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SP lança edital para sistema de câmeras que identifica cor e 'vadiagem'

Reconhecimento facial - iStock
Reconhecimento facial Imagem: iStock

Do UOL, em São Paulo

28/11/2022 14h54Atualizada em 11/12/2022 10h54

A Prefeitura de São Paulo lançou um edital para contratar um sistema de monitoramento que identifica pessoas suspeitas a partir de algumas características como cor de pele. A iniciativa quer instalar 20 mil câmeras até 2024 com investimento de cerca de R$ 70 milhões por ano.

O Smart Sampa prevê o uso da tecnologia de reconhecimento facial, que é "altamente imprecisa" no contexto da segurança pública, explicou o pesquisador Tarcízio Silva ao UOL, que estuda o tema há seis anos.

No caso do reconhecimento facial no espaço público, não há lugar para o recurso em sociedades democráticas, antidiscriminatórias e livres.
Pesquisador Tarcízio Silva, autor do livro "Racismo Algorítmico: Inteligência Artificial e Redes Digitais"

Um trecho do edital do Smart Sampa diz que as câmeras devem embarcar analíticos que permitam o rastreio de "uma pessoa suspeita, monitorando todos os movimentos e atividades".

O texto continua: "A pesquisa deve ser feita por diferentes tipos de características como cor, face e outras características".

Outro ponto do edital é que o monitoramento deve apontar situações de "vadiagem" e "tempo de permanência", que pode ser considerado um comportamento suspeito.

A vadiagem está prevista na Lei de Contravenções Penais, que prevê prisão de 15 dias a três meses a quem se entregar "habitualmente à ociosidade, sendo válido para o trabalho, sem ter renda que lhe assegure meios bastantes de subsistência, ou prover a própria subsistência mediante ocupação ilícita".

Um projeto de lei quer revogar o trecho. "A pretensão punitiva da vadiagem configura, senão um deboche, uma dupla punição a milhares de brasileiras e brasileiros vitimados pelo desemprego, pela fome e pelo descaso do estado", afirmam os autores da proposta, os deputados do PSOL Glauber Braga (RJ), Talíria Petrone (RJ), Fernanda Melchionna (RS) e Áurea Carolina (MG).

Ao UOL, a Secretaria Municipal de Segurança Urbana da Prefeitura de SP afirmou que a nova plataforma possibilita um monitoramento mais inteligente da cidade, além de aumentar a segurança em locais como escolas e UBSs (leia a íntegra abaixo).

Câmara faz audiência para debater riscos do Smart Sampa. Em 3 de novembro, uma audiência na Câmara Municipal de São Paulo debateu a instalação do sistema Smart Sampa. Na ocasião, o pesquisador Luan Cruz, do Programa de Telecomunicações de Direitos Digitais do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor), ressaltou que o projeto ignora falhas já conhecidas da tecnologia de reconhecimento facial.

As câmeras não reconhecem e não funcionam 100%. Ela pode reconhecer erroneamente uma pessoa, justamente as pessoas negras e mulheres negras, que são as que sofrem mais erro de reconhecimento.
Pesquisador Luan Cruz, segundo o Portal da Câmara Municipal de São Paulo

No texto de apresentação do Smart Sampa, a Prefeitura de São Paulo diz que o sistema "busca a modernização e ampliação no monitoramento de câmeras na capital".

Contrário à proposta, o vereador Celso Giannazi (PSOL) classificou o Smart Sampa como um "projeto muito perigoso" e que pode aprofundar a desigualdade social. "Todos nós queremos segurança, queremos uma cidade melhor, mas não a troco do cerceamento da liberdade das pessoas, do direito de imagem das pessoas".

Após a audiência, os membros da Comissão Extraordinária de Direitos Humanos e Cidadania da Câmara se comprometeram a elaborar um requerimento solicitando à Prefeitura de SP informações sobre o andamento da implementação da plataforma, de estudos ou outras ações de monitoramento por câmeras e reconhecimento facial.

Leia a nota completa da Secretaria Municipal de Segurança Urbana:

"A Secretaria Municipal de Segurança Urbana (SMSU) informa que a nova plataforma de vídeo monitoramento, Smart Sampa, está sendo desenvolvida para modernizar e ampliar o sistema de câmeras de São Paulo, aplicando o conceito de Cidades Inteligentes, com previsão de integrar mais de 20 mil equipamentos até 2024. O projeto tem o objetivo de aumentar a sensação de segurança da população, prevenir as ações criminosas, com a presença das câmeras nas ruas e equipamentos públicos, e dar mais agilidade no atendimento às ocorrências, possibilitando a pronta resposta às demandas.

O novo sistema possibilitará um monitoramento mais inteligente e especializado, graças ao uso de analíticos e a integração com diversos serviços municipais, como CET, SAMU, Defesa Civil e GCM, em uma única plataforma por meio da criação de uma moderna Central de Monitoramento Integrada, com um sistema de despacho avançado que conseguirá acionar os múltiplos órgãos simultaneamente, priorizando aquele que estiver mais próximo do local das ocorrências, garantindo assistência com maior agilidade.

Além disso, com as novas câmeras, os órgãos de segurança terão como monitorar escolas, UBSs e demais equipamentos públicos, aumentando significativamente a segurança nesses locais.

  • Reconhecimento facial e Identificação Pessoal

O reconhecimento facial permitirá a busca por pessoas desaparecidas, crianças perdidas em grandes eventos e objetos perdidos. Esse sistema também auxiliará o Poder Judiciário e demais órgãos de segurança na busca por foragidos da Justiça.

O recurso de identificação pessoal de criminosos vai considerar os dados já existentes nos registros e documentos oficiais, assim como as informações armazenadas nos bancos de dados dos órgãos de segurança do governo Estadual e Federal.

Nos casos de identificação de indivíduos procurados pela Justiça, após análise criteriosa das informações, os agentes vão encaminhar, quando for o caso, as ocorrências às autoridades competentes, como a Polícia Militar e Civil, que irão seguir com as devidas providências.

  • Análise de Comportamento e Permanência

A nova plataforma prevê o acompanhamento e análise de movimentações, com o objetivo de identificar ocorrências que necessitam de assistência imediata como, por exemplo, em casos de acidentes, mal súbito em vias públicas ou situações em que uma pessoa está caída durante muito tempo em um local, desta forma será possível acionar socorro médico com mais rapidez.

Com o intuito de prevenir ações criminosas, a plataforma poderá emitir alertas para a análise dos técnicos da Central de Monitoramento, avaliando a necessidade de intervenção, como em casos de permanência suspeita de um indivíduo em um mesmo local sem motivo aparente, por um longo período de tempo, por exemplo, quando criminosos ficam parados próximos a bancos, escolas, residências e outros locais, aguardando a oportunidade para surpreender a vítima ou invadir um estabelecimento comercial, residência ou condomínio, para a prática de um delito, sendo avaliado a real necessidade de intervenção.

Também será possível identificar movimentos que indiquem casos de arrastões, assaltos e depredações de veículos em semáforos, furtos e roubos de fios, além da ação de grupos criminosos em diversas regiões da cidade, como as gangues que atuam no Centro da Capital.

  • Validação dos Alertas de Ocorrências

Diferente de outras iniciativas ao redor do mundo, que são criticadas por possuírem apenas um processo de disparo automático de notificações sem procedimento de análise prévia, o Smart Sampa terá um avançado protocolo de validação dos alertas e verificação de eficácia do analítico, que será obrigatoriamente analisado por um agente devidamente capacitado, a fim de averiguar as circunstâncias de cada caso, antes que qualquer medida seja tomada. Nesse sentido, além de mitigar injustiças, o novo modelo promoverá melhorias do serviço, corrigindo eventuais problemas de qualquer natureza, trazendo maior qualidade e precisão na tomada de decisões dos agentes.

  • Monitoramento de ocorrências nas Redes Sociais

A nova plataforma permitirá o monitoramento das mídias sociais com o objetivo de criar um canal de comunicação com a população, acompanhando marcadores em postagens públicas, hashtags, menções de órgãos públicos e comentários em postagens nos canais oficiais dos serviços municipais, a fim de identificar e acompanhar as demandas dos munícipes por serviços municipais, como buracos nas vias, alagamentos, congestionamento no trânsito, limpeza urbana, iluminação pública, sistema de sinalização e demais situações que exijam a intervenção do poder público. A medida visa ampliar o que já estava previsto no programa SP+Segura, aplicativo da Prefeitura que conta com a participação dos munícipes no registro de ocorrências na cidade.

  • Conselho de Gestão e Transparência

O Smart Sampa contará com um Conselho de Gestão e Transparência, que irá deliberar sobre questões que envolvem o dinamismo da plataforma, a liberação de acesso, atualização de sistema, entre outros. O Conselho será integrado por diversos órgãos, com o objetivo de garantir mais transparência e promover melhorias no serviço prestado à população por meio da plataforma.

Todos as informações sobre os impactos gerados pelo novo sistema serão disponibilizadas através de relatórios no Portal da Transparência, levando em conta a preservação e anonimização dos dados.

  • Segurança e privacidade dos dados

O Smart Sampa seguirá a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), utilizando as informações apenas para os fins de segurança pública, de forma sigilosa e confidencial. A nova plataforma contará com um avançado sistema de proteção de dados e controle de acesso, preservando todas as informações armazenadas. Os dados serão compartilhados com o Poder Judiciário e demais órgãos públicos, quando solicitados oficialmente. As informações armazenadas que não forem requisitadas durante o período máximo de 30 dias serão automaticamente eliminadas do sistema."