Delator cumpria 'requisitos' para ser morto pelo PCC, diz desembargadora
O empresário Antônio Vinícius Lopes Gritzbach, 38, morto no aeroporto de Guarulhos, não cumpria regras impostas pelo PCC e se tornou para a facção uma "ponta solta": alguém que deveria ser eliminado. A avaliação é de autoridades que investigam o grupo criminoso e veem indícios de que o crime tenha sido cometido a mando da organização.
O que aconteceu
Gritzbach era uma espécie de "representante comercial" e "coligado" ao PCC. Na avaliação da desembargadora do TJ-SP Ivana David, uma das primeiras a investigar o Primeiro Comando da Capital em São Paulo, o empresário fazia negócios com o grupo, mesmo sem passar pelo "batismo" do grupo. O procurador de Justiça do MP-SP Márcio Sérgio Christino também diz que ele era uma "pessoa de confiança para os negócios do PCC".
Empresário cumpria pré-requisitos "determinados em estatuto do PCC" para ser assassinado, diz desembargadora. Embora a polícia ainda investigue a autoria do crime que matou Gritzbach, uma das principais suspeitas é que o crime tenha sido cometido por membros da facção paulista. Isso porque o empresário é acusado de ser o mandante da morte de dois homens ligados ao PCC, Anselmo Becheli Santa Fausta, o Cara Preta, e Antônio Corona Neto, o Sem Sangue.
Dívidas e suspeitas de desvio de dinheiro estão entre possíveis motivos que teriam levado ao assassinato de Gritzbach. "Ele é delator [do Ministério Público], devia dinheiro para o PCC e era acusado de matar o Sem Sangue e o Cara Preta. Ele desatende às regras estabelecidas PCC em vários pontos. A cabeça dele estava a prêmio e valia R$ 3 milhões", afirma Ivana.
A investigação da polícia não descarta outras possibilidades, como queima de arquivo. Gritzbach havia assinado acordo de delação premiada e tinha vários inimigos agentes públicos, a quem disse ter pago altos valores em propinas.
Homens que mataram empresário tinham treinamento especial e esquema organizado. Segundo o procurador de Justiça, autor do livro "Laços de sangue: a história secreta do PCC", o grupo que participou do assassinato executou a ação de forma sincronizada — mesmo diante de um forte esquema de segurança e com a presença de câmeras. "A execução ocorreu na frente do aeroporto, uma ação ousada, cronometrada, com planejamento militar, indivíduos usando balaclava. É uma circunstância que só uma organização criminosa teria recursos para fazer."
A morte do empresário passa o recado de que para "quem some com dinheiro, a sentença é a morte". A ação que matou o empresário é considerada audaciosa até para quem investiga o PCC. "Não se pode banalizar um ato desses no maior aeroporto do país cercado por um forte esquema de segurança", afirma Ivana.
Celulares apreendidos poderão apontar a rotina do empresário, afirma desembargadora. Os policiais militares que faziam a segurança pessoal do delator do PCC tiveram os celulares apreendidos pela 3ª Deatur (Delegacia de Atendimento ao Turista). "A apreensão dos telefones e dos PMs ajudará a polícia a refazer os caminhos deles."
Mortes violentas em locais públicos tem precedentes no PCC
Assassinato de pessoas com algum tipo de relação com o crime organizados tem precedentes na organização —apesar de a morte do empresário ter chamado a atenção da polícia, autoridades e pesquisadores de segurança pública. Em 2003, o ataque contra o juiz Antônio José Machado Dias ficou conhecido como o primeiro executado contra uma autoridade do Poder Judiciário pelo crime organizado no Brasil.
A morte ocorreu quando o magistrado saiu do Fórum de Presidente Prudente, em São Paulo. O juiz dispensou a escolta policial que o acompanhava e iria direto para casa. A 300 metros de distância do prédio, o carro dele foi abordado por outros dois veículos. O primeiro disparo atingiu a cabeça de Machado Dias, que fez com que ele perdesse a direção do veículo e batesse contra uma árvore.
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Quero receberOutros três disparos atingiram o corregedor dos presídios do Oeste Paulista na cabeça, no braço e no peito. "A morte do Machadinho foi uma determinação do irmão do Marcola [apontado como líder da organização criminosa] e foi uma posição de enfrentamento contra o Estado", analisa Ivana. Para Christino, a morte do juiz foi uma ação violenta com peso diferente por se tratar de uma figura pública.
Morte do empresário expõe relações do PCC com "outros players do mercado", na avaliação de autoridades. "A tecnologia fez a facção melhorar e ampliar a comunicação e enriquecer. Em 30 anos, a facção deixou de ser um mercadinho de esquina e se tornou um hipermercado com lojas internacionais", afirma a desembargadora.
Desvios, dívidas e delação
Empresário estava envolvido em 'negócios nebulosos', diz procurador. Segundo investigações, o Cara Preta, havia entregue R$ 40 milhões ao empresário para que investisse em criptomoedas, mas o dinheiro não foi devolvido. "Vinício convenceu o Cara Preta de que poderia ter o dinheiro investido e sem riscos. O Cara Preta entregou o dinheiro e o Vinícius desviou uma parte do dinheiro", diz o procurador.
Cara Preta passou a exigir a prestação de contas e a devolução do dinheiro. Ele e Antônio Corona Neto, o Sem Sangue, foram mortos em dezembro de 2021. Segundo o MP e o procurador, Cara Preta era um integrante influente do PCC e envolvido com o tráfico internacional de drogas. Com isso, Christino conta que membros do PCC passaram a perseguir o empresário. Nesse momento, ele fez a delação premiada como forma de se proteger.
"Vinícius era um coligado do Cara Preta que fazia lavagem de dinheiro", diz procurador. Para Cristino, essas funções o colocavam numa posição estratégica para os membros da facção. "Eles [PCC] conseguiram matar Vinícius e acabaram com essa história e vão seguir os negócios. Ele era uma ponta solta que se cortou", afirma.
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