'Perdi braço após ataque de tigre no zoo e pedi para não o sacrificarem'
Vrajamany Fernandes Rocha, 21, tinha 10 anos quando perdeu o braço após ser atacado por um tigre no zoológico de Cascavel (PR). Vídeos feitos na ocasião mostram o menino correndo em frente à jaula, encostando na grade e sendo seguido pelo felino, Hu. Minutos depois, o tigre avançou sobre Vrajamany.
Após sessões de reabilitação, anos de dedicação e apoio da família, hoje o jovem é uma promessa do esporte paralímpico. Ao UOL, ele contou sua história:
'Tigre me puxou'
"No final das férias de julho de 2014, estava em Cascavel para passar um fim de semana com meu pai. Eu morava em São Paulo e ele também, mas a ideia era visitar meu irmão mais novo, que morava no Paraná.
Meu pai nos levou ao zoológico. Chegamos umas 9 horas da manhã e, logo ao entrar, pulei a grade: fiz carinho no tigre, na leoa, na onça e ninguém veio me tirar.
Depois do almoço, repeti tudo o que fiz de manhã e, em um momento em que estava tentando fazer carinho no tigre, aconteceu.
Coloquei o braço na grade e olhei para trás por algum motivo, talvez porque meu pai tinha me chamado, e nesse momento o tigre mordeu meu braço e puxou.
Vrajamany Fernandes Rocha
Meu rosto travou na grade e não consegui ver a mordida, não senti dor. Só senti alguma coisa me puxando e me travando na grade. Hoje, tenho uma cicatriz no peito que veio do tigre me pressionando na grade.
Assim que o tigre me mordeu, meu pai saiu correndo de onde estava, pulou a grade de proteção e ficou gritando: 'Solta meu filho, solta meu filho'.
Em nenhum momento o tigre fez aquele movimento de laceração, em que pega a carne e torce a cabeça, igual faz com as presas. Ele pegou o braço, puxou e travou por alguns segundos.
Meu pai enfiou o dedo no olho dele, mas o tigre só me soltou quando quis e meu braço ficou totalmente dilacerado.
'Falei para não sacrificar'
Quando tudo acabou, meu pai rasgou a camisa que usava, fez um torniquete, me pegou no colo e me passou para outro visitante, que me colocou no chão.
Eu logo falei: 'Não deixa sacrificarem o tigre'. Na minha cabeça, alguém ia querer fazer alguma coisa com ele porque em São Paulo eu já tinha visto muitos casos de cachorros sacrificados porque morderam crianças. Fiquei com medo de acontecer algo assim.
Vrajamany Fernandes Rocha
Depois de um tempo, chegou a ser notícia que iam sacrificar o tigre e tem gente que até hoje me chama de assassino por causa disso, mas ele está vivo, super bem.
Inclusive, voltei a visitá-lo em 2022: fui ver meu irmão, que ainda mora em Cascavel, e voltei ao zoológico. O tigre é um exemplo de saúde.
Já sobre meu braço, o diagnóstico foi de que não tinha como recuperar. Naquele dia, o resgate chegou em cinco minutos e, em menos de dez minutos, os médicos já estavam discutindo o que fazer.
Por ter perdido muito sangue, tive de amputar o braço para preservar minha vida. Fui para a sala de cirurgia e acordei três horas depois, já com a amputação.
Vrajamany Fernandes Rocha
'Reabilitação foi simples'
O processo de reabilitação foi muito simples: tudo o que tinha de fazer era aprender a usar a mão esquerda.
De início não conseguia fazer nada, mas treinava o dia inteiro, porque não tinha outra opção. Então, rapidinho aprendi. Fiquei sete dias em observação em Cascavel e, assim que tive alta do hospital, voltei a São Paulo.
Meu pai se sentiu culpado por uns dois anos, chegou a chorar quando foi comigo à reabilitação. Ele chorava de culpa, mas eu sempre me dei muito bem com a situação.
Vrajamany Fernandes Rocha
Na época, só tinha medo de ele ser preso e, no final, ele acabou condenado mesmo [o pai de Vrajamany foi condenado a três anos de prisão em regime aberto, em 2019, por lesão corporal e omissão].
Quando meu pai viu que nem penso na minha deficiência, que para mim é como se não tivesse acontecido nada, ele conseguiu superar a situação.
Não lembro toda hora do meu acidente, não me apeguei a isso. Sei que tem gente que olha com dó, mas faço tudo sozinho, moro com minha esposa, não dependo de ninguém para nada.
'Me tratavam como coitadinho'
Muita gente da minha família me irritou porque começou a me tratar como coitadinho, incapaz. Minha mãe não.
Na época em que comecei a ter contato com pessoas com deficiência, chegava em casa falando: 'Nenhum dos meus amigos lava louça, por que eu lavo?' E minha mãe respondia: 'Seus amigos não lavam louça porque não moram aqui'.
Aos 13 anos, encontrei a natação. Foi um preparador físico da rede Lucy Montoro, onde fiz reabilitação, quem falou para minha mãe me colocar em um esporte paralímpico.
No começo, não gostava nem um pouco da natação: queria era fazer esqui, mas a Laís (Souza, ex-ginasta) tinha acabado de bater em uma árvore e fraturar a cervical.
Minha mãe disse: 'Vai fazer esqui? De jeito nenhum'. Ela perguntou aos meus professores o que eu poderia fazer sem me machucar.
Sempre fui competitivo, mas não pensava em ser campeão mundial. Agora, quero dar uma vida melhor para mim por meio do esporte e a natação me ensinou que tudo é possível, basta ter meta, traçar o plano e trabalhar todo dia para chegar lá.
Quando digo todo dia, é 24 horas por dia, de segunda a segunda. O atleta não bate ponto, é o dia todo trabalhando. Tenho de comer seis vezes ao dia, me alongar, dormir na hora certa, cozinhar minha comida do dia seguinte.
O difícil é organizar os recursos para não faltar comida, não faltar material, conseguir pagar o aluguel em dia.
A alimentação de um atleta, por exemplo, é muito cara e, se reduzo, perco rendimento no outro dia. O Phelps, na época da Olimpíada de Pequim, tinha de consumir 12 mil calorias por dia —eu tenho de consumir de 5 a 7 mil. É muita coisa e minha esposa fica assustada quando estou comendo.
'Brigo para ser campeão'
Quem mais me chamou a atenção na natação foi o Gabriel Cristiano, um atleta que tem a mesma deficiência que a minha, só que ele tem o braço direito e não tem o esquerdo.
Eu nadava 50 metros livre em 38 segundos e vi o Gabriel nadando em 27 segundos. Ele era absurdamente mais forte do que eu e isso instigou meu lado competitivo: queria ser tão forte quanto ele.
Hoje, nado 27 segundos nos 50 metros, mas isso aconteceu depois que comecei a treinar com intenção, vontade e foco de ser campeão mundial. Passei dois anos participando de campeonatos brasileiros e chegava em último.
Na pandemia, passei a treinar sozinho e comecei a estudar sobre fisiologia, treinamento, biomecânica e nutrição. Recebi propostas para integrar a equipe, entre eles o Praia Clube, em Uberlândia, que tem um número enorme de campeões brasileiros. Hoje, tenho oito medalhas de ouro e brigo para ser campeão mundial.
Aos poucos vou conseguindo outros apoios: recebo Bolsa Atleta e Bolsa Minas Gerais. E, desde 2018, quando passei a querer ser campeão mundial, o esporte é minha única meta. Não tem plano B. Se o plano A não der certo, é o plano A de novo."