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Ilhados em cabeça d'água: 'Foram 4 horas sem mexer, agarrados e esgotados'

Maurício Businari

Colaboração para o UOL

29/02/2024 04h00

O passeio de um grupo de jovens às cachoeiras do rio Rodeio, em Chapecó (SC), quase terminou em tragédia após a formação de uma cabeça d'água no último domingo (25).

'Não deu tempo de nada'

A atendente de farmácia Letícia Teodoro, 20, contou que os amigos se reuniram no sábado, para comemorar o aniversário do namorado dela, Gustavo, e combinaram de visitar, no dia seguinte, as quedas d'água do rio Rodeio, na cidade de Chapecó. O lugar já era conhecido do grupo, que visita a região desde a infância, e tem águas tranquilas.

Os jovens estavam de moto e, a caminho do local, foram surpreendidos por uma chuva muito forte. Com todos encharcados, surgiu a dúvida se deveriam manter o passeio. Após alguns minutos de discussão, resolveram seguir os planos da noite anterior.

Letícia e Ana, com os namorados e amigos, em novembro do ano passado, no mesmo local onde quase morreram Imagem: Arquivo Pessoal

Ao chegarem ao local, a chuva já havia parado. Eles se sentaram sobre as pedras e começaram a curtir o movimento das águas do rio nas pequenas quedas d'água que se formam no trecho.

Cerca de 10 a 15 minutos depois, a amiga de Letícia, Ana, que também estava na companhia do namorado, notou algo diferente. O nível da água parecia estar subindo e a coloração tornou-se amarronzada.

Não deu tempo para nada. De repente, a gente ouviu um barulhão e a correnteza começou a ficar forte. Eu e meu namorado conseguimos nos afastar dali, com muita dificuldade. Mas a Ana [amiga], o namorado e outro amigo ficaram lá no meio, abraçados, com a enxurrada passando por eles. Eu escorreguei, quase caí num buraco, meu namorado me salvou. O tempo todo eu achava que ia morrer.
Letícia Teodoro

Após lutar por um bom tempo contra a correnteza, Letícia e Gustavo conseguiram sair do rio. Outros amigos que estavam com eles também se salvaram. O casal então correu até onde estavam as motos para pegar os celulares e pedir socorro, mas não havia sinal.

Gustavo teve a ideia de pegar várias peças de roupas que o grupo havia deixado na margem e fez uma "teresa", uma espécie de corda para jogar na direção dos três amigos, mas logo desistiu. A corda improvisada não era longa o suficiente. O jeito era sair pela estrada procurando alguém para pedir socorro.

Enquanto isso, a auxiliar administrativa Ana Beatriz Oliveira de Jesus, 20, lutava pela vida agarrada ao namorado, Alessandro, e ao amigo, Gabriel. Em entrevista ao UOL, ela contou que entrou em pânico ao escutar o estrondo e ver o nível do rio subindo. Além de nunca ter enfrentado uma situação como essa, Ana diz que não sabe nadar.

A gente só teve tempo de se aproximar e ficar ali, abraçados, um segurando o outro, enquanto a enxurrada passava por nós. Quando vi a Letícia cair, achei que ela tinha sido levada pela água e entrei em desespero. A gente rezava, chorava, pedia socorro. E não podia se mexer dali, tinha muito buraco em volta, embaixo da água. Ficamos umas três, quatro horas ali, sem se mexer, agarrados. Foi quando o frio, o cansaço e o desespero começaram a esgotar a gente.
Ana Beatriz Oliveira de Jesus

Bombeiro de férias

Letícia conta que, sem sinal de celular, a solução foi pegar a moto e sair com o namorado em busca de ajuda. No caminho, encontraram uma residência, onde uma senhora os atendeu. A filha avisou que tinha um irmão que era bombeiro.

Eu estava em casa com minha família quando recebi a ligação. Como estou de férias e faço parte da equipe de resgate veicular, sempre tenho meu equipamento comigo. Então, entrei em contato com a central de operações para saber se já tinham recebido algum chamado sobre o incidente. Como não tinham, decidi ir com uma equipe ao local.
Giovani Pereira, cabo do Corpo de Bombeiros

Chegando lá, o bombeiro Giovani encontrou Letícia e o namorado com escoriações, mas bem. Os outros três amigos ainda estavam ilhados no rio, lutando contra a correnteza forte. Como não conseguia alcançá-los, o bombeiro pegou mais equipamentos na chácara da mãe e, com os colegas, encontrou um ponto seguro para montar um sistema de resgate.

Fizemos uma linha da vida amarrada em árvores em lados opostos do rio. Ancoramos as vítimas nesse sistema e as retiramos uma por uma até a margem, evitando que fossem arrastadas pela água. Depois, elas foram resgatadas pela outra margem, sem ferimentos graves, apenas assustadas e com frio após passarem duas ou três horas na água.
Giovani Pereira, cabo do Corpo de Bombeiros

Da experiência, as jovens relatam trauma e culpa. "A gente aprendeu que, com a natureza, não se brinca porque é muito perigoso. Esse era um lugar que a gente ia sempre, nunca teria imaginado que algo assim pudesse acontecer", afirma Letícia.

Está sendo bastante difícil para mim. Qualquer barulho de chuva forte que ouço me vem na hora, na mente, o momento que a gente estava lá com aquela enxurrada forte. Sou muito grata à minha família, aos meus amigos, a Deus e aos bombeiros que conseguiram tirar a gente de lá.
Ana Beatriz Oliveira de Jesus

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