Lixa, esmalte e amor: 'pedicures' de vaca entregam dias de glória ao gado
Os dias de glória chegaram para as mãos de vaca. E não, não estamos falando de pessoas avarentas. Os cascos dos animais agora ganham fama com vídeos que mostram a rotina de "pedicure" em bovinos e equinos.
Pode parecer brincadeira, mas o trabalho é bem sério. Casqueadores — esse é o nome oficial dos podólogos de bovinos — usam lixas e remédios que se assemelham a "esmaltes" para deixar as "mãos de vaca" tinindo.
O trabalho é contratado em geral por clientes que têm gado de exposição ou para rodeios — mas o serviço também vale para animais que estão com doenças.
Já os vídeos dos "pedicures" em atividade alcançam quem nunca pisou em uma fazenda.
O canal Porteira Aberta, um dos maiores do nicho, acumula 900 mil inscritos. Os vídeos mais assistidos têm algo comum: os títulos chamam a atenção para a situação desfavorável dos "pacientes", dominados por larvas ou infecções.
"O pior casco que pegamos até hoje, podre", avisa um deles, que tem mais de 5 milhões de visualizações.
Fernando Franco trabalha há 12 anos como casqueador. Cuida de bovinos no Sul e atende, em média, 300 animais por mês, cobrando R$ 1.500 para passar o dia inteiro à disposição de uma só fazenda.
Formado em zootecnia, ele escolheu cuidar das "mãos" de vaca mesmo sem ter alguém da família na área, apenas por gostar de animais no campo.
Entre os procedimentos preventivos feitos pelos casqueadores estão limpar e lixar os cascos e passar produtos que previnam bactérias.
Já entre os atendimentos de correção, estão o uso de ferraduras, próteses de resina e... tamancos! Esses últimos tentam evitar que partes lesionadas do casco entrem em contato com o chão, ajudando no tratamento.
Essas medidas podem ajudar a resolver problemas genéticos ou decorrentes de maus-tratos.
Também é feito tratamento contra fungos e pragas encontradas principalmente em criadouros que mantêm seus animais em ambientes abafados.
Não tinha ninguém na minha família nessa área, mas fui pegando bastante amor por isso, porque a parte de recuperação é muito satisfatória
Bom de ver
Satisfatório também é o adjetivo usado pelos inscritos em suas publicações nas redes sociais para se referir aos vídeos, principalmente aqueles que mostram a recuperação de animais em situações mais delicadas.
Quanto mais feio e 'estourado' o bicho está, mais (os inscritos) gostam de ver. As visualizações ficam muito acima, inclusive, dos vídeos com o animal já recuperado
Fernando Franco, que mantém o canal "Os Brutos do Casqueamento"
O paranaense também recebe comentários de pessoas curiosas sobre os procedimentos, principalmente sobre o que é usado durante os cuidados.
E já foi abordado por fãs que dizem acompanhar os vídeos por motivos mais "afetivos", como saudade da vida rural.
Um advogado que eu contratei para uma causa comentou que ele assiste aos vídeos à noite para relaxar, porque o fazem lembrar da infância na fazenda. As pessoas comentam muito isso, que lembram dos anos de criança acompanhando os animais
Além da beleza
Entre os principais clientes de Fernando estão bois de rodeio e gado de exposição, que têm como rotina os procedimentos estéticos.
Para o casqueador, porém, a internet ajuda os donos de bovinos a enxergar a importância dos cuidados também para os animais menos "embelezados".
"No início, (os seguidores) pensavam que era mais estético, mas com os vídeos mais pessoas começaram a ver a importância para todo animal e saber que não precisa descartá-lo com qualquer problema que surja. Todos os animais saram, tem sempre solução."
'Pedicure' é herança de família
Dono do canal "Casco Forte", Renato Miranda também é casqueador e atende principalmente em Minas Gerais. Para ele, a profissão surgiu por influência do pai, que cuidava dos cascos de equinos. Ele e o irmão optaram por cuidar de bovinos.
Antes de se dedicar à função inusitada, o profissional viveu dez anos nos Estados Unidos, trabalhando em construção. Ele voltou ao Brasil em 2012, para ficar com a família, e migrou para o mundo dos "pedicures" em 2014, após fazer um curso técnico.
Ele e o ajudante já fizeram mais de 32 mil tratamentos, em 18 mil animais — 90% dos atendimentos são curativos para animais de elite. "A gente prepara eles para exposição, venda e seleção genética. Essa manutenção é feita a cada 90 dias", diz.
Você não precisa ser médico veterinário, pode exercer a função por um curso, que não é universitário, ou aprender na prática também, ajudando outras pessoas que já trabalham com isso. Muitos casqueadores são funcionários de fazenda, mas a profissão em si ainda não é tão reconhecida
Além da falta de reconhecimento da função, os casqueadores também enfrentam dificuldades para comprar os materiais que precisam. Segundo Renato, o custo de importação dos equipamentos pode chegar a R$ 500 mil — inacessível para fazendas pequenas.
"Era um trabalho muito desvalorizado, com profissionais que trabalham muito barato. Já tive a necessidade de produzir meus próprios equipamentos. Só os que mantêm os animais imóveis custam no mínimo R$ 30 mil."
Exclusivo
Hoje, Renato cobra R$ 3 mil por uma diária e dá cursos pelo Brasil, além de vender os materiais que desenvolveu.
Entre seus serviços mais baratos estão o atendimento preventivo, que vai de R$ 30 a R$ 75, e o casqueamento em apenas um animal, que leva de 2 a 3 horas e tem valor inicial de R$ 500.
E tem muito trabalho? Renato explica que, atualmente, por estarem confinados e andando menos, os animais têm menos desgaste dos cascos. Mas outros problemas entram na equação.
Muitas vezes os ambientes em que eles estão têm pedras que cortam e um aumento de bactérias por fezes e urina concentradas. As moscas se aproveitam, depositam ovos nos cortes e eles viram larvas
Nada que um bom "pedicure" não resolva. "Os vídeos criam essa satisfação no público com a recuperação e o bem-estar dos animais. É muito gostoso ver ele imediatamente melhorar. 10, 15 minutos depois do tratamento, um animal já pisa sem mancar."
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