Conteúdo publicado há 20 dias

Fotógrafa pericial é alvo de nova investigação após falas em podcast

A Corregedoria da Polícia Civil de São Paulo abriu um novo procedimento para apurar a conduta da fotógrafa pericial Telma Rocha, do DHPP (Departamento Estadual de Homicídios e de Proteção à Pessoa). A ação ocorre após a agente comentar, em um podcast, o caso do motorista de Porsche — do qual ela é amiga — que atropelou e matou um motociclista em 29 de julho, na capital paulista, e ainda admitir que descumpre leis de trânsito.

A policial atua há 30 anos na equipe de perícias do DHPP e tem mais de 197 mil seguidores no Instagram. Ela é conhecida também por participar de séries sobre crimes.

Telma já tem outro procedimento aberto na Corregedoria da corporação após o STJ (Superior Tribunal de Justiça) anular a confissão de uma acusada de matar o marido em razão de uma declaração dela e do perito do DHPP Leandro Lopes durante um podcast em 2022. A dupla, que atuou no caso, detalhou como colheu a confissão da mulher. Para a ministra Daniela Teixeira, eles não deixaram claro que ela tinha direito ao silêncio para não se autoincriminar. Apesar da anulação, o tribunal manteve a decisão para levar a acusada a júri popular.

A nova investigação contra a fotógrafa do DHPP foi confirmada pela SSP-SP (Secretaria da Segurança Pública) de São Paulo ao UOL. No podcast Inteligência Ltda, em 27 de agosto, Telma, o chefe da equipe de perícias do DHPP, André D'Ávila, e o youtuber Beto Ribeiro, foram questionados por internautas sobre o que achavam do caso das ocorrências envolvendo motoristas de Porsche que provocaram mortes em São Paulo. O programa completo tem mais de quatro horas e mais de 700 mil visualizações.

Na ocasião, Telma disse ser "amiga" do motorista e empresário Igor Ferreira Sauceda, réu preso pela morte de um motociclista em São Paulo, e destacou que a repercussão do caso seria uma "tremenda hipocrisia" visto que outras ocorrências do tipo, onde as marcas e modelos dos veículos envolvidos não são de luxo, não eram amplamente divulgadas. Como o UOL mostrou, Igor tinha mais de 400 pontos na CNH (Carteira Nacional de Trânsito).

Eu acho que você acelerar um carro potente e cometer um acidente desse é sua cara responder. Ponto. Mas vamos ser, no mínimo, menos hipócritas. Sério mesmo? O cara é filho de um churrasqueiro de rua. Ninguém falou isso, vocês sabiam disso? O pai dele era manobrista, vendia churrasquinho na rua, montou uma birosquinha, ela aumentou, colocou os filhos para trabalhar... o cara é da periferia da zona sul e está sentado num financiamento bancário para comprar um Porsche, que era um sonho de consumo. E aí você coloca como empresário e irresponsável? Isso eu não acho certo.
Telma Rocha, em podcast

Ainda comentando o caso, ela relembrou a informação que, dias antes da morte do motociclista, o Porsche dirigido por Igor foi gravado "perseguindo" o carro de ex-sócios dele. O vídeo da ocorrência foi feito na madrugada do dia 20 de julho, pouco mais de um mês após os ex-sócios de Igor e do pai dele registrarem um boletim de ocorrência por ameaças.

Achei incrível, um máximo porque as pessoas gostam tanto de comentar que está tendo uma perseguição só que o Porsche tá na frente, caralh*. Foi feita aonde? Com todo o respeito e sem mimimi. É uma perseguição aonde? Em Portugal? Que caralh*, mano. Foi feito de ré? Eles filmam o Porsche na frente falando 'olha lá, está perseguindo a gente'.

Na fala, a fotógrafa ainda disse acreditar que Igor não queria atropelar a vítima, o motociclista Pedro Kaique Ventura Figueiredo, mas, sim, "buscar a moto". "Se eu não conhecesse esse moleque [Igor], eu não estaria entrando nesse assunto do jeito que eu estou. Ele estava bêbado? Não. Drogado? Não. Ele que ligou para o Samu? Foi. Ele que estava a 110 km/h? Não. Então, filho, dê o poder de Justiça. Foi um acidente. Por isso que existe homicídio doloso [com intenção de matar] e homicídio culposo [sem intenção de matar]".

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Apesar da fala da profissional, em agosto, Igor virou réu por homicídio doloso triplamente qualificado. Para o Ministério Público de São Paulo, o motorista do carro de luxo teve "a intenção de matar com emprego de meio cruel". Além do meio cruel, as qualificadoras incluem motivo fútil e uso de recurso que dificultou a defesa da vítima. Igor está preso.

Anteriormente, a defesa do empresário afirmou que o motorista voltava do trabalho quando aconteceu a colisão e falou em "fatalidade". O advogado Carlos Bobadilla disse que Igor é "um cara trabalhador, honesto, do bem, que jamais teve qualquer antecedente criminal em toda a sua vida" e reforçou que o cliente não estava bêbado quando atingiu a vítima.

Ainda nas declarações ao podcast, a fotógrafa cita um exemplo da sua vida pessoal:

Telma: Foi o que eu falei, tem um mês que eu comprei o meu carro. Se alguém quebrar a porra do meu retrovisor (risos)... O André me conhece. Eu estou falando demais ou não?

André: É a dona espingarda.

Apresentador: Mas você não ia passar o carro em cima.

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Telma: Não ia passar o carro em cima, mas já que a gente quer ficar horas e horas analisando... 'Ai, porque a Suzane von Richthofen, a Elize Matsunaga, ai porque não sei o quê'. Então, beleza, vai lá, ô investigador de internet. Põe frame a frame e você vai ver uma luz de freio da moto. Ah, ele estava freando, então pode ter sido um acidente? Você entendeu? É isso que eu estou dizendo.

Por fim, ela pondera que "falou demais e que não é advogada de ninguém": "Eu acho que eu estou indo para um outro viés. É que eu me empolgo", afirmou.

Agente diz que descumpre leis de trânsito

A fotógrafa pericial Telma Rocha durante trabalho de campo
A fotógrafa pericial Telma Rocha durante trabalho de campo Imagem: Reprodução/Instagram/@telmarochaforense

Em outro trecho do podcast, Telma comentou que tinha 180 pontos na CNH (Carteira Nacional de Habilitação) até julho de 2024 e brincou: "Eu achei que a brincadeira era quem tinha mais pontos. Você entendeu? Eu não sabia que tinha que ter menos".

Na sequência, D'Ávila falou que a colega de trabalho queria chegar aos 200 pontos. Então, a fotógrafa relatou que não usa cinto de segurança (que é um item obrigatório para motoristas e passageiros) e usa o celular enquanto dirige.

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Eu vivo no telefone. Eu não uso cinto de segurança porque eu vivo armada. Aí no dia que eu sofrer um assalto e eu for tirar o cinto, aí o cara vai achar que eu vou pegar a arma e eu vou morrer. Então, eu prefiro já estar sem cinto e falar assim para o cara: 'eu vou tirar o cinto' e pego a minha arma. Mas é um risco meu, você entendeu? E isso faz de mim uma assassina porque eu tenho 180 pontos na carteira? Então eu acho que esse tipo de hipocrisia é que tinha que ser levado em consideração.
Telma Rocha, no podcast

Apesar de ter falado sobre a pontuação que tinha na CNH, não foi possível comprovar se o número dito pela policial é real. Procurado pelo UOL, o Detran-SP (Departamento Estadual de Trânsito de São Paulo) esclareceu que não poderia passar informações sobre a agente em razão da LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais).

Fotógrafa falou mais após críticas

A fotógrafa pericial Telma Rocha durante trabalho de campo
A fotógrafa pericial Telma Rocha durante trabalho de campo Imagem: Reprodução/Instagram/@telmarochaforense

Após receber comentários no chat do podcast, incluindo críticas, sobre as falas na transmissão ao vivo, Telma indicou que, se as pessoas querem "tanto falar da esfera criminal", que elas conheçam os tipos penais e saibam diferenciar quando um homicida sai de casa determinado a matar alguém, ou seja, com dolo (intenção de matar), ou se o caso entra no âmbito culposo, sem intenção e em razão de uma ação de imperícia, imprudência ou negliência.

Se você tem um carro que vai de 0 a 100 km/h em quatro segundos, e você quer ir atrás de uma moto, você assumiu um risco, mas você não saiu da sua casa determinado a matar alguém com o seu Porsche. É isso que eu estou falando para as pessoas serem menos hipócritas. (...) Também olhe para esse aspecto de ter sido um acidente, seja um empresário ou não, seja o filho de um cara que vendeu churrasquinho e foi bem-sucedido ou não, herdeiro ou não. Não estamos falando que sua classe social define a tipificação de um crime.

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Ela também criticou textos da imprensa que falam que "empresário matou motoboy" por achar tendencioso e "muito grave". "Em outras proporções, é você falar que um drogado em uma biqueira não tem direito à Justiça. Ele é usuário, foi na biqueira e morreu porque quis. Ele é o proprietário de uma Porsche, então, ele que se fod*, por ser proprietário de uma Porsche, então, ele já é culpado."

A gente não pode generalizar... Eu não queria causar essa polêmica toda, não, mas se querem pensar, pensem. (...) Você vê que isso gera uma discussão maior ainda se a gente for levar tudo a ferro e fogo. Se eu não posso falar da vida da vítima, por que eu posso falar da vida do autor? Então, eu casei com um cara que meteu a mão na minha cara, quebrou a minha cara, quando ele estava me pegando pelo pescoço eu passei a mão na arma e matei ele. 'Ah, mas ele é um alcóolatra, já foi preso, bateu em outras mulheres, agrediu a mãe, ele não sei o quê'. Mas nada disso pode ser usado porque ele é vítima. Não é justo porque muitas vezes a vida de ambos têm que ser levada em conta.

SSP abre procedimento para apurar conduta

"Os comentários da policial não refletem o pensamento da Secretaria da Segurança Pública e da Polícia Científica", declarou a SSP-SP em nota. Ao UOL, a pasta disse que a Corregedoria abriu um procedimento para apurar a conduta da agente e "todas as medidas cabíveis serão tomadas".

A SSP reforçou que o caso do motorista Igor Ferreira Sauceda foi "rigorosamente investigado pelo 48º Distrito Policial (Cidade Dutra), sendo adotadas todas as medidas de polícia judiciária pertinentes, sem prejuízos às investigações". Eles reforçaram que Telma não teve nenhum envolvimento nas apurações em torno do caso. "O inquérito já foi concluído e remetido ao Poder Judiciário."

Outro lado

A reportagem trocou mensagens com Telma em 12 de outubro. Na ocasião, ela disse que não havia sido autorizada a falar sobre o assunto pela Superintendência da Polícia Técnico-Científica e não entrou mais em contato.

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Detran-SP diz que todos os cidadãos devem respeitar a legislação

À reportagem, o Detran-SP (Departamento Estadual de Trânsito de São Paulo) disse que aqueles que ultrapassam o limite de pontuação permitido devem responder ao processo de suspensão da CNH.

"Isso pode ocorrer pelo acúmulo de 20, 30 ou 40 pontos, a depender da gravidade das infrações. Na situação de reincidência, quando o condutor infringe a lei enquanto ainda está suspenso, inicia-se o processo de cassação da CNH", informou o órgão, sem esclarecer o caso da fotógrafa.

Questionado se poderia abrir algum procedimento para apurar as falas de Telma sobre os descumprimentos da lei dito pela agente de segurança pública, o Detran-SP informou que "as infrações do órgão são lavradas quando o policial militar faz a abordagem do veículo".

"Não temos como autuar por questões faladas ou até vídeos com apresentações de más condutas", acrescentaram, ressaltando que não poderia falar diretamente sobre o caso de Telma em razão da lei de dados pessoais.

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