flordelis, que não estava presente. Segundo ela, havia faltado água e o local era o único em que ainda possível tomar banho.

"Acabou a água e eu pedi para tomar banho lá [no banheiro da suíte]. Eu tranquei a porta, tomei banho. Aí quando eu saí ele estava vendo filme pornô e se masturbando. Eu fui para o meu quarto. Uns dez minutos depois, ele foi lá e começou a puxar assunto. Estava sentada na cama e ele sentou do meu lado. Aí eu comecei a fugir pelo quarto e ele me seguia", disse Lorrane.

Ela disse ter ficado sabendo que duas outras mulheres da família também tinham sido assediadas por Anderson, além da irmã e da mãe. Além disso, disse que era comum ele dar tapas nas nádegas e abraçar as mulheres por trás.

Também afirmou que o pastor era agressivo e adotava castigos que se transformavam em maus tratos.

"Ele tinha a mania de afogar as meninas [na piscina]. E nessa brincadeira de afogar, desamarrava a parte de baixo, a parte de cima do biquini. E a gente tinha medo de ficar porque ele era muito violento. Quando ele queria punir alguém, era na piscina", lembrou.

"A gente apanhava de cinto, sandália, ficava no quarto de castigo. Ia na igreja por obrigação e sentava na primeira fileira, não podia nem ir no banheiro. E contava quantas glórias a gente dava, se levantou a mão cinco vezes, seis vezes. Ficávamos no quarto trancadas por alguns dias. E, do lado do quarto, tinha um cadeado. E a gente não podia nem sair para comer. Na hora do almoço, o pastor Carlos [Ubiraci, filho afetivo de Flordelis] vinha com os pratos, botava no chão e trancava a porta."

Questionamento do MP. Além de apresentar a declaração em que negava haver abusos na casa, o MP também colocou Rayane contra a parede ao questioná-la sobre o suposto descarte dos celulares de vários integrantes da família, entre eles Flordelis.

Em depoimento, um motoboy contou ter levado a neta da pastora até a praia de Piratininga, na Região Oceânica de Niterói, após o crime. Ele disse que ela pediu para ele esperar, pois não demoraria mais que cinco minutos, e em seguida correu até uma área de pedras.

O MP afirma que foi no local que ela teria dado fim aos aparelhos, mas Rayane negou. Disse que foi à praia porque começou a ter crises de pânico e ansiedade durante uma das buscas feitas pela Polícia Civil na casa da família. A decisão de ir com um mototáxi, segundo ela, ocorreu porque o carro da família estava sem combustível e teve uma pane seca quando ela tentou usá-lo.

"Fiquei lá de 10 a 15 minutos. Fui porque fiquei muito nervosa. A ida da polícia lá me deixou muito nervosa, questão de ansiedade, pânico. Chutei areia, gritei muito, estraguei meu tênis nesse dia. Fiquei lá entre dez e 15 minutos e, depois, voltei para casa", alegou.

Próximos passos. Com o fim dos depoimentos de testemunhas, o julgamento será retomado amanhã (12), às 10h, com o depoimento dos réus. Em seguida, acusação e defesa farão suas sustentações orais.

Além de Flordelis, Simone e André, são réus no processo Marzy Teixeira da Silva, filha afetiva da pastora, e Rayane dos Santos Oliveira, neta de Flordelis.

A ex-deputada é ré por homicídio triplamente qualificado, tentativa de homicídio, associação criminosa, uso de documento falso e falsidade ideológica. Marzy, Simone e André Luiz responderão por homicídio triplamente qualificado, tentativa de homicídio e associação criminosa armada; e Rayane, por homicídio triplamente qualificado e associação criminosa armada.

O que está em julgamento?

Começou na segunda (7) o julgamento de Flordelis pela acusação de ter arquitetado o assassinato de seu marido Anderson do Carmo, morto em 16 de junho de 2019, em Niterói, na região metropolitana do Rio de Janeiro. Outras quatro pessoas acusadas de envolvimento no crime também são julgadas. Ela terá seu destino decidido por um júri popular.

Além de Flordelis, são julgados sua filha biológica Simone dos Santos Rodrigues; a neta Rayane dos Santos Oliveira; e os filhos afetivos André Luiz de Oliveira e Marzy Teixeira da Silva.

O pastor Anderson do Carmo foi assassinado com dezenas de tiros quando descia do carro, no quintal de casa, no bairro de Pendotiba, em Niterói. Flordelis tinha entrado em casa momentos antes.

A ex-deputada --cassada em razão do envolvimento no caso-- é ré por homicídio triplamente qualificado, tentativa de homicídio, associação criminosa, uso de documento falso e falsidade ideológica.

Já Marzy, Simone e André Luiz responderão por homicídio triplamente qualificado, tentativa de homicídio e associação criminosa armada; e Rayane, por homicídio triplamente qualificado e associação criminosa armada.

Cassação e prisão. Flordelis está presa desde 13 de agosto de 2021. Dois dias antes, Flordelis havia perdido o foro privilegiado ao ter o mandato de deputada federal cassado por 437 favoráveis, 7 contrários e 12 abstenções.

O que diz Flordelis? Durante todo o processo, Flordelis negou ter qualquer ligação com a morte do marido. Em live realizada por ela horas antes de ser presa, a pastora e ex-deputada reafirmou sua inocência: "Caso eu saia daqui hoje, saio de cabeça erguida porque sei que sou inocente. Todos saberão que sou inocente, a minha inocência será provada e vou continuar lutando para garantir a minha liberdade, a liberdade dos meus filhos e da minha família, que está sendo injustiçada".

Os demais acusados também dizem que são inocentes.