Famílias buscam refúgio no litoral do RS: 'Saí só com a roupa do corpo'
Os alagamentos em cidades da região metropolitana de Porto Alegre forçam muitas pessoas a abandonar suas casas e buscar refúgio onde conseguem. Algumas estão indo para o litoral do Rio Grande do Sul, onde não houve registro de mortos por causa no temporal.
O que aconteceu
Casal de idosos saiu de casa com água pela janela. Os aposentados Maria de Lourdes Silva, 75, e Francisco Assis da Silva, 77, moram no bairro Mathias Velho, em Canoas, uma das regiões mais atingidas na cidade. Sua casa fica perto de um hipermercado que, até domingo, servia de heliponto improvisado para helicópteros de resgate. "A água já estava na janela do primeiro andar", detalha Maria.
"Eu entrei em pânico, não consigo nem lembrar a hora que eu saí", conta. O casal foi retirado de casa na madrugada de sábado pelo filho, James Silva, 45. No dia seguinte, eles foram levados até Capão da Canoa, no litoral, onde a família tem um apartamento.
Saí só com as roupas do corpo e documentos
Maria de Lourdes Silva, aposentada, de Canoas (RS)
"Canoas está um caos", afirma James. O administrador de sistemas diz que inicialmente seus pais ficaram no andar de cima da casa, mas a água começou a avançar, e a família decidiu pela remoção. "Ali não se vê mais os telhados das casas."
O litoral registra movimento de pessoas vindas da região metropolitana de Porto Alegre. A RS-040, uma das poucas opções para deixar a cidade, registra movimento intenso. As praias mais próximas da capital ficam a cerca de uma hora.
Acesso à BR-290 (Freeway) está fechado para quem sai de Porto Alegre. Por isso, os motoristas precisam pegar a RS-118 e depois seguir pela RS-040. O Comando Rodoviário da Brigada Militar informou que não tem nenhum levantamento sobre o volume de veículos que circularam na rodovia estadual nos últimos dias, porque o foco agora é o atendimento aos afetados pelas chuvas.
Movimento ocorre após pedido do prefeito de Porto Alegre. Em coletiva de imprensa no domingo (5), Sebastião Melo solicitou que os moradores de Porto Alegre que tivessem casa do litoral deixassem a cidade.
Em Capão da Canoa, a chegada dos desabrigados é percebida pela maior circulação de pessoas na rua e nos mercados. A análise é do secretário de Comunicação da cidade, Adriano Lima. "E a gente sabe que vai aumentar mais", diz.
Mercado restringe compra de água. Um dos poucos itens com limite de unidades por cliente são os galões de água. Só é possível levar até cinco de cada. A dona de casa Camila Jacques, 32, comprou um fardo para sua "casa improvisada". Ela mora em Jaguarão, no oeste do estado, mas estava em Porto Alegre para uma consulta, na quinta-feira (2). Com os alagamentos, não conseguiu voltar para casa. "A água estava tapando a pista, mas quem ia imaginar que isso ia acontecer?", questiona.
Saída repentina de casa de parentes. Sem conseguir retornar para Jaguarão, ela permaneceu na zona norte de Porto Alegre, na casa da mãe dela, no bairro Cristo Redentor. Porém, na manhã desta segunda-feira (6), faltou água no local, e família decidiu ir para Capão da Canoa. A viagem, que costuma levar de uma hora a uma hora e meia, durou três horas por causa do movimento intenso.
Amigos cederam apartamento no litoral. Em Capão da Canoa, Camila, grávida de três meses, se reuniu com o marido, a filha de 3 anos, a mãe e o padrasto. Sem saber quando conseguirão sair dali, decidiram alugar um espaço maior. "Esperamos voltar até sexta-feira", estima.
"Não tinha onde mais ficar", diz casal que se refugiou no litoral. O professor universitário Robinson Scholz, 47, e o assistente financeiro Guilherme Santiago, 22, moram em cidades diferentes. Quando a chuvarada começou, primeiro eles se abrigaram em São Leopoldo, mas com a situação ficando cada vez mais crítica na cidade, resolveram ir para Alvorada, também na região metropolitana. Sem saída, decidiram ir para a casa de familiares no litoral. "A gente deve ficar no máximo dois dias aqui", espera Guilherme.
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Quero receberEm Capão da Canoa, farmácia tem alta procura. Em uma unidade da São João, a funcionária Raissa Bueno, 19, diz que não há mais em estoque fraldas, pasta de dente e lenço umedecido. "Só há o que tem aqui na loja."
Unidade registra maior procura de moradores de Canoas, uma das cidades mais atingidas pelas enchentes. "Aqui em Capão tem água, luz e internet, diferentemente de outras cidades. E muita gente veio pra cá. É um movimento atípico". Segundo a atendente, os clientes que procuraram o estabelecimento fazem compras para a família ou para doar para os desabrigados.
Principal avenida de Capão tem grande movimento, com engarrafamentos pontuais. A administradora Alessandra Estrada, 37, conta que nesta época do ano o movimento costuma ser fraco. "Hoje foi diferente", diz.
Parte da família está isolada. Alessandra afirma que tem avós e tios presos em Novo Hamburgo por causa das condições das estradas. "Dá uma dor no peito."
Em Torres, a cerca de uma hora de Capão da Canoa, farmácia tem movimento de "forasteiros" logo cedo. Na Preço Popular, moradores vindos de Porto Alegre já procuravam o comércio desde as 8h. A farmacêutica Janine Santos, 42 anos, estima que dez pessoas de fora procuraram o local em cerca de quatro horas. "Ainda vai vir muita gente para cá nas próximas horas."
Torres é a última praia gaúcha antes de Santa Catarina. Ali não houve fechamento de estradas vindas do restante do país.
Irmão está em viagem internacional. O irmão de Janine estava em um cruzeiro em Punta Cana, no Caribe. Ele deixou o carro no aeroporto Salgado Filho e ainda não sabia as condições do veículo —parte da região alagou, inclusive a pista de pouso e decolagens.
Há ainda pessoas que permaneceram mais tempo que o planejado no litoral por causa das condições das estradas e das cidades. A aposentada Fabíola Pilla, 65, veio de ônibus de Porto Alegre para acompanhar o festival de balonismo em Torres, no dia 1°. Com a rodoviária fechada, não conseguiu retornar. "Agora só volto se alguém for de carro ou quando a rodoviária reabrir".
Idosa mora em região que não alaga. A casa de Pilla fica no bairro Bella Vista, em Porto Alegre, onde não houve registro de alagamentos. "Mas na volta foi bem feio", diz.
Outra aposentada também decidiu ficar mais tempo na praia. Dirce Dorigon, 76, tem apartamento em Torres, mas optou por esticar o período no litoral. Ele mora em Bento Gonçalves (RS), na serra gaúcha, onde as estradas foram bastante danificadas. O filho dela estava em Porto Alegre e levou seis horas num percurso que costuma durar duas horas.
Prefeito de Torres diz que situação "está dentro da normalidade". Carlos Souza (PP) diz que as pessoas estão optando por vir ao litoral por causa dos problemas com serviços básicos em outras cidades, como falta de água e luz. "Torres ainda não sentiu o reflexo desse movimento."
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