'Tive de ir à Justiça para registrar meu filho com nome de faraó'
Um casal de coreógrafos de Belo Horizonte teve de entrar na Justiça para conseguir registrar o primeiro filho com o nome que escolheu, Piiê. A criança nasceu no dia 31 de agosto e só foi registrada no dia 12 de setembro.
Segundo Catarina e Danillo Prímola, o nome faz alusão a um faraó egípcio, mas foi barrado em primeiro momento por ter grafia e pronúncia parecidas com a de um passo do ballet, o pliê.
O que aconteceu
Após o nascimento de Piiê, Catarina e Danillo não conseguiram registrar o filho no cartório. Segundo o pai da criança, o impedimento se deu pela grafia do nome.
Nunca passou pela minha cabeça que teríamos problema em registrá-lo, porque é um nome próprio que já existe, não é inventado. Eles disseram que teríamos de pedir autorização na Justiça e escrever uma justificativa de por que o nome teria dois 'is'. Eles deram a entender que o nome seria registrado, seja com um i ou dois. Na hora de pedir a autorização, não entrei em detalhes de por que era importante esse nome, me atentei apenas ao que o cartório pediu.
Danillo Prímola, ao UOL
O nome Piiê é o mesmo de um faraó egípcio, homenageado pela escola de samba de Danillo no ano passado. O coreógrafo explica que teve contato com a história de Piiê no ano passado, quando a Escola de Samba Acadêmicos de Venda Nova, em Belo Horizonte, escolheu o tema África para o carnaval.
Quando sentamos para estudar sobre o enredo, vi que citava a história do faraó negro, o Piiê. Fizemos a comissão de frente em cima da história dele. Eu, particularmente, fiquei encantado com a história e com o nome e disse que, quando eu tivesse um filho, ia querer chamá-lo de Piiê. Em fevereiro desse ano, a Catarina descobriu que estava grávida e decidimos que nosso filho se chamaria assim. Piiê, inclusive, desfilou no carnaval na barriga da mãe. Ele escuta o nome desde que descobrimos que Catarina estava grávida.
Danillo Prímola, ao UOL
Os pais fizeram o pedido ao TJMG, que foi negado sob a justificativa de "expor a criança ao ridículo". Em decisão, a Justiça afirmou que "a grafia e pronúncia, em especial pela grande proximidade com um conhecido passo de ballet (pliê), certamente, na atualidade, será apto a expor a criança a ridículo, em especial na fase escolar, seja na infância e adolescência, em que a prática do bullying é cruel, não podendo ser desconsiderado, ainda, a grande dificuldade que o menino enfrentaria no dia a dia, pela dificuldade de compreensão acerca de seu nome."
Danillo retornou ao cartório questionando as orientações dadas. Segundo ele, o cartório só havia pedido para que ele justificasse a grafia do nome da criança. Ele compartilhou a situação nas redes sociais e recebeu ajuda jurídica para solucionar o caso. "Depois que a história saiu, dois defensores públicos entraram em contato e nos ajudaram a reverter a decisão."
A autorização saiu na quarta-feira (11) e a criança foi registrada no dia seguinte. Em nota, o TJMG disse que a a juíza Maria Luíza reconsiderou a decisão anterior, "ponderando que não está afastada a convicção de que o menino estará sujeito, pela dificuldade da grafia e pela pronúncia, a constrangimentos", diz comunicado. O TJMG ainda disse que, em respeito à cultura da família, a juíza autorizou o registro na forma pretendida, com a grafia original, "inclusive por entender que nomes estrangeiros devem mesmo observar a grafia do país de origem".
Danillo comemorou a decisão e criticou a maneira como nomes africanos são tratados nos cartórios brasileiros. "Foi uma emoção muito grande para nós", disse ele após registrar o bebê.
Não teve como conter o choro, a felicidade e o alívio. Espero que as próximas famílias que forem registrar as crianças com nomes africanos e originários não passem por isso, por esse desgaste emocional. Esses nomes têm tanto valor quanto os europeus. Permitir que ele se chame Piiê é permitir que ele tenha contato com uma herança ancestral. O povo preto também teve grandes líderes, reis e rainhas que merecem estar na história do nosso país.
Danillo Prímola, ao UOL
Existe nome proibido?
A legislação brasileira não proíbe nomes específicos de forma direta. Mas a Lei de Registros Públicos, criada em 1973, indica que o oficial de registro civil não deve registrar nomes que exponham a pessoa ao ridículo ou que possam gerar eventuais constrangimentos desnecessários. No entanto, não há uma lista de nomes que não sejam indicados.
O oficial de registro civil, profissional do direito, é quem analisa caso a caso, podendo recusar que certos nomes sejam formalizados no momento do registro de nascimento por acreditar que sejam capazes de expor a criança ao longo da vida.
Se os responsáveis pela criança não se conformarem com a recusa do registrador, podem solicitar que o caso seja analisado pelo juiz corregedor permanente da região, vinculado à Corregedoria Geral do estado em questão. O nome pode ser autorizado ou a recusa pode ser confirmada. Quem encaminha o procedimento ao juiz é o próprio registrador, que vai explicar os motivos de sua recusa e as alegações feitas pelos responsáveis.
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Quero receber*Com informações de reportagem publicada em 16/01/2023
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