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PM acusado de matar MC Primo há mais de dez anos é preso em Praia Grande

MC Primo foi morto no litoral de São Paulo em abril de 2012 - Arquivo pessoal
MC Primo foi morto no litoral de São Paulo em abril de 2012 Imagem: Arquivo pessoal

Do UOL, em São Paulo

16/12/2022 15h20

O policial militar Anderson de Oliveira Freitas, 39, acusado pelo MP (Ministério Público) de ter assassinado a tiros o funkeiro MC Primo, em abril de 2012, foi preso no sábado (17). Ele foi levado para a Cadeia Pública de Praia Grande, mesma cidade onde foi detido.

De acordo com o juiz Alexandre Torres de Aguiar, da 1ª Vara Criminal de São Vicente, que expediu o mandado na sexta (16), a prisão do PM se faz necessária "a julgar pela conduta adotada por Anderson no passado" e para "garantir que o processo siga seu andamento normal, sem que possa ele tentar influenciar o ânimo das testemunhas e a produção das demais provas durante a fase de instrução do feito".

Freitas já esteve detido, no presídio militar Romão Gomes, entre 3 de maio de 2012 e 29 de junho de 2012, sob suspeita de ter participado do homicídio de MC Primo. À época, ele foi reconhecido por uma testemunha que afirmou em juízo que viu o PM cumprimentando a vítima horas antes do crime. O policial negou, afirmando estar jogando videogame no momento do assassinato.

Durante todos esses anos, Freitas, sob suspeita de ter participado de um homicídio, mas sem provas, permaneceu armado a serviço da Polícia Militar paulista. À época do crime, ele estava lotado no 6º Batalhão de Santos. Atualmente, ele está na 1ª Companhia do 45º Batalhão, em Praia Grande, também no litoral paulista.

Outro lado

O advogado Émerson Tauyl, que representa o PM, explicou ao UOL, nesta segunda (19), que Freitas se apresentou espontaneamente assim que soube do mandado de prisão. A defesa entende que, por já ter passado dez anos da morte de MC Primo, Freitas poderia responder ao processo em liberdade. "Nesse período, nenhuma testemunha sofreu ameaça", defendeu.

Além disso, a defesa sustentou que ele é um policial militar sem antecedentes, com residência fixa, e se apresentou em todas as ocasiões em que foi solicitado. Tauyl já apresentou um pedido de habeas corpus. O advogado afirmou que provará que Freitas é inocente no curso do processo.

A reportagem entrou em contato com o PM logo após a denúncia contra ele ser oferecida pelo MP, mas Freitas não se manifestou sobre o assunto. Procuradas, a SSP (Secretaria da Segurança Pública) e a PM não se manifestaram sobre a prisão.

Anderson de Oliveira Freitas, PM acusado de matar MC Primo, foi preso neste sábado (17) - Reprodução - Reprodução
Anderson de Oliveira Freitas, PM acusado de matar MC Primo, foi preso neste sábado (17)
Imagem: Reprodução

Como foi o homicídio?

- O assassinato ocorreu por volta de 18h de 19 de abril de 2012, em São Vicente, no litoral paulista;

- O funkeiro morreu após ser atingido 11 vezes por disparos feitos por um homem que estava em um Fiat Uno de cor branca;

- MC Primo estava dirigindo seu carro, um VW Polo, na rua Amadeu de Queiroz, no bairro Jóquei Club, quando o Fiat Uno parou ao lado;

- Os disparos se iniciaram. Após a execução, os assassinos saíram em disparada sem levar nada.

Por que o processo demorou?

- Depois de dez anos, uma investigação feita pela Polícia Civil identificou que a arma utilizada no homicídio era de posse da Polícia Militar. E quem a portava no momento do crime era o cabo Anderson de Oliveira Freitas, conforme revelou com exclusividade o UOL;

- O Ministério Público apresentou, no dia 16 de novembro de 2022, denúncia contra o militar, pedindo prisão preventiva e que Freitas seja submetido ao Tribunal do Júri;

- Em um primeiro momento, Freitas apresentou para o confronto balístico sua arma pessoal, uma pistola Glock calibre 380, sendo descartada de início, já que a investigação sabia que a arma usada no crime era uma pistola Taurus calibre .40;

- Entre 2014 e de 2015, o delegado Ruy de Matos Pereira Filho solicitou à 1ª Vara Criminal de São Vicente o encaminhamento ao DP (Distrito Policial) de um envelope com uma peça periciada, da Seção de Armas e Objetos da Justiça, para o desenvolvimento das investigações. A Justiça não enviou;

- Entre 2017 e 2019, todo o trabalho pericial foi feito sobre a pistola 380, de uso pessoal de Freitas. Até que, em 10 de outubro de 2019, o delegado Renato Porto Pires enviou um ofício ao comando da PM paulista questionando o paradeiro da pistola .40 que estava sob posse de Freitas na data do crime;

- Em 1º de novembro de 2019, a PM respondeu ao delegado que a arma permanecia no 6º BPM/I, onde Freitas era lotado à época do assassinato. Ela foi enviada à Polícia Civil apenas em 20 de fevereiro de 2020, sendo entregue para perícia em 14 de dezembro de 2021;

- Apenas em 1º de julho de 2022, ou seja, mais de dez anos depois do assassinato, ficou pronto laudo do confronto balístico da pistola .40;

- O laudo pericial teve como resultado a "concordância entre o projétil incriminado com os padrões da arma de fogo do indiciado". Isto é, a perícia identificou que os projéteis encontrados no local do crime foram disparados pela arma da PM que estava com Freitas naquele dia.

"Verdadeira execução", dizem promotores

Com o laudo probatório em mãos, o delegado Armando Prado Lyra Neto, do 2º DP de São Vicente, pediu à Justiça a prisão preventiva de Freitas. Na sequência, os promotores Fabio Perez Fernandez e Manoel Torralbo Gimenez Júnior afirmaram, na acusação oferecida há um mês contra o PM, que "o crime é gravíssimo. Verdadeira execução realizada por grupo criminoso armado. Até o momento, apenas um dos criminosos foi identificado, tratando-se de um policial militar, o que já revela personalidade perigosa e risco à ordem pública, caso permaneça em liberdade".

Ainda de acordo com os promotores, "Anderson praticou o crime com arma da própria corporação. Justamente por ser policial e por já ter demonstrado ser pessoa perigosa e violenta, sua permanência em liberdade levará temor às principais testemunhas que, desde o início, já demonstraram justificado receio de terem suas identidades reveladas". O MP defendeu que Freitas seja julgado pelo Tribunal do Júri.

Sobre a denúncia oferecida, por meio de nota, a SSP (Secretaria da Segurança Pública) afirmou que "a Polícia Militar reforça que não compactua com desvios de conduta de seus agentes e apura com rigor todas as denúncias desta natureza. Demais questionamentos devem ser encaminhados à Justiça". Já a PM, também em nota, disse que "não se manifesta sobre ações do Ministério Público. Tampouco, sobre decisões judiciais".

Quatro funkeiros mortos na Baixada

MC Primo foi o terceiro de quatro funkeiros assassinados entre 2010 e 2012 na Baixada Santista. Além dele, foram mortos a tiros Felipe Wellington da Silva Cruz (Felipe Boladão), Eduardo Antônio Lara (Duda do Marapé) e Cristiano Carlos Martins (Careca) — as famílias dos três não têm respostas sobre motivação, autoria e dinâmica dos crimes até hoje. As histórias dos quatro músicos estão no documentário "Mortos em Abril: Quatro Assassinatos que Abalaram o Funk em SP", disponível no YouTube de MOV.doc. Os dois episódios foram produzidos por MOV, a produtora de vídeos do UOL.

Depois do assassinato de MC Primo, o coronel aposentado Levi Anastacio Felix, à época major e integrante da Corregedoria da PM, aventou uma possível participação de policiais nos crimes durante uma entrevista cedida a jornalistas: "Eles fazem muito protesto, falam de grupos de poderes constituídos, falam da polícia também. Então, vamos dizer que alguns policiais podem não ter muita simpatia pelo MC Primo".

Em 2012, ano do assassinato de MC Primo, houve no estado de São Paulo o ápice no número de chacinas registradas: foram 38 casos, com 132 mortos, de acordo com levantamento do Instituto Sou da Paz. Naquele período, bairros periféricos da capital, região metropolitana e litoral de São Paulo ficaram marcados por uma época violenta, chamada de "Era das chacinas". Naquele período, grupos de extermínio, que incluíam policiais da ativa ou da reserva, agiam em bairros periféricos matando inocentes e suspeitos de ligação com o crime.

Não há investigações que apontam ligação dos quatro funkeiros assassinados com o crime organizado.