Com "PIB" de até R$ 4 bi, garimpo ilegal busca Brasília para se estabelecer
Resumo da notícia
- Garimpo mantém pressão para expandir atividades no Norte
- Conflito com indígenas ocorre na disputa por territórios
- Negócio de bilhões, garimpo tem acesso ao governo federal
- Indígenas se queixam de poluição, drogas e prostituição
"Já vendemos 600 escavadeiras para os garimpeiros", celebrou Roberto Katsuda, o maior revendedor das máquinas na região de Itaituba, principal cidade mineradora da bacia do Rio Tapajós, no Pará. Com custo entre R$ 500 mil e R$ 1 milhão cada, as escavadeiras são usadas para cavar buracos profundos nas margens dos rios em busca de ouro.
Pelos dados do empresário, os donos de garimpos de Itaituba investiram entre R$ 300 milhões e R$ 600 milhões apenas em maquinário nos últimos seis anos, uma evidência da força econômica da atividade. Estima-se que o faturamento dos garimpos ilegais no Brasil varie de R$ 3 bilhões a R$ 4 bilhões anuais, segundo dados do Ministério de Minas e Energia revelados durante audiência pública na Câmara dos Deputados.
O empresário, que representa a multinacional sul-coreana Hyundai — uma das principais vendedoras de escavadeiras do mundo —, calcula que somente as máquinas vendidas por ele consomem R$ 288 milhões de combustível por ano na cidade.
"Agradeço à classe garimpeira, pois são vocês que colocam comida na mesa da minha família", disse o empresário durante audiência, acompanhada pela Repórter Brasil, para discutir a legalização da atividade garimpeira.
Muitos dos presentes no encontro, realizado em 27 de setembro, usavam camisetas com os dizeres "Garimpeiro não é bandido. É trabalhador".
Além de ter encontrado um filão de mercado em Itaituba, cujo apelido é "cidade pepita" (em referência ao ouro abundante), Katsuda conquista projeção política na região. Ele participa das comitivas da cidade, formada por políticos e garimpeiros, que visitam frequentemente Brasília para pleitear mudança na legislação e legalizar a atividade — o que inclui o garimpo em terras indígenas.
Em outubro, chegou a ser recebido pelo ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni.
Por conta de seu bom trânsito no mundo político, Katsuda participou de uma entrevista coletiva sentado ao lado do prefeito de Itaituba, Valmir Clímaco, dois dias antes da audiência. Clímaco teve o afastamento do cargo pedido pelo Ministério Público Federal por ter dito, em junho, que receberia "à bala" servidores da Fundação Nacional do Índio (Funai) designados para fiscalizar sua fazenda.
A propriedade, reivindicada por indígenas Munduruku, foi a mesma onde a Polícia Federal encontrou 583 quilos de cocaína em julho deste ano. O prefeito nega envolvimento com a droga.
Além do prefeito de Itaituba, outros políticos estiveram presentes na audiência, como os deputados federais do Pará que fazem parte da Comissão de Minas e Energia, Airton Faleiro (PT) e Joaquim Passarinho (PSD).
O prefeito de Novo Progresso, Ubiraci Soares Silva (PSC), que governa a cidade onde ocorreu o "Dia do Fogo", também marcou presença.
Essa pressão toda que está acontecendo dessas ONGs é porque já desmataram o mundo inteiro e querem jogar a conta em cima de nós brasileiros.
Roberto Katsuda, empresário, durante audiência na Câmara de Itaituba
Em entrevista à Repórter Brasil, o empresário disse que a ilegalidade se deve à lentidão do governo para autorizar a abertura de garimpos. Ele contou que esteve em Brasília diversas vezes para se reunir com ministros e que acredita no empenho do governo para simplificar o processo de legalização. "Tenho gostado bastante do posicionamento do governo Bolsonaro", afirma.
O garimpo, juntamente com a extração ilegal de madeira e a pecuária, é um dos responsáveis pelo desmatamento da Amazônia, que cresceu 29,5% nos últimos doze meses - a maior alta em 22 anos, de acordo com dados divulgados nesta segunda-feira pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
Indígenas se queixam de poluição e drogas
Antes da audiência, que estava prevista para acontecer em um local de eventos, os Munduruku fecharam a entrada de acesso ao encontro. Com arcos, flechas, bordunas e com os corpos pintados, tentaram impedir a articulação entre representantes do governo e garimpeiros.
O garimpo está dividindo nosso povo, trazendo doenças, contaminando nossos rios com mercúrio, trazendo drogas, bebidas, armas e prostituição. E ganância. O desgoverno do Brasil não fala pelo povo Munduruku.
Carta lida pelos indígenas e entregue a deputados federais
Durante o protesto, houve momentos de tensão - indígenas enfrentaram garimpeiros que invadem seus territórios nas margens dos rios Tapajós e Teles Pires. Na tensa conversa entre os dois lados, Marilu de Lourdes Vobelo, que se identificou como advogada dos indígenas favoráveis ao garimpo, tentou convencer os Munduruku sobre os benefícios da atividade.
"Essas ONGs fazem a cabeça de vocês, mas não dão [faz sinal de contar dinheiro com os dedos] para vocês sobreviverem", disse. Ela foi contestada por Maria Leusa Munduruku: "Eu tenho certeza que a senhora não é daqui. A senhora está vindo para explorar o nosso território!"
Com o acesso fechado pelos indígenas, os políticos e garimpeiros mudaram o local da audiência - que aconteceu na Câmara Municipal. Do lado de dentro, a discussão ocorreu em uma sala decorada com um quadro retratando um indígena cercado por árvores derrubadas e um garimpeiro com sua bateia. Já do lado de fora, o prédio estava cercado por policiais para impedir a entrada dos indígenas.
Proposta sobre garimpo gera embate Planalto x Câmara
Defendida pelo presidente Jair Bolsonaro, a exploração do garimpo em terras indígenas depende da aprovação de uma nova lei pelo Congresso Nacional, como prevê a Constituição. Apesar da pressa por parte do Executivo em legalizar a atividade, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, disse que vai arquivar a proposta que chegar ao Congresso.
A tensão entre indígenas e invasores de seus territórios se agravou desde a posse de Bolsonaro. Foram 160 ataques entre janeiro e setembro deste ano ante 109 ataques em 2018, de acordo com relatório "Violência contra os Povos Indígenas do Brasil", do Conselho Indigenista Missionário (Cimi). Um aumento, até agora, de 47%.
No Pará, indígenas Kayapó e Munduruku criaram grupos responsáveis por fazer rondas nas respectivas terras indígenas. O chefe dos guerreiros Munduruku, Bruno Kaba, reuniu mais de 100 indígenas e, em setembro, depois de uma expedição em busca de novos garimpos em seu território, retiraram 11 escavadeiras usadas para extração de ouro.
Já os Kayapó queimaram pontes construídas por madeireiros e garimpeiros e expulsaram os invasores na Terra Indígena Menkragnoty, em Altamira. "Desde o novo governo, convivemos com a preocupação de ter a terra invadida a qualquer momento", lamenta o cacique Ben Gyraty Kayapó da aldeia Pyngraitire.
Garimpeiros se articulam em grupo de WhatsApp
Enquanto os indígenas organizam estratégias, os garimpeiros de Itaituba se articulam por meio de grupos de WhatsApp, param rodovias e conquistam apoio político.
Após fiscais ambientais terem queimado duas escavadeiras em um garimpo ilegal dentro da Floresta Nacional dos Tapajós, os garimpeiros da região se organizaram para fecharem a BR-163 por cinco dias. Nos protestos, eram recorrentes gritos de "Fora ICMBio" e cartazes com imagens das máquinas queimadas. O fechamento da rodovia prejudicou o escoamento da soja, que sai do Mato Grosso para o porto no rio Tapajós em Itaituba.
A articulação do protesto reuniu mais de 200 garimpeiros em um grupo de WhatsApp, inicialmente batizado de "Interdição BR-163" e, depois, renomeado para "Garimpo a luta continua".
A Repórter Brasil tem acesso ao grupo desde o final de setembro, onde são corriqueiras as ameaças aos fiscais ambientais. Os carros das equipes de fiscalização são fotografados, filmados, e as imagens disseminadas entre os membros do grupo. As reações mais comuns são de garimpeiros dizendo que vão revidar, queimando os veículos dos fiscais.
No grupo, eles também dividiram os custos do protesto e passaram a alinhar o discurso para que os representantes levem as propostas aos encontros em Brasília.
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