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Nudez em público e roupas "inapropriadas" levam Barcelona a criar lei

Jacint Ribas, presidente da Associação para Defesa do Direito à Nudez, em um café em Barcelona - Charlie Mahoney/The New York Times
Jacint Ribas, presidente da Associação para Defesa do Direito à Nudez, em um café em Barcelona Imagem: Charlie Mahoney/The New York Times

John Tagliabue<br>Do The New York Times

Em Barcelona (Espanha)

18/04/2011 12h06

Todos os anos desde 2004, Jacint Ribas pega sua bicicleta no mês de março e, não usando nada além de seus cabelos grisalhos, pedala pelas ruas dessa cidade portuária. Agora ele diz que já percorreu cerca de 7.700 quilômetros, para abrir a temporada do nudismo em público.

Em um dos anos ele foi parado pela polícia 30 vezes, e solto todas elas, porque não estava infringindo a lei.

“Eu faço isso para mostrar que é normal”, disse Ribas, 62, bancário aposentado que é presidente da Associação para Defesa do Direito à Nudez, enquanto bebia vinho e comia fatias de presunto.

O exercício anual começou em 2004 porque este foi o ano em que a Câmara Municipal da cidade de Barcelona patrocinou um folheto com o título intrigante de “Expresse a si mesmo com a nudez”. Ilustrado com fotos de cidadãos comuns nus nas ruas, no metrô e nos parques da cidade, ele afirmava categoricamente que a lei “não continha nenhum artigo que penalizasse a nudez em público.”

O folheto continuava, dizendo que a cidade respeitava “o direito dos cidadãos ao nudismo” e contava com entusiasmo que um ano antes, em 2003, não menos de 7 mil pessoas se voluntariaram para tirar a roupa juntas em Barcelona.

Foi um grande projeto de nu artístico organizado pelo fotógrafo norte-americano Spencer Tunick, que já fotografou multidões nuas em Nova York, Melbourne, São Paulo e Santiago, Chile.

Apenas para esclarecer, nem Tunick nem o folheto da câmara no ano seguinte desencadearam uma onda pública de nudez. Questionado sobre quantos moradores da cidade se valeram do liberalismo da lei, Ribas respondeu envergonhando: “pouquíssimos”.

Mas mesmo para esses poucos, a temporada da nudez legalizada pode estar chegando ao fim. No início deste ano, um comitê da Câmara dos Deputados aprovou um projeto de lei que permite à polícia parar pessoas nuas ou vestidas inapropriadamente nas ruas e exigir que elas se cubram ou paguem multas de até US$ 700. Toda a Câmara deve aprovar a medida no final deste mês.

A vice-prefeita do Partido Socialista no governo, Assumpta Escarp, reconheceu quase em tom de desculpas que a lei não era tanto voltada para a nudez nas ruas quanto para o uso de roupas inapropriadas.

“Nos últimos anos, não tem havido muita nudez, mas sim trajes sumários”, disse ela, “pessoas que vão da praia para a cidade, para museus e igrejas, usando trajes de banho”.

O evento de arte de Tunick (do qual ela não participou) foi uma “expressão artística”, disse ela. “É muito diferente de visitar a igreja Sagrada Família usando biquíni”.

Ela se referia à igreja projetada pelo arquiteto Antoni Gaudi, que é um grande ponto turístico.

Barcelona tem suas praias de nudismo, disse ela, mas o nudismo nas ruas não é um problema grave, embora exista um ativista famoso que costumava andar de metrô sem nenhuma roupa.

“Há três ou quatro ativistas do nudismo” ao todo, disse ela.

Pamela Oliver, 28, que trabalha num restaurante atrás da prefeitura, concorda.

“Já vi cerca de três ou quatro pessoas na rua, mas elas nunca entram aqui”, disse ela, acrescentando que os moradores de Barcelona, a maioria solteiros, frequentam praias de nudismo no Mediterrâneo quando sentem vontade de se despir. “É mais tranquilo, não há crianças correndo por perto. A família típica espanhola não as frequenta.”

Natalia Casado, 35, estudante de línguas, disse que viu poucas pessoas nuas pela cidade, embora tenha ouvido falar do passageiro nu do metrô.

“Imagine como deve ser desconfortável, com todas as pessoas lá”, disse ela. “Não só o visual, mas também os odores.”

Os poucos defensores locais do nudismo estão divididos. Just Roca, 56, especialista em sexologia que participou da foto da multidão feita por Tunick, deixou a associação de Ribas por conta de “diferenças filosóficas” sobre a nudez e fundou um grupo chamado Aleteia, batizado com a palavra grega para “verdade”. As praias e campos de nudismo, muito comuns na Espanha, “nasceram de uma cultura que diz que estar vestido é normal – eu digo que a nudez é a situação natural”, defende.

Roca compara a campanha contra a nudez à proposta para proibir o uso do véu muçulmano feminino, a burqa, em lugares públicos, como fizeram várias cidades da região da Catalunha e como a Câmara dos Deputados de Barcelona está considerando fazer. Roca classificou ambas as medidas como formas de segregação.

“É o mesmo que dizer 'nada de negros'”, disse ele.

Ao mesmo tempo que os políticos temem que as mulheres vestidas com burqa tenham algo a esconder, “eles imaginam que uma pessoa nua também tem algo a esconder”, disse ele.

Guy Reifenberg, 37, cuja agência de viagem, Kokopeli, organiza passeios de aventura, disse que as sanções propostas não eram tanto para acabar com a nudez, mas sim uma forma de controlar o turismo em excesso, que vem inundando Barcelona.

“A cidade está com medo dos turistas que tem atraído”, disse Reifenberg, nativo de Israel que mora aqui há seis anos.

Esses turistas, diz ele, vêm pelo “álcool barato, festas, para ficar na rua e não gastar dinheiro”. Como resultado, a comunidade empresarial da cidade – hotéis, restaurantes, bares e lojas – pressionou o prefeito, Jordi Hereu, socialista que enfrenta uma difícil reeleição em maio.

O charmoso Centro Velho, com seu famoso Quarteirão Gótico, é o foco do problema, disse Reifenberg.

“No Centro Velho, ultimamente, há um grande aumento no consumo de drogas leves”, disse ele, apontando as varandas de prédios pitorescos, onde faixas diziam: “Fora Bêbados”, “Turismo = Câncer” e “Prefeito Hereu: Não queremos drogas nem chiqueiro”.

Na charmosa praça triangular batizada com o nome de George Orwell, que morou na cidade durante a guerra civil espanhola, degraus de pedra costumavam convidar os jovens turistas a se sentarem, ficarem bêbados e fazer barulho a noite inteira. Os degraus foram removidos recentemente, e em março foi inaugurado um grande parquinho infantil, numa tentativa de impedir a circulação desregrada.

Joaquim Mestre, 50, membro do Partido Verde liberal que é conselheiro de direitos civis da cidade, disse que os apoiadores das novas sanções esperavam dar à polícia e aos tribunais uma ferramenta legal para controlar o comportamento abusivo por parte dos turistas. Seu partido se opõe às sanções, assim como se opõe à proibição da burqa. Da mesma forma que os pelados de Barcelona não passam de um punhado, o número de mulheres que usa a burqa na vizinha cidade de Lleida, a primeira da Catalunha a proibi-la, “é de cerca de três”, disse ele.

Quanto à nudez em Barcelona, disse Mestre, basta ir no verão para os bairros mais ricos da cidade, ao norte da ampla Avenida Diagonal, que corta a cidade ao meio.

“Você verá esportistas ricos toda manhã, usando os trajes mais reveladores”, disse ele. “Será que a polícia os impedirá?”