'Velocidade agressiva': duna some e canos emergem em praia de Jericoacoara
A erosão na região costeira de Jericoacoara, um dos cartões turísticos do Ceará, está se agravando aceleradamente, segundo moradores e comerciantes. Além de ter provocado o desaparecimento da Duna do Pôr do Sol, um dos ícones do turismo da região, o mar, que já não encontra barreira para entrar no continente, está "desenterrando" as tubulações de energia elétrica e esgoto que passam pela praia e que servem à vila.
Nascida e criada em Jeri, como a vila litorânea é chamada, Lucimar Marques faz parte do Conselho Comunitário e criticou o descaso como o assunto vem sendo tratado pelo Poder Público. Segundo ela, os locais vinham avisando os órgãos de turismo que a exploração excessiva da Duna do Pôr do Sol vinha acelerando a degradação.
Como resultado, uma maré mais agressiva tem se formado na área e avançado consideravelmente sobre a praia principal, expondo até mesmo tubulações de infraestrutura essencial, como as de energia e esgoto.
Apesar dos esforços locais, incluindo o uso de sacos de areia e pedras para conter a erosão, a maré continua a desafiar as barreiras improvisadas, ameaçando até mesmo as estruturas das pousadas à beira-mar.
Agora que ela está com essa velocidade agressiva, a maré está adentrando um pouco mais, chegou a afundar uma parte da praia. Alguns estabelecimentos, que se formaram por meio de invasões, já estão em risco. E a nossa preocupação é que essa maré agora pode chegar bem na porta das pousadas principais, na orla de Jeri.
Lucimar Marques, membro do Conselho Comunitário de Jericoacoara
Silmara Ambrósio da Fonseca Américo, administradora da Pousada Vila Kalango, fundada em 1999 em Jericoacoara, e atual vice-presidente do Conselho de Empresários de Jericoacoara, compartilhou suas preocupações sobre as consequências da erosão nas praias da região.
Os empresários locais, ela explica, estão pressionando as autoridades em todos os níveis, estadual, municipal e federal, pois sentem que elas estão negligenciando essa questão urgente. A praia está desaparecendo, afetando a experiência dos turistas.
Para nós, o desaparecimento da Duna do Pôr do Sol foi um momento de tristeza. Era um dos principais pontos turísticos de Jericoacoara, mas sabíamos que sua diminuição, o transporte da areia, fazia parte da ação natural do vento. No entanto, o aumento do número de pessoas subindo na duna para assistir ao pôr do sol acelerou esse processo. Nos últimos cinco anos, essa mudança foi particularmente rápida.
Silmara Ambrósio da Fonseca Américo
A preocupação com potenciais rupturas nas tubulações de esgoto é particularmente alarmante para a comunidade, dada a possibilidade de um impacto catastrófico na vila. Segundo Silmara, alguns hóspedes já reclamaram do mau cheiro vindo da praia. Mas ela não sabe dizer se a tubulação já está começando a se romper.
Em resposta a essas preocupações, especialistas da UFC (Universidade Federal do Ceará) estão conduzindo estudos para identificar soluções que possam mitigar os danos causados. A formação e desaparecimento da Duna do Pôr do Sol são eventos complexos que têm implicações significativas na dinâmica costeira da região.
A duna, que se formou há cerca de 300 anos a leste da cidade, migrou em direção ao mar ao longo de várias décadas, influenciando a topografia local e atuando como uma barreira natural contra a erosão costeira.
Segundo Alexandre Carvalho, pesquisador do Laboratório de Oceanografia Geológica do Laboratório do Mar, da UFC, o desaparecimento da duna ocorreu devido a uma série de fatores, incluindo precipitações intensas, eventos de maré alta e ondas grandes, que isolaram a duna do ambiente circundante, levando à sua rápida destruição. Além disso, a ação humana, como a subida de pessoas na duna e o tráfego de veículos, contribuiu para o processo de desaparecimento.
A ocupação desordenada da área também desempenhou um papel importante na mudança da paisagem costeira, interrompendo o fluxo natural de sedimentos e acelerando o processo de erosão. Enquanto as dunas impediam historicamente o avanço do Atlântico sobre o continente, o desenvolvimento urbano e a interferência humana alteraram esse equilíbrio.
Alexandre Carvalho, pesquisador
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O estado do Ceará também se diz interessado na mitigação do problema. Tanto que nomeou o cientista Davis Pereira de Paula, da Uece (Universidade Estadual do Ceará) como coordenador do PEA (Planejamento Espacial Ambiental), que faz parte do Plano de Contingência da Erosão Costeira do Ceará. Segundo o professor, o plano já está em fase de elaboração e será entregue em agosto.
Secretária do Meio Ambiente e Mudança do Clima do Ceará, Vilma Freire esclarece, porém, que os processos de licenciamento são feitos pela própria prefeitura municipal.
"O Estado atua coordenando as políticas públicas, promovendo estudos - por meio da Secretaria - e fiscalizando - por meio da Superintendência do Meio Ambiente. É importante ressaltar que a Vila de Jericoacoara não está situada nos limites da Área de Proteção Ambiental (APA) da Lagoa de Jijoca, Unidade de Conservação (UC) estadual", explica.
O UOL procurou a prefeitura de Jijoca de Jericoacoara, cidade onde fica a vila de Jeri, mas até o momento não houve resposta aos questionamentos.
A Cagece afirmou nesta segunda-feira, em nota, "que está tratando como prioridade a ocorrência relatada. Em janeiro de 2024, realizou em conjunto com a Prefeitura de Jijoca de Jericoacoara, uma ação imediata para proteger a rede de esgotamento sanitário da orla dos efeitos da maré alta, na praia. A medida emergencial consistiu na construção de uma barreira física nas redes e contribuiu para prevenir provisoriamente ocorrências de extravasamentos na rede."
A Enel Distribuição Ceará afirmou que "a recente exposição dos cabos na orla da Vila de Jericoacara, ocorre devido à severa maré que atinge a região e desenterra cabos e eletrodutos". A nota ainda afirma que "se trata de cabos da rede antiga e que estão desativados. Recentemente, a Prefeitura de Jericoacara aterrou os cabos e inseriu pedras para reduzir o avanço da maré. A distribuidora ressalta, ainda, que a Vila de Jericoacara tem 100% de rede subterrânea e atua somente com cabos de baixa tensão".
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