Centro de Detenção desconfia de mulher menstruada: 'Tem um celular em você'
Uma mãe de duas meninas chegou cedo para visitar o companheiro preso no CDP (Centro de Detenção Provisória) de Mauá, no Grande ABC. Depois de passar pelo scanner e detector de metais, ela precisou tirar a roupa e o absorvente para provar que estava menstruada, mas ainda assim foi acusada de esconder um telefone na vagina.
Sob ameaça, a mulher foi encaminhada a um pronto-socorro para ser submetida a uma tomografia e a exames com um clínico geral. No fim, o médico disse: "útero estava limpo".
O relato acima foi recebido pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo. Entre 2019 e 2022, foram 36 denúncias de visitantes contra o CDP de Mauá.
O número de denúncias não reflete a realidade. Muitas mulheres se sentem desestimuladas a denunciar, para evitar eventuais problemas com a unidade prisional, o que poderia levar ao impedimento da visita e represálias."
Defensora Camila Galvão Tourinho, coordenadora do Núcleo de Situação Carcerária
Outro lado. A SAP (Secretaria da Administração Penitenciária) informa que uma "apuração está em andamento para verificar os fatos relatados". A pasta do governo de SP afirma se pautar "pelo respeito à dignidade no tratamento das pessoas presas e de seus familiares".
Esperar por até sete horas na fila e usar banheiro sujo são algumas das denúncias a que o UOL teve acesso. A história da mulher que abre a reportagem é a mais detalhada.
No hospital, "vexame foi maior"
Como de praxe, Silvana (nome fictício) teve o braço carimbado, chacoalhou os cabelos, abriu a boca, mostrou a sola do pé e levantou a camiseta antes de passar pelo detector de metais. Depois de passar pelo scanner, ela ficou aguardando a liberação para a visita. Foi o início do martírio.
Ela conta que foi levada a um banheiro, onde precisou tirar as roupas em frente a uma funcionária e mostrar o absorvente que usava, antes de passar pelo scanner pela terceira vez.
Em uma "salinha", segundo descreve, perguntaram se ela escondia algo dentro de seu corpo. Diante da negativa, um homem afirmou que as imagens "mostravam outra coisa" e ofereceu duas opções: ela seria suspensa das visitas ou teria de passar por exame.
A vítima diz que entrou em desespero. Chorando, falou: "Se quiserem eu tiro a roupa. Podem olhar tudo".
"Isso se repetiu por tanto tempo que ela já estava acreditando que tinha algo dentro dela", diz o relato. "O desespero foi aumentando" até que uma agente afirmou:
Você tem um celular dentro de você, entrega!
Trecho de denúncia
Então "um agente masculino se aproximou: 'É melhor você ir ao hospital'."
No pronto-socorro lotado, "o vexame foi ainda maior". Escoltada por policiais, "as pessoas foram olhando para ela, em suas palavras, como se fosse 'um monstro'."
Na recepção, a polícia "relatou a suspeita como se fosse verdade". Ela passou por uma tomografia e exames com um clínico geral.
"Não tem nada?", questionou a agente penitenciária. "Nenhuma doença?", perguntou "em tom de desprezo".
O clínico respondeu que "havia somente um inchaço devido ao fluxo menstrual".
De volta ao CDP, Silvana teria sido orientada a dizer ao companheiro que foi ela quem pediu para ir ao hospital.
Após a visita, a vítima não aguentou tamanha humilhação e caiu em prantos. Em nenhum momento lhe pediram desculpas.
Trecho de denúncia
Mais denúncias das visitantes contra o CDP:
- Comida vai para o lixo. Às vezes, os agentes jogam fora a comida que elas trazem. Se reclamam, são proibidas de aparecer por meses.
- "Bagunçam os pertences, servem comida estragada." Em dia de blitz, a revista é manual.
- Uma mulher foi proibida de visitar o pai de sua filha, sem que o motivo tenha sido explicado.
- Correspondências atrasam ou não são entregues aos presos e ninguém diz por quê.
A Defensoria afirma que em 14 de janeiro foi impedida de vistoriar as revistas a que as mulheres são submetidas no CDP de Mauá. "Nossa intenção era acompanhar a fila do início aos locais de revista", diz Tourinho.
Os defensores contam que vistoriaram o que foi possível e conversaram com mulheres na fila.
Há denúncia sobre a existência da sala de revista íntima. A prática é proibida desde 2014.
A realização de revista vexatória pode gerar responsabilização civil do Estado e criminal e funcional dos agentes envolvidos."
Defensora Camila Galvão Tourinho,
A coordenadora do Núcleo de Situação Carcerária cita artigo da Constituição que garante que "as visitantes não podem sofrer punição em razão da situação de prisão de seus parentes".
"As novas denúncias também serão investigadas", afirmou em nota a SAP/SP.
Uma mulher de 59 anos contou sua experiência ao UOL. Veja a seguir:
"Falam que parente de ladrão é bandido"
"Uma vez me barraram e mandaram pra salinha. Mandaram tirar a roupa porque tinha dado alguma coisa no scanner, sem me falar o quê. Tirei toda a roupa, me revistaram, não acharam nada e deixaram entrar.
No domingo (26), duas foram pra revista. Uma menina saiu chorando porque na hora de ir embora revistaram de novo.
O banheiro é sujo, sem luz, nem papel. Uma moça que visitou o filho e me deu carona contou que uma mulher foi proibida de voltar por três anos.
Quando entrou a pandemia, paramos de ir. Quando voltou, eu ia três vezes por mês, agora só vou uma porque me sinto humilhada."
Eles tratam a gente como bicho. Falam que parente de ladrão é bandido e vão tratar igual. Meu filho errou, foi preso com droga, não tiro a razão de prenderem, mas não precisa humilhar.
Mãe de um preso
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.