Mulher sai de hospital em SP sem andar e segue sem diagnóstico após 2 meses

"Destruíram a minha vida". É assim que Liliane Ângela dos Santos, 26, define a sua situação depois que perdeu o movimento das pernas dias após o parto do terceiro filho, em 3 de abril, no Hospital Estadual de Sapopemba, na zona leste de São Paulo. Dois meses depois, ela ainda não tem um diagnóstico sobre o que provocou a perda dos movimentos.

A jovem estava acompanhada do marido, o motorista de aplicativo Moizes Oliveira Santos, 44. Dois dias após o parto, ainda internada na unidade, ela foi submetida a uma laqueadura. Mesmo reclamando de dores e tendo sido medicada, ela teve alta médica no dia seguinte ao procedimento.

Liliane relata ter sentido dor intensa no abdômen durante sete dias, mas tentou evitar o retorno à unidade hospitalar. Na madrugada de 14 de abril, voltou ao Hospital de Sapopemba depois que, segundo ela, um "buraco" se abriu abaixo dos pontos da laqueadura.

De acordo com a jovem, o atendimento demorou. Ela disse que, apenas no fim da tarde, foi medicada e internada.

Paralisia após nova cirurgia

Hospital Estadual de Sapopemba, na zona leste de São Paulo
Hospital Estadual de Sapopemba, na zona leste de São Paulo Imagem: Reprodução/Google Maps

Já no dia 15, ela foi levada para o centro cirúrgico e estava conseguindo andar mesmo com a dor intensa. Após a operação, Liliane acordou e, ainda anestesiada, percebeu que não sentia mais as pernas. Os médicos fizeram testes de sensibilidade e temperatura, porém, a paciente não respondeu aos estímulos. Então, os profissionais da saúde solicitaram para que aguardasse as próximas horas porque poderia ser uma "paralisia temporária" em razão da anestesia.

Liliane ficou 12 dias na UTI (Unidade de Terapia Intensiva) sendo medicada e fazendo exames. Um neurocirurgião emitiu um laudo médico atestando a suspeita de uma isquemia medular, popularmente conhecida como "AVC medular", ocorrido durante a cirurgia. Isso acontece quando há uma obstrução, por alguma razão, de alguma grande artéria que irriga a medula.

Apesar da suspeita inicial, no 29 de abril, ela foi chamada pela diretoria e outros profissionais do hospital para ser comunicada que precisaria fazer mais exames porque, segundo contou a jovem ao UOL, "simplesmente não sabiam o que aconteceu com ela" para a perda dos movimentos. Eles também teriam afirmado que, no momento, o indicado seria o tratamento com fisioterapia.

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A paciente relata que o hospital forneceu apenas as guias de encaminhamentos para a fisioterapia, neurocirurgião, psicóloga e a realização de outros exames, sendo necessário que a mulher os entregasse em uma UBS (Unidade Básica de Saúde) e entrasse na fila de espera para o atendimento.

Jovem ainda não sabe o que aconteceu

Liliane diz não saber até hoje o que causou a perda de movimento das pernas. Desde a primeira suspeita, ela já se consultou com dois neurologistas de outro hospital, mas o diagnóstico não foi fechado. Ela aguarda ser atendida por um terceiro profissional.

A jovem, atualmente desempregada, também relata que não tem recebido suporte do Hospital de Sapopemba e que sofre para sair de casa, no bairro A.E. Carvalho, na zona leste da capital, em razão das escadas do imóvel. Ela continua na fila de espera para o atendimento de fisioterapia, que é a sua esperança para voltar a andar.

Escada na casa de Liliane
Escada na casa de Liliane Imagem: Arquivo Pessoal

A paciente disse que atualmente tem sensibilidade em algumas partes da coxa e consegue mexer um pouco os dedos dos pés.

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A gente mora de aluguel e eu estou desempregada. Acabaram com a minha vida e não estão dando a mínima. Pensa como é você dar à luz uma criança e você voltar sem andar.
Liliane Ângela ao UOL

Liliane havia trancado a faculdade para dar à luz, planejava fazer um curso de bombeiro civil e relata que a "vida parou" após perder o movimento das pernas. Além da bebê, ela tem mais dois filhos: um de 8 anos e outro de 1 ano e 11 meses.

Estou arrasada e destruída. Eu amo trabalhar, gosto de ficar com as minhas crianças, sair e brincar com elas e tudo isso foi retirado de mim. Eu não tenho mais a liberdade de ir e vir na hora que eu quiser. Eu dependo dos outros para tudo. Eles [médicos] não sabem o que tive. Ninguém sabe se eu vou voltar a andar. Era para eu estar fazendo a fisioterapia, que é o essencial, mas eu não tenho condições de pagar. Eu estou péssima com tudo isso.
Liliane Ângela ao UOL

Mãe e marido relatam dificuldades em nova vida

Liliane tem que rastejar pela casa
Liliane tem que rastejar pela casa Imagem: Arquivo Pessoal

A mãe de Liliane saiu da Bahia e está em São Paulo para ajudar o marido da filha nos cuidados diários dela e das crianças. Maria Zélia, 49, diz que família vive uma "situação complicada" financeiramente, já que o genro é a única fonte de renda da residência.

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A gente não sabe o que aconteceu com ela. Não sabemos o que fazer. É difícil porque nem eu, nem ela podemos trabalhar. Ela não pode ficar me mantendo para ficar perto dela. É muito complicado.
Maria Zélia, mãe de Liliane

O marido também destaca dificuldades na rotina após a companheira perder o movimento das pernas. "O acesso aqui na nossa moradia é complicado por ser uma casa com escada. A Liliane tem que subir e descer se rastejando. É humilhante para nós", ressaltou.

Neurocirurgião: fisioterapia é essencial

Lucas Vasconcellos, neurocirurgião e especialista em coluna, explicou ao UOL que mesmo sem um diagnóstico fechado, neste momento, é necessário que a fisioterapia seja iniciada "rapidamente". O tratamento deve ser realizado em conjunto com o uso de medicamentos e vitaminas que podem auxiliar na reabilitação.

[Caso Liliane tenha sofrido uma lesão na medula], ela precisa ser tratada quanto antes. É um trabalho intenso e prolongado porque, algumas vezes, apesar da gravidade que ela tem, existe a possibilidade de ela voltar a ter a função tanto motora quanto sensitiva.
Lucas Vasconcellos, neurocirurgião

Além de exames de ressonância magnética para confirmar uma possível lesão na medula, também é preciso que a paciente realize uma angiografia para mostrar se alguma artéria foi lesada ou machucada, destaca o neurocirurgião.

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A gente vê uma carência e lentidão no tratamento desta paciente. A estrutura que ela esteve e o atendimento que recebeu foi, a meu ver e pela descrição dela, muito lentificado e pouco elucidativo. Porque não foi feita a investigação completa para o diagnóstico, que é fundamental. Também vemos uma falta de estrutura para a reabilitação dos pacientes porque ela deveria já estar em tratamento na fisioterapia.
Lucas Vasconcellos

Paciente fez B.O e Polícia Civil investiga o caso

69° Distrito Policial (Teotônio Vilela) investiga o caso
69° Distrito Policial (Teotônio Vilela) investiga o caso Imagem: Reprodução/Google Maps

No dia 8 de maio, Liliane registrou um boletim de ocorrência sobre o caso na Polícia Civil. E, como solicitado pelas autoridades, ela fez exame no IML (Instituto Médico Legal), mas o laudo ainda não foi concluído.

Ao UOL, a SSP-SP (Secretaria da Segurança Pública) de São Paulo confirmou que o caso é investigado pelo 69º DP (Teotônio Vilela). "A autoridade policial aguarda o laudo do IML, em elaboração, e atua em diligências visando o esclarecimento dos fatos", informou a pasta.

Secretaria apura denúncia

Em nota, a Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo informou à reportagem que a paciente é acompanhada por uma equipe multidisciplinar para atendimento das necessidades do quadro médico, "incluindo o encaminhamento à fisioterapia na UBS".

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Todas as circunstâncias mencionadas pela reportagem estão sob rigorosa apuração e se for comprovado qualquer tipo de falha, as providências cabíveis serão tomadas. O Hospital Sapopemba não tolera negligências e preza pelo atendimento humanizado e profissional de todos os pacientes, sem exceção, com base nos protocolos clínicos assistenciais estabelecidos.
Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo

A Secretaria Municipal de Saúde afirmou em nota que "a paciente está sendo acompanhada pela Unidade Básica de Saúde (UBS) Águia de Haia, onde passou em consulta com assistente social, clínico geral e fisioterapeuta". Sobre isso, Liliane diz que foi um atendimento rápido, apenas para encaminhá-la para um centro de fisioterapia especializado.

O texto diz ainda que equipe da CRS (Coordenadoria Regional de Saúde) entrará em contato com Liliane. Segundo a nota, a "paciente tem consulta de avaliação agendada no Centro Especializado de Reabilitação Vila Nossa Senhora Aparecida, referência para o território de Itaquera, no dia 11 de julho, às 17h".

A pasta conclui afirmando que "no sistema de regulação Cross consta também uma consulta com o fisiatra marcada para o dia 3 de julho no Centro de Reabilitação Lucy Montoro, de gestão estadual".

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