PM combina versão de legítima defesa em mortes na Baixada Santista, diz OAB
A Comissão de Direitos Humanos da OAB contesta a versão da Polícia Militar sobre as ações que deixaram ao menos 14 mortos na Baixada Santista, desde a última sexta (28). Para o coordenador do núcleo de direito antidiscriminatório da comissão, Flávio Roberto Campos, os PMs combinaram uma narrativa única de "legítima defesa" nos registros das ocorrências que terminaram em morte.
O que dizem os documentos
Os boletins de ocorrência registram sete supostos confrontos com a PM no Guarujá. Nos documentos, aos quais o UOL teve acesso, os policiais afirmam que todos os suspeitos morreram após reagirem às abordagens.
Nos BOs, os PMs afirmam que os suspeitos foram baleados porque apontaram arma ou dispararam na direção deles, versão contestada por moradores. As mortes ocorreram após o assassinato de um soldado da Rota na quinta (27).
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Dos 7 mortos mencionados nos BOs, 3 chegaram a disparar contra os agentes, segundo os relatos dos policiais. Os outros quatro teriam apontado a arma para os PMs ou sacado a arma da cintura. Os policiais alegam ter "revidado injusta agressão" após ficarem na mira de suspeitos.
Moradores do Guarujá questionam a versão oficial sobre as mortes. Segundo os relatos, agentes da Rota entraram encapuzados nas comunidades, invadiram casas, forjaram flagrantes e torturaram pelo menos um dos suspeitos. Eles teriam prometido matar 60 pessoas em comunidades na cidade.
Os PMs relataram que o ambulante Felipe Vieira Nunes teria atirado neles, que revidaram. Moradores contradizem os policiais e acusam os policiais de tortura seguida de assassinato.
Fábio Oliveira Ferreira, 40, segundo o BO, teria tentado sacar a arma da cintura, mas foi "neutralizado" com três tiros de fuzil e dois de pistola. Já Cleiton Barbosa Moura, 24, teria atirado antes de morrer. Rogério Andrade de Jesus, 39, teria se recusado a largar a arma e foi baleado por um tiro de fuzil em seguida.
O que diz a Comissão de Direitos Humanos da OAB
São denúncias de violações de direitos humanos, tortura e execuções. Mas os policiais envolvidos nessas ações combinam a mesma versão em todas as ocorrências com morte."
Eles relatam que um suspeito caminha na rua até que saca a arma, mas o policial é sempre mais rápido. Os moradores contestam essas versões padronizadas que colocam todas as vítimas na condição de criminosos e dizem ouvir gritos de tortura. Fica a palavra da polícia contra a palavra dos moradores."
Depois que morre um policial da Rota, aparece uma grande quantidade de ocorrências de reação policial contra pessoas que estavam caminhando na rua ou paradas em vielas perto das suas casas. São narrativas protocolares, que levantam suspeitas."
A polícia diz que está combatendo o crime organizado, mas não há uma testemunha sequer que comprove isso. O que sabemos é que estão matando as pessoas que têm antecedentes criminais. Só queremos que a polícia pare de matar."
Advogado Flávio Roberto Campos, Comissão de Direitos Humanos da OAB
O que diz o governo Tarcísio
O governo paulista nega irregularidade na operação. Em entrevista coletiva, o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) disse que pelo menos dez suspeitos "que resolveram se entregar à polícia" foram presos.
O secretário de Segurança Pública de São Paulo, Guilherme Derrite, negou os relatos de tortura nas ocorrências. Ele chamou as declarações dos moradores de "narrativas" e diz que não houve abuso das forças policiais.
A partir do momento em que a polícia é hostilizada, a partir do momento em que a autoridade policial não é respeitada, infelizmente há o confronto. A gente não deseja o confronto de jeito nenhum. Tanto é que tivemos dez prisões. Aqueles que resolveram se entregar à polícia foram presos. Não houve hostilidade. Não houve excesso. Houve uma atuação profissional."
Tarcísio de Freitas, governador de SP, sobre a operação no Guarujá