Condomínio de luxo trava após conflito na maior reserva indígena do país
Uma construtora de Dourados (MS), a 200 km de Campo Grande, interrompeu obras para erguer um condomínio de luxo devido a um conflito com o povo guarani-kaiowá. Nove indígenas estão presos desde 8 de abril por terem se recusado a deixar o terreno.
O que aconteceu?
Os indígenas ocuparam o local em 7 de abril e foram presos pela PM na manhã seguinte. Eles alegam que o terreno da obra, assim como outras áreas no entorno, pertence à Reserva Indígena de Dourados.
No papel, o terreno pertence a uma família que se associou à Corpal Incorporadora, responsável pela obra. A área está tomada atualmente por chácaras privadas.
Com cerca de 18 mil habitantes, a reserva de Dourados é a mais populosa do país. Lideranças guarani-kaiowá afirmam que o território original, demarcado há mais de cem anos, inclui as terras em disputa.
Com o início das obras, os indígenas procuraram o Ministério Público Federal. O MPF afirma que pediu informações à Corpal em dois ofícios, nos dias 15 e 29 de março, mas só teve resposta em 10 de abril, após a prisão dos indígenas.
A Corpal alegou que só soube do pedido do MPF em 29 de março e que decidiu paralisar as obras naquele mesmo dia. A empreiteira não informou se e quando pretende retomar o negócio.
A empresa afirma que já prestou todos os esclarecimentos solicitados pelo MPF e ressalta que possui todas as autorizações e licenças exigidas pelos órgãos responsáveis para a construção do empreendimento."
Corpal Incorporadora, em nota enviada ao UOL
Reservas de MS estão superlotadas
Mato Grosso do Sul tem a segunda maior população indígena do Brasil. Cerca de 85 mil indígenas vivem em terras que representam, somadas, 2,5% da área do estado, segundo números da Funai.
Por outro lado, 83% do território estadual é tomado por grandes fazendas de mil hectares ou mais —o equivalente a mil campos de futebol para cada fazenda. Os dados são do CAR (Cadastro Ambiental Rural).
Com reservas cada vez mais povoadas, os guarani-kaiowá passaram a ocupar áreas privadas. Os indígenas alegam que os terrenos estão dentro dos limites destinados a eles originalmente. O Cimi (Conselho Indigenista Missionário) calcula que há cerca de 10 "retomadas" —como são chamados esses espaços ocupados— em áreas vizinhas à reserva.
A reserva de Dourados tem 3.500 hectares (cerca de 3.500 campos de futebol) e sofre com superlotação. A área é inferior à da zona urbana da cidade.
Em março, a ONU cobrou do governo Lula medidas para resolver essa situação. A região sofre com conflitos entre indígenas e policiais e fazendeiros do entorno do município.
Hoje, a reserva está completamente insustentável. Você tem um contingente enorme de pessoas em pouco espaço. É uma aglutinação insana, que dificulta cada vez mais a agricultura, por exemplo
Matias Rempel, coordenador do Conselho Indigenista Missionário em MS
Novas demarcações não incluem MS
A organização Aty Guasu, que representa o povo Guarani Kaiowá, enviou uma carta à Funai, no dia 27 de março, pedindo pressa na demarcação de terras em Mato Grosso do Sul.
No documento, os indígenas relembram que a Funai e o MPF firmaram uma TAC (Termo de Ajustamento de Conduta), em 2007, que previa a identificação e a delimitação de vários territórios até 2011, mas o trabalho nunca foi concluído.
Logo no início do governo Lula, a Funai anunciou que 14 terras indígenas no Brasil estão prontas para regularização. Nenhum desses territórios, porém, está em Mato Grosso do Sul, que não será contemplado nesse primeiro lote de demarcações.
O UOL questionou a Funai sobre os motivos que impedem a demarcação das terras indígenas no estado, mas não teve resposta até a publicação desta reportagem.
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