Maior que o CV: Povo de Israel tem 18 mil faccionados em presídios do Rio
O Povo de Israel, facção criminosa na mira de uma operação da Polícia Civil por suspeita de ter movimentado mais de R$ 67 milhões em golpes do falso sequestro ou "disque-extorsão" pelo celular em dois anos, tem mais faccionados nos presídios do Rio de Janeiro do que o CV (Comando Vermelho).
O que aconteceu
Povo de Israel tem 18 mil faccionados em 13 unidades prisionais do Rio. De acordo com a Polícia Civil com base em relatório da Seap (Secretaria de Administração Penitenciária do Rio), a facção tem 43% do total de presos do sistema prisional no estado. Com isso, o efetivo desses internos citados com perfil neutro, sob influência do Povo de Israel, teria ultrapassado o percentual de faccionados.
A facção surgiu há 20 anos nos presídios do Rio. O grupo era composto inicialmente por presos por estupro, tipo de crime que motiva o afastamento dos detentos, já que podem ser vítimas de agressão ou assassinatos por parte dos outros internos.
Presos com perfil neutro, incluindo afastados de outras facções, foram "recrutados" nos últimos anos. A investigação confirmou a existência da organização ao identificar no sistema prisional um documento chamado de "Estatuto do Povo de Israel", onde constam as normas do grupo.
Aumento de poder. Outros grupos criminosos no sistema prisional teriam tentado se aliar à facção em decorrência do seu poder atrás das grades, indica investigação. A facção é investigada pelos crimes de tráfico de drogas, organização criminosa e lavagem de dinheiro.
[O Povo de Israel] vem conseguindo cada vez mais se estruturar com grande poder aquisitivo, aumentando a quantidade de integrantes e oprimindo outros internos que se oponham aos seus mandos. [A facção está] mantendo o controle das práticas de crimes e lucros obtidos intramuros por seus membros.
Trecho extraído do inquérito da Polícia Civil
Como age a facção
Os membros do grupo criminoso usavam celulares dentro dos presídios. Os aparelhos eram usados para pedir dinheiro pelo resgate em um crime conhecido como falso sequestro ou "disque-extorsão", indica a Polícia Civil.
Como era a divisão dos recursos de ações criminosas. Segundo a investigação, 10% dos lucros com os golpes, como o do falso sequestro, eram destinados ao "caixa" da facção. O restante era dividido a criminosos que executavam três funções distintas: o "empresário" era o encarregado pela obtenção do celular; o "ladrão" era quem fazia as ligações; e o "laranja" eram os responsáveis por ocultar os valores.
Bloqueio de 84 contas bancárias. A decisão foi determinada pela Vara Criminal Especializada em Organização Criminosa da Capital, que atendeu um pedido feito pelo Ministério Público do Rio de Janeiro. As contas usadas para ocultar o dinheiro do crime entre janeiro de 2022 e maio deste ano movimentaram mais de R$ 67 milhões —média de R$ 2,4 milhões por mês.
As contas beneficiadas incluíam empresas do setor de construção, do setor atacadista, uma joalheria, uma lotérica e um comércio. As transações foram feitas por 1.600 pessoas físicas e 200 pessoas jurídicas, segundo a investigação.
[A extorsão] é realizada de maneira sistematizada, com divisão de tarefas ilícitas (...) consistentes em exigir pagamento de resgate por um familiar falsamente sequestrado. Os criminosos coagem as vítimas a realizarem transferências (...) a 'laranjas', responsáveis pela circulação, repasse e dissimulação dos valores angariados, segundo as determinações da cúpula organizacional.
Trecho extraído do inquérito da Polícia Civil
Crimes no sistema prisional
Rebeliões com mortes. Após um pedido de isolamento de membros da facção ter sido negado pela Seap em 2004, eles são suspeitos de dar início a uma rebelião que deixou oito internos mortos no presídio Ary Franco. O Povo de Israel também é suspeito de ter liderado outra rebelião em julho de 2021 no presídio Romeiro Neto, em Magé, que deixou um morto ao ter o corpo queimado e quatro internos feridos.
Assassinatos por enforcamento. Dois internos do presídio Romeiro Neto foram encontrados mortos por enforcamento em 2022. Os crimes teriam sido motivados por suposto plano de sequestro da filha de um ex-detento que integrava a facção.
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Quero receberO Povo de Israel também estaria investindo em aquisição e remessa de drogas para os próprios detentos nas unidades prisionais. Em setembro de 2023, policiais penais apreenderam drogas e celulares avaliados em R$ 1,5 milhão no presídio Nelson Hungria. A carga, que incluía cocaína e maconha, estava escondida em um caminhão que iria entregar refeições aos internos da unidade.
Policiais penais presos em flagrante com 200 tabletes de maconha. Também em setembro de 2023, inspetores do presídio Romeiro Neto foram detidos por suspeita de terem ocultado a droga no teto de um banheiro.
Quem são os líderes
O líder. Avelino Gonçalves Lima, conhecido como Alvim ou Vilão, ingressou no sistema prisional fluminense há 25 anos. Ficou foragido após ser beneficiado pela visita familiar em 2007 e só foi recapturado dois anos depois. Condenado a 46 anos de prisão, possui investigações por homicídio, roubo e estupro. Ordens sobre expulsão de membros, rebeliões, tentativas de fuga e crimes partem dele, segundo a investigação.
Homem sob as ordens de Vilão. Com condenações que somam 48 anos de prisão, Marcelo Oliveira da Anunciação, o Tomate, tem 12 anotações por crimes como homicídio, roubo, estelionato e estupro. Ele repassou ordens do líder da facção por WhatsApp mesmo atrás das grades, proibindo extorsões nos 13 presídios sob o domínio do grupo em mensagens enviadas em 11 de outubro de 2022, às vésperas do Dia das Crianças.
As 13 aldeias de Israel, para roubo, para tudo. Pode transmitir essa mensagem nas 13 cadeias, Nem (...). Vilão mandou parar tudo. Para quem pode, e obedece quem tem juízo (...). Alô, quartel da tropa de Israel. Zero horas, para tudo. Ordem do patrão. Se pagar para ver, já sabe. Salve as criancinhas. Um feliz Dia das Crianças para todo mundo. Forte abraço.
Mensagens de WhatsApp repassadas por Tomate
O sucessor. Ricardo Luis Martins Dias Júnior, o Da Lua, teria assumido a liderança do grupo no lugar de Alvim no período em que ele esteve em um presídio federal, indicam as investigações. Ele foi condenado a 29 anos de prisão.
O responsável pelas finanças. Jailson dos Santos Barbosa, o Nem, é apontado pelas investigações como o responsável pela contabilidade da facção criminosa. Ele foi condenado a 36 anos de prisão.
Líderes e suas companheiras movimentaram, juntos, R$ 10 milhões em operações suspeitas. A investigação rastreou uma movimentação milionária de Da Lua, Nem e das suas companheiras, as investigadas Nubia Beatriz Silva dos Santos e Arianne Freire da Silva.
O UOL não localizou os representantes legais dos investigados citados na reportagem. O espaço segue aberto para manifestação.
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