Caos no Sul deixa crianças mais expostas a abusos e agressões; o que fazer

Crianças e adolescentes são uma parcela da população mais vulnerável à violência em um contexto de calamidade como o do Rio Grande do Sul. O estado tem 19 mil pessoas desabrigadas —entre idosos, adultos, adolescentes e crianças, segundo dados do governo do RS.

Um censo do governo gaúcho que compila dados em vários momentos da crise aponta que 14,6 mil crianças e adolescentes passaram por abrigos desde o início das enchentes —dessas, 3,7 mil eram crianças de 0 a 5 anos.

Os riscos

Em calamidades como a que se vê com as enchentes, não é incomum que crianças e adolescentes sejam sequestrados ou sofram abusos, dizem especialistas. "Bebês e crianças são as vítimas mais vulneráveis em situações de calamidades, guerras e crises humanitárias como a que está ocorrendo no Rio Grande do Sul", diz Vanessa Lima, escritora e ativista, criadora do Instituto Mila (Movimento Infância Longe de Abusos).

Os principais riscos são abuso sexual, agressões, raptos, abandono e separação familiar, além de traumas psicológicos.
Vanessa Lima, do Movimento Infância Longe de Abusos

O sequestro de bebês e crianças para adoção ilegal, tanto doméstica quanto fora do país, é um risco real, segundo a ativista. Há ainda o risco de que meninas sejam sequestradas para exploração sexual e meninos, para trabalho forçado ou análogo à escravidão.

Algumas crianças acabaram afastadas de suas famílias por desafios logísticos ou morte dos parentes —e, por isso, ficam mais expostas. "As crianças separadas das famílias passam por toda uma sorte de riscos", diz Corinne Sciortino, oficial de Proteção contra Violências do Unicef, fundo da ONU para a infância, no Brasil. O governo do Rio Grande do Sul e a prefeitura de Porto Alegre não têm dados sobre o número de crianças sozinhas (sem os pais) em abrigos.

Abrigo em Porto Alegre, em foto de 21 de maio
Abrigo em Porto Alegre, em foto de 21 de maio Imagem: Gabriel Schlickmann/Folhapress

Abrigos foram montados de forma emergencial para atender a uma demanda alta, mas nem sempre foram pensados espaços acolhedores e seguros para crianças e adolescentes, diz Corinne.

Ao mesmo tempo, os serviços de proteção às crianças, como escolas e conselhos tutelares, também foram atingidos pelas enchentes. "Há uma dificuldade muito grande no acesso a serviços", diz Corinne.

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Neste momento, a rede de proteção, que está fragmentada e ainda precisa de tempo para se recompor, precisa estar muito atenta e atuante.
Corinne Sciortino, do Unicef

Espaços devem garantir proteção a crianças e adolescentes
Espaços devem garantir proteção a crianças e adolescentes Imagem: Gabriel Schlickmann/Folhapress

Ações urgentes

É necessário apoio humanitário para reduzir os problemas, na opinião de especialistas. "Para mitigar esses riscos, é fundamental que intervenções humanitárias sejam rápidas e eficazes, que priorizem a proteção e o bem-estar das crianças, com fornecimento de abrigo seguro, assistência médica adequada, reunificação familiar sempre que possível, apoio psicossocial e medidas para prevenir exploração e abusos", diz Vanessa.

A ativista recomenda que abrigos ofereçam banheiros separados para homens e mulheres, com portas que possam ser trancadas por dentro, e espaços para dormir que proporcionem privacidade. "É importante garantir que as famílias fiquem juntas, como pais com filhos ou irmãos com irmãos", diz Vanessa.

Corinne, do Unicef, apela para que as crianças, mesmo quando resgatadas sozinhas, não fiquem desacompanhadas nos abrigos. A especialista do Unicef destaca a importância de locais voltados às famílias. "É importante garantir espaços seguros."

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O governo gaúcho estruturou locais para acolher apenas mulheres e crianças —a exemplo do que foi feito por alguns municípios. Segundo o Palácio Piratini, os abrigos exclusivos estão nas cidades de Porto Alegre, Alvorada, Cachoeirinha, Canoas, Capão da Canoa, Novo Hamburgo, São Leopoldo e Viamão —o acesso deve ser coordenado com as autoridades locais. Relatos de abusos levaram o Ministério da Justiça a mobilizar dezenas de agentes da Força Nacional para ampliar a segurança nos locais.

Para famílias abrigadas, Vanessa faz recomendações de cuidados: manter as crianças sob supervisão constante, evitar que fiquem sozinhas e não deixá-las sob cuidados de pessoas desconhecidas.

As crianças não têm a 'maldade' necessária para se defender em situações assim, principalmente por estarem sob pressão psicológica de uma catástrofe como esta.
Vanessa Lima

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