Família de morto por condutor de Porsche lamenta fala de fotógrafa pericial
A família de Pedro Kaique Ventura Figueiredo, morto atropelado por um motorista que conduzia um Porsche em julho, na capital paulista, lamentou ao UOL as falas feitas pela fotógrafa pericial Telma Rocha, do DHPP (Departamento Estadual de Homicídios e de Proteção à Pessoa), em um podcast.
"Se a perita criminal exerceu seu direito de expressão e houve excesso, a Corregedoria da Polícia Civil deverá apurar e aplicar a sanção cabível, do contrário, estaríamos, diante de censura, o que é vedado pela nossa Constituição Federal", escreveu a família por meio de nota enviada pelo advogado Roberto Guastelli.
Eles relembraram que o caso foi apurado pela Polícia Civil de São Paulo e resultou na responsabilização penal de Igor por homicídio doloso (quando há intenção de matar). "O relatório da autoridade policial foi aceito pelo Ministério Público, que ofereceu a denúncia e o Poder Judiciário acatou, tornando o motorista réu no processo criminal", em agosto, por homicídio doloso triplamente qualificado.
A Corregedoria da Polícia Civil investiga a conduta da agente após comentar o caso — ressaltando que o motorista do carro de luxo, Igor Ferreira Sauceda, é amigo dela — e ainda admitir que descumpre leis de trânsito.
A reportagem entrou em contato com a defesa de Igor, que disse que "não irá se manifestar".
Fotógrafa disse acreditar que amigo não queria matar o motociclista
A nova investigação contra a fotógrafa do DHPP foi confirmada pela SSP-SP (Secretaria da Segurança Pública) de São Paulo ao UOL. No podcast Inteligência Ltda, em 27 de agosto, Telma, o chefe da equipe de perícias do DHPP, André D'Ávila, e o youtuber Beto Ribeiro, foram questionados por internautas sobre o que achavam do caso das ocorrências envolvendo motoristas de Porsche que provocaram mortes em São Paulo.Na ocasião, Telma disse ser "amiga" do motorista e empresário Igor Ferreira Sauceda e destacou que a repercussão do caso seria uma "tremenda hipocrisia". Como o UOL mostrou, Igor tinha mais de 400 pontos na CNH (Carteira Nacional de Habilitação).
Eu acho que você acelerar um carro potente e cometer um acidente desse é sua cara responder. Ponto. Mas vamos ser, no mínimo, menos hipócritas. Sério mesmo? O cara é filho de um churrasqueiro de rua. Ninguém falou isso, vocês sabiam disso? O pai dele era manobrista, vendia churrasquinho na rua, montou uma birosquinha, ela aumentou, colocou os filhos para trabalhar... o cara é da periferia da zona sul e está sentado num financiamento bancário para comprar um Porsche, que era um sonho de consumo. E aí você coloca como empresário e irresponsável? Isso eu não acho certo.
Telma Rocha, em podcast
Na fala, a fotógrafa ainda disse acreditar que Igor não queria atropelar a vítima, mas, sim, "buscar a moto" e que "foi um acidente". Por fim, a agente pondera que "falou demais e que não é advogada de ninguém": "Eu acho que eu estou indo para um outro viés. É que eu me empolgo", afirmou.
Apesar da fala da profissional, em agosto, Igor virou réu por homicídio doloso triplamente qualificado. Para o Ministério Público de São Paulo, o motorista do carro de luxo teve "a intenção de matar com emprego de meio cruel". Além do meio cruel, as qualificadoras incluem motivo fútil e uso de recurso que dificultou a defesa da vítima. Igor está preso.
Anteriormente, a defesa do empresário afirmou que o motorista voltava do trabalho quando aconteceu a colisão e falou em "fatalidade". O advogado Carlos Bobadilla disse que Igor é "um cara trabalhador, honesto, do bem, que jamais teve qualquer antecedente criminal em toda a sua vida" e reforçou que o cliente não estava bêbado quando atingiu a vítima.
Fotógrafa falou mais após críticas
Após receber comentários no chat do podcast, incluindo críticas, sobre as falas na transmissão ao vivo, Telma indicou que, se as pessoas querem "tanto falar da esfera criminal", que elas conheçam os tipos penais e saibam diferenciar quando um homicida sai de casa determinado a matar alguém, ou seja, com dolo (intenção de matar), ou se o caso entra no âmbito culposo, sem intenção e em razão de uma ação de imperícia, imprudência ou negligência.
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Quero receberSe você tem um carro que vai de 0 a 100 km/h em quatro segundos, e você quer ir atrás de uma moto, você assumiu um risco, mas você não saiu da sua casa determinado a matar alguém com o seu Porsche. É isso que eu estou falando para as pessoas serem menos hipócritas. (...) Também olhe para esse aspecto de ter sido um acidente, seja um empresário ou não, seja o filho de um cara que vendeu churrasquinho e foi bem-sucedido ou não, herdeiro ou não. Não estamos falando que sua classe social define a tipificação de um crime.
Ela também criticou textos da imprensa que falam que "empresário matou motoboy" por achar tendencioso e "muito grave". "Em outras proporções, é você falar que um drogado em uma biqueira não tem direito à Justiça. Ele é usuário, foi na biqueira e morreu porque quis. Ele é o proprietário de uma Porsche, então, ele que se fod*, por ser proprietário de uma Porsche, então, ele já é culpado."
SSP abriu procedimento para apurar conduta
"Os comentários da policial não refletem o pensamento da Secretaria da Segurança Pública e da Polícia Científica", declarou a SSP-SP em nota. Ao UOL, a pasta disse que a Corregedoria abriu um procedimento para apurar a conduta da agente e "todas as medidas cabíveis serão tomadas".
A policial atua há 30 anos na equipe de perícias do DHPP e tem mais de 197 mil seguidores no Instagram. Ela é conhecida também por participar de séries sobre crimes. Telma já tem outro procedimento aberto na Corregedoria da corporação após o STJ (Superior Tribunal de Justiça) anular a confissão de uma acusada de matar o marido em razão de uma declaração dela e do perito do DHPP Leandro Lopes durante um podcast em 2022.
A SSP reforçou que o caso do motorista Igor Ferreira Sauceda foi "rigorosamente investigado pelo 48º Distrito Policial (Cidade Dutra), sendo adotadas todas as medidas de polícia judiciária pertinentes, sem prejuízos às investigações". Eles reforçaram que Telma não teve nenhum envolvimento nas apurações em torno do caso. "O inquérito já foi concluído e remetido ao Poder Judiciário."
A reportagem trocou mensagens com Telma em 12 de outubro. Na ocasião, ela disse que não havia sido autorizada a falar sobre o assunto pela Superintendência da Polícia Técnico-Científica e não entrou mais em contato.
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