'Enchi mochila com milho e sardinha, deixei trabalho e fui ajudar o RS'
O bombeiro civil Rodrigo Gentil, de 30 anos, não conseguia se concentrar no seu trabalho, em São Paulo: estava inquieto com a tragédia no Rio Grande do Sul. Ele, então, resolveu encher uma mochila com latas de milho e sardinha e partir para ajudar.
Eu não estava mais conseguindo focar no meu trabalho devido às notícias das enchentes no Rio Grande do Sul. Então, falei com minha esposa: 'vou para o Rio Grande do Sul'. E expliquei: 'vou encher uma mochila com latas de milho e sardinha, para comer sem ter de cozinhar e vou embora. Vou para ajudar a população'.
Rodrigo Gentil
Apoio em casa e comunicado no trabalho
A esposa, Sandra Gentil, de 33 anos, apoiou o marido na missão. Ele diz que, quando tiver netos, quer se sentir orgulhoso ao contar que, como bombeiro civil, não apenas assistiu à tragédia do Rio Grande do Sul pela TV, mas foi até lá para ajudar.
Gentil também comunicou no seu trabalho, em uma universidade, a decisão de viajar a Porto Alegre, por conta própria, assumindo as consequências —ele sabia que poderia perder o emprego por justa causa. O chefe, ao receber o comunicado, ficou em silêncio.
Disse ao meu chefe que viajaria ao Rio Grande do Sul, que não estava pedindo autorização dele, mas comunicando o motivo da minha viagem. Eu não podia ficar de braços cruzados enquanto milhares de pessoas precisavam de ajuda. Sou bombeiro civil e meu dever é ajudar quem está em situação de risco.
Rodrigo Gentil
A chegada
O paulistano enfrentou uma saga para chegar, pois o Aeroporto Internacional Salgado Filho, em Porto Alegre, está fechado. Ele pegou um voo no dia 15 de maio de São Paulo ao aeroporto regional em Caxias do Sul, a cerca de 135 km da capital. O bilhete de ida e volta, comprado por ele, custou R$ 800.
De Caxias a Porto Alegre, ele pegou um táxi por R$ 600 —o valor foi dividido com outra passageira que seguia para a mesma cidade. A viagem durou 2h30, com mau tempo e estradas precárias.
Resgate de animais
Gentil se hospedou, apenas com sua mochila, com roupas e enlatados, no apartamento de um conhecido, indicado por um amigo dele. O imóvel fica no bairro Petrópolis, parte alta da cidade que não foi atingida pela enchente. "O apartamento estava vazio, sem mobílias, mas tinha água e luz, ao menos dava para dormir. Era só isso o que eu precisava."
Ele se deslocava pela cidade usando Uber e arcava com as despesas do próprio bolso. Conheceu Porto Alegre submersa em uma cena que se assemelhava mais a um campo de batalha do que a uma cidade.
Um dos primeiros locais em que atuou como voluntário foi o bairro Sarandi, na zona norte da cidade, uma das regiões mais alagadas de Porto Alegre. Seu "QG" era uma casa de eventos —a Rota 79, de propriedade de Igor Amaral da Silva, de 41 anos, que também se sensibilizou e abriu as portas para atender a comunidade.
O voluntário ajudou nos resgates de pessoas, animais, e na distribuição de alimentos e agasalhos —a temperatura, durante os dias em que esteve em Porto Alegre, chegou a marcar 10ºC, com sensação térmica de 5ºC.
Em um dia de muito frio e chuva fina, o bombeiro foi chamado para resgatar uma gata que estava no segundo piso de uma casa. De barco e com apoio de outros colegas, ele navegou, nas águas barrentas e profundas, até o local e entrou na água para o socorro.
A gata era muito brava [foi batizada de Jaguatirica] e estava difícil pegá-la. Quando a agarrei, ela me mordeu. Eu estava com luvas, mas mesmo assim me machucou. Tive de tomar quatro injeções e oito vacinas.
Rodrigo Gentil
Newsletter
PRA COMEÇAR O DIA
Comece o dia bem informado sobre os fatos mais importantes do momento. Edição diária de segunda a sexta.
Quero receberEntre um resgate e outro, ele guarda lições de vida que ficarão em sua memória, entre elas o fato de ter ajudado duas crianças pequenas, vítimas das enchentes. "Estava chovendo e fazia muito frio. As meninas apareceram no ponto de doações onde eu estava, de pés descalços. Quando vejo uma criança em estado de vulnerabilidade, fico muito comovido."
Além dos resgates, no turno da noite, Gentil ajudava no tratamento veterinário da ONG Aubrigo Scooby, instalada provisoriamente em um estacionamento. No local, mais de 200 voluntários se revezavam para tratar centenas de cães que, provavelmente, se perderam dos seus tutores durante as enchentes.
Retorno
Após nove dias, Gentil voltou para casa em São Paulo. E retomou suas atividades como bombeiro civil na universidade onde trabalha. "Meus colegas de trabalho me chamavam de herói, e muitos comentavam da minha coragem, me parabenizando. Estou feliz por ter cumprido essa missão."
Deixe seu comentário
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Leia as Regras de Uso do UOL.