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'Achei que fosse morrer', diz médica que teve casa invadida pela enxurrada

Maurício Businari

Colaboração para o UOL

21/02/2023 18h15

A médica Helena Bernardes, 26, viveu momentos de terror na manhã de domingo, por conta das chuvas que castigaram São Sebastião, litoral norte de São Paulo. Ela estava na casa que sua família tem na praia de Toque-Toque Grande há mais de 50 anos com o noivo, o engenheiro mecânici Lucas Dantas, 30, e um casal de amigos, quando foi derrubada e arrastada por uma enxurrada que invadiu com violência o imóvel.

O terreno onde foi construída a residência fica a uma curta distância da cachoeira de Toque-Toque, conhecido ponto turístico da região. Por conta do volume das chuvas, a queda d'água, com 25 metros de altura, transbordou e intensificou a massa de água, lama, árvores e destroços que desceram as encostas numa velocidade impressionante.

"O quarto onde a gente estava fica nos fundos da casa. Eu e meu noivo estávamos dormindo quando sentimos algumas gotas caindo do telhado. Choveu muito na madrugada e por volta das 6h da manhã acordei o Lucas [o noivo] e sugeri mudarmos de quarto. Coloquei todas as nossas coisas de volta na mala e fomos para o outro cômodo, na frente da casa, mais longe da cachoeira", contou Helena ao UOL.

A casa da família Bernardes, antes e depois da enxurrada que invadiu a residência - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
A casa da família Bernardes, antes e depois da enxurrada que invadiu a residência
Imagem: Arquivo Pessoal

Quando a médica se deitou na cama para tentar dormir mais um pouco, ela ouviu um barulho forte vindo da área externa da casa. Na hora, ela pensou que o vento poderia ter derrubado um vaso que sua falecida avó, que morava no local, mantinha na varanda.

Ela então se levantou, abriu a porta da cozinha para ver o que havia acontecido e se deparou com uma "água escura", com muita lama, passando sobre a varanda do imóvel. Ela diz que, na hora, não entendeu o que estava acontecendo, mas que o nível da água ainda era baixo e "com pouca força". Ela se certificou de que estava tudo bem com o carro do noivo, estacionado no terreno, e se dirigiu à cozinha.

"Quando eu estava lá, eu escutei um barulho forte e, quando olhei para trás, vi um galho arrebentando a janela da cozinha, espalhando vidro em cima de mim e a altura da água já estava no talo. Daí aquela água toda, com barro, galhos, bateu com toda a força em mim. Eu caí no chão e aquela massa foi me arrastando pelo corredor da casa até eu parar na frente do quarto onde o Lucas estava", lembra Helena.

"Eu achei que fosse morrer, porque a força da enxurrada era muito forte, eu não conseguia ter reação. Foi quando o Lucas ouviu meus gritos e conseguiu me puxar pelo braço e me segurar para que eu não ficasse presa contra a parede e me afogasse. A água já passava da cintura. Meus amigos já estavam acordados, em cima das camas. Eu entrei em desespero quando a TV da sala caiu com a força da água, achei que a casa ia desabar em cima da gente".

Imagens da destruição provocada pelas chuvas no terreno da família Bernardes, em Toque-Toque Grande - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Imagens da destruição provocada pelas chuvas no terreno da família Bernardes, em Toque-Toque Grande
Imagem: Arquivo Pessoal

A agonia foi ainda maior porque Helena havia trancado a porta da sala, no lado oposto ao da cachoeira, e todas as janelas da residência eram protegidas por grades. Não havia escapatória e o nível da água só aumentava. Um tio dela, hospedado em outra casa construída no terreno da família, conseguiu ouvir os gritos da médica e correu para prestar socorro.

"Ele tentou resgatar a gente, mas não conseguia abrir a porta. Ele então gritou que tínhamos que arrombar. Depois de algumas tentativas, meu noivo e um amigo enfim conseguiram. A água começou a baixar um pouco, pegamos só algumas coisas essenciais e fomos para a casa do meu tio".

Mãe providenciou resgate

A mãe de Helena, a jornalista Miriam Bernardes, disse ao UOL que estava com o coração apertado desde a madrugada de sábado, quando a chuva começou. Ela esteve na casa de Toque-Toque Grande durante a semana, para preparar a residência para a chegada da filha no final de semana.

"Consegui falar com ela no domingo, ela estava muito abalada, mas conseguimos conversar por chamada de vídeo. As pernas dela estavam muito machucadas, por conta dos galhos e dos cacos de vidro, mas estava bem. Porém, estavam isolados. Os carros foram levados pela enxurrada. Eu sabia que tinha que resgatá-la", contou Miriam. "Passo temporadas lá desde menina. Nunca vi ou ouvi falar de um fenômeno como esse do fim de semana".

Miriam entrou em contato com um primo que estava em Ilhabela e pediu ajuda. Ele saiu da ilha com direção a São Sebastião em uma Saveiro. Mas a viagem foi demorada, porque havia muitas quedas de barreira no caminho.

Helena Bernardes, no banco de trás, no momento em que conseguiu sair de Toque-Toque Grande - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Helena Bernardes, no banco de trás, no momento em que conseguiu sair de Toque-Toque Grande
Imagem: Arquivo Pessoal

"Quando enfim conseguiram chegar, tiveram que parar longe da casa, mas minha filha, os amigos e meus parentes conseguiram caminhar até a Saveiro e foram até São Sebastião. Eram oito pessoas numa Saveiro. Ontem eles conseguiram alugar um carro e depois de muitas horas de estrada, chegaram a Santos", disse a jornalista.

A casa da família ficou parcialmente destruída. A força da enxurrada derrubou uma das colunas de sustentação do telhado e estragou tudo dentro da residência.

Passado o susto, Helena aconselha as pessoas que estão enfrentando a tragédia provocada pelas chuvas que procurem, assim que possível, atendimento médico para confirmar a necessidade de algum tipo de profilaxia, devido ao risco de leptospirose, por exemplo. "Quem tiver tomado vacina antitetânica há mais de 10 anos, deve procurar a unidade básica de saúde e atualizar o calendário vacinal".