Topo

Esse conteúdo é antigo

'Vi minha casa afundar na água', diz moradora de Boiçucanga

Fabíola Perez

Do UOL, em São Paulo

22/02/2023 04h00Atualizada em 22/02/2023 10h27

A sensação de desespero ao ver os móveis, os brinquedos dos filhos e as fotos da família boiando na água da chuva que arrasou o litoral norte de São Paulo não sai da cabeça da terapeuta e instrutora de ioga Renata Coin, moradora há 15 anos de Boiçucanga, em São Sebastião (SP).

Vi minha casa afundar numa água de esgoto. Vi a casa em que moro há 12 anos ficar submersa, as coisas das crianças flutuando. Temos um hotel que nunca tinha sido alagado. Os hóspedes ficaram sem lugar para ficar e todo mundo se amontoou no escritório."
Renata Coin, terapeuta e moradora de Boiçucanga, em São Sebastião (SP)

Passados quatro dias da tragédia que deixou ao menos 48 mortos e cerca de 57 desaparecidos, Renata diz que o medo de novas chuvas e deslizamentos é constante entre os moradores da região.

Os morros estão destruídos, estamos rezando para não chover, está tudo muito sensível. É uma nova realidade, uma rotina estranha. Estamos com medo do que pode acontecer."

Hotel destruído pelas chuvas na praia de Camburi, em São Sebastião - Arquivo pessoal / Renata Coin - Arquivo pessoal / Renata Coin
Hotel destruído pelas chuvas na praia de Camburi, em São Sebastião
Imagem: Arquivo pessoal / Renata Coin

Renata afirma que ao perceber a intensidade da chuva, no sábado (18), o marido foi para Camburi para acionar as bombas de drenagem do hotel do qual são proprietários. "Ele não voltava, fiquei preocupada, mas acabou a luz, a conexão. Não conseguia pegar no sono, coloquei os pés no chão e estava cheio de água. Meu marido voltou e a água não parou de subir."

Com ajuda dos filhos de 11 e 13 anos, Renata e o marido começaram a tentar salvar as coisas. Sem luz e sem conexão, ela afirma que não conseguiu ligar imediatamente para o hotel. "Não tínhamos como saber o que estava acontecendo, meu marido começou a entrar em pânico. Mas, quando voltou o 3G a gente conseguiu falar."

Hoje, Renata diz que deixou os filhos em um local seguro e trabalha para ajudar quem precisa de transporte para os postos de saúde. "Uma hora os acessos fecham, outra hora não fecham, está um caos".

Segundo ela, o hotel que pertence a ela e ao marido terá de fechar as portas para ser reformado. Mas antes disso, nas instalações disponíveis, serão alojados funcionários que perderam as casas e pessoas que precisam de abrigo.

'Meu irmão estava em estado de choque'

A profissional autônoma Tayná Ribeiro, 27, passou mais de 48 horas sem ter notícias do irmão, Gustavo Ribeiro, 19. Ele saiu de Atibaia, no interior de São Paulo, para ir com a namorada para Maresias, uma das praias de São Sebastião, em uma casa alugada.

Quando ele chegou já nos disse que 'estava um dilúvio'. A última vez que falamos com ele foi às 2h do sábado, depois caiu totalmente o sinal."
Tayná Ribeiro

Sem notícias do irmão, Tayná afirma que se desesperou e entrou em contato com as entidades da região que dão apoio às buscas de pessoas desaparecidas. "Hoje às 7h ele conseguiu ligar para a gente e disse que voltou o sinal da operadora."

Segundo Tayná, Gustavo só teria conseguido o sinal da operadora porque caminhou até a estrada de Boiçucanga, acompanhando o fluxo de pessoas que tentavam se comunicar.

Ele está em estado de choque por não conseguir se comunicar com a gente. Ele agradeceu por estar vivo e por ter conseguido se comunicar."

Com a ameaça de novas chuvas, Tayná diz que o irmão teme haver mais destruição e desabastecimento na região. "Ele disse que as ruas estavam cheias de lama, que os comércios não estavam aceitando cartão. Havia pessoas sentadas na rua chorando porque não tinham como comprar alimentos. A sorte é que ele tinha dinheiro e conseguiu comprar pão na rua."

Gustavo voltaria para Atibaia na terça-feira, mas agora ainda não tem previsão de retorno. "Ele tem se sentido melhor ao conversar com a minha mãe, ela disse para ele não sair de lá."

'Não temos ideia de quando vamos conseguir voltar'

Da janela da pousada em que está em Boiçucanga, no litoral norte de São Paulo, a terapeuta ocupacional Madalena Chiquetto Machado, 28, pode ouvir o som dos deslizamentos de terra na cidade e afirma que, embora o espaço não tenha sido atingido, não sabe quando vai conseguir voltar para casa.

Vim passar o Carnaval, pretendíamos voltar na terça-feira. Mas agora não sabemos em que dia vamos poder voltar para São Paulo. Meu marido e eu trabalharíamos na quarta, mas já avisamos que não vamos conseguir voltar."
Madalena Chiquetto Machado, turista em Boiçucanga

Assustada com a força e a intensidade da chuva, Madalena diz que o receio dela e da família é a volta para casa e o risco de desabastecimento. "As pessoas da pousada em que estamos se organizaram coletivamente e estocaram alimentos para passar três dias."

A turista diz que, logo no início da tragédia, no sábado (18), o volume das chuvas chamou a atenção dos funcionários da pousada onde estava. "A dona falava que nunca tinha visto aquilo, eles estavam completamente desesperados. Uma funcionária disse que tinha perdido tudo, que estava sem eletricidade."

"Teve um momento em que ficamos desesperados, não sabia se ia ter deslizamento, se saímos do hotel, se saíamos de carro." Agora, Madalena diz que eles já conseguem ir ao mercado e à farmácia no centro da cidade.

Os pais do marido de Madalena, que têm mais de 60 anos, também estão na pousada e a possível longa permanência na cidade preocupa o casal. "Estamos procurando o remédio do meu sogro, isso é uma preocupação para nós."